Agora fico a olhar o apartamento de frente ao meu. Fico de soslaio. A
moça parece escutar uma canção, pois dança sozinha com um copo de
bebida nas mãos, deve ser whisky, cuja palavra ao ser pronunciada, os
lábios parecem ao final abrir-se em um leve sorriso, um botão em flor.
Ela fica dançando e está quase pelada - linda como poucas. De repente
ela para, e será ela que ficará reflexiva na janela - isso por um
tempão. Vira de costas e encostada na parede vai sentando no chão. Fico
olhando horas e horas, a mesma cena - janela aberta, luz acesa - e
ninguém para de fato eu enxergar. Será que ela está ainda sentada? Será
que pensa em que? Uma pessoa a abandonou ou ela sempre foi sozinha? Eu
penso que é uma menina só, e eu também sou só, e minha solidão é maior,
pois fico olhando, olhando fixamente - como se desejasse reter nas
pupilas o que um dia esquecerei. Menina e menino tão sós, nunca fomos
abandonados e nem rejeitados, somos sós, uma alegria de ser na solitude
nessa noite tão molhada.
[Hp; ficção]