O PROCESSO VIVENCIAL DE SER ESTUDANTE CEGO NA SINDEMIA DA
COVID-19
Hiran Pinel, autor
12 de abril de 2022
Vitória, ES.
EM CITANDO: Favor referendar. Não cometa crime de plágio, de qualquer jeito sempre devemos a alguém antes de nós, que pensou-sentiu-agiu, MAS cite. É fácil citar
O surto, a epidemia,
a endemia, a pandemia etc., desvela, ao contrário do que se pensa, de que há mais
variáveis, e não apenas uma, nas questões de saúde como na atual Covid-19,
DST-HIV-Aids, influenza, hanseníase, febre amarela etc. Podemos acrescentar
aqui-agora o termo "sindemia", considerado um termo mais correto em
lugar do de pandemia. Mas, qual a origem do termo "sindemia"?
A palavra "sindemia"
traz ao seu corpo etimológico dois vocábulos aparentemente diferenciados, mas
que se completos: "sinergia" e "epidemia". Fue Émile
Littré, século XIX, que intrduziu em seu "Dictionnaire de la langue
française" (1872-1877) a palavra "synergie" como própria da
Fisiologia: é a confluência e competição
"de ação, de esforço, entre vários órgãos (humanos), vários músculos;
associação de vários órgãos para o desempenho de uma função”. Trata-se de
sintetizar o que se conhece por "epidemias sinérgicas". De origem grega,
"syn" =“trabalhar juntos” ou “atuar, agir com”, enquanto "demos"
= população, que é usado ao modo semelhante aos termos epidemia e endemia.
Na sindemia ocorre
diversas doenças, em seus múltiplos estágios, interagindo de forma e modos
interdinâmicas e diferenciados, produzindo danos uns aos outros, aumentando
negativamente seus efeitos sobre o organismo humano coletivo e individual
destacando e desvelando direta e visivelmente seus impactos numa dimensão
social, ambiental, biológico e psicológio-existencial.
Podemos falar em uma "sindemia da emergência", ela que carece de uma
visão ampliada (ou holístico-existencial) quanto ao papel da Saúde Pública.
Para um serviço de assistência adequada e de qualidade ao povo, onde o próprio
Estado resista desbragadamente contra sua necropolítica - e isso é (im)possível,
pode ser uma exigência criar e fazer uma metafórica travessia da abordagem
clássica epidêmica quanto ao risco de transmissão, chegando ao uma percepção do
fenômeno existencial (humano, mundo, problema, intervenção) inserindo os modos
de ser do ser no mundo sindêmico, potencializando os aspectos sociais,
biológicos/ orgânicos, psicológicos e até existenciais.
Na perspectiva,
aqui-agora descrita, a sindemia é um termo que indica a responsabilidade que
temos em descrever compreensivamente o conjunto de problemas de saúde, que são
de fato interligados, e de modo complexo, mas de uma aproximação muito íntimas
e ao mesmo tempo indissociáveis. Essa associação de doenças, quanto mais se
interligam, mais elas vão se ampliando na contaminação uma das outras,
prejudicando, mais e mais, a saúde do ser humano. O prejuízo pode ocorrer numa
dimensão individual, mas, principalmente na coletiva, revelando de modo mais
evidenciado as condições pelas quais tais pessoas estão inseridas, sendo elas
oprimidas, marginalizadas, famintas, obesas, diabéticas, com sérios problemas
cardiológicos, uso de drogas etc., pontuando o estado psicológico existencial
em sentir-pensar-agir experiências negativas, pois injustas, como a pobreza, a estigmatização, o distresse, a
violência etc., que tem persistido na estrutura de uma sociedade de classe,
estruturada por um capitalismo selvagem.
Assim sendo, a
sindemia envolve grupamentos de duas ou mais doenças entre o coletivo
populacional, bem como o mostrar da indissociação de fatores psicológicos
(problemas emocionais; problemas na aprendizagem devido à tensão gerada, por
exemplo), sociais (e culturais), e de chofre, o biológico ou orgânico-corporal
(doenças infecciosas e parasitárias, doenças crônicas não transmissíveis,
desnutrição etc.).
*
Temos estudado o/a aluno/a
cego/a no processo "pendêmico" da Covid-19 associado com outras doenças (psicológicas,
biológicas, sociais) em contextos sociais diferenciados, que o são, de modo
radical, pela classe social, configurando, então, o que se denomina de
sindemia. Temos focado uma Educação Especial dentro e fora da classe
hospitalar, observando o sujeito propriamente dito com suas singularidades,
assim como sua família e ao entorno, fazendo parcerias com os serviços públicos
de saúde e de educação fora do hospital (classe hospitalar).
Compreendemos o aluno
cego empobrecido pelo sistema capitalista selvagem. Seu nome pode ser Kongpob,
e ele pode ser compreendido como aquela pessoa com uma vivência distressante que
a sindemia acarretou, inclusive, dificuldades emocionais e "tensionais"
(corporais) que o perturbava no seu desempenho acadêmico em "estudos
online" no seu domicílio, ou estando ele numa "sala de aula inclusiva"
ou numa "classe hospitalar", lugares de sentido em que vinha obtendo
bons rendimentos, só que antes do fenômeno sindêmico. O reflexo existencial de
uma Covid-19 na pessoa cega, no seu caso, produziu impacto nos "modos (dele)
de ser" cego no seu "ser no mundo" complexo, injusto e perverso,
apesar de algumas subjetividades e objetividades positivas. Tanta psicopatia
advinda das pessoas e da necropolítica (Estado) foi desvelada frente às
situações caóticas da saúde pública brasileira, devido mesmo a uma péssima
gestão dos serviços (de saúde) oferecidos pelo país ao cidadão empobrecido e
oprimido.
O atendimento
oferecido não foi da altura de uma pessoa cega e rica, ele mesmo percebeu isso,
um médico chegou a expressar isso conosco - com o Grufei, a diferença de
tratamento na saúde pública comparado com o de pacientes conveniados com
sistema privados de saúde, ainda que no caso da Covid os recursos cientificamente
disponíveis serem bem escasso.
A professora de
Educação Especial no seu cotidiano, poderá desaperceber um cotidiano de ser
cego, que nas condições de prevenção contra a Covid, seu aluno tenderá a sair
prejudicado, pois, não enxergando, tudo fica difícil a ele nesse contexto
sindêmico, por ex. Fica muito difícil ao aluno cego fiscalizar o uso, no outro,
da máscara, do álcool gel, assim como o distanciamento, e o não passar as mãos
em objetos que podem estar contaminados etc.
As mãos, não só elas,
mas principalmente elas, são uma das possibilidades (ricas, até) do cego lidar
com as coisas dos mundos, o outro e os outros - tocar, o autorizar-se tocar-se
e permitir que o outro o toque. E em ambiente inóspitos, adversos/ agressivos/
perversos/ preconceituosos/ estigmatizadores/ discriminadores etc., o "passar
as mãos" torna-se assim mais um risco para expressar seus "modos de
ser" frente à sindemia da Covid. Mas, esse "ser no mundo" vive em
um mundo desigual, principalmente marcado pelas classes sociais.
Assim, por ex., um
cego com Covid fazendo prevenção contra, sendo este pobre, com cânce e ou outro,
sendo aquele rico e com câncer, (eles) vivenciarão possibilidades diferenciadas
de acordo com a classe de onde eles estão instalados pela produção capitalista
selvagem, podendo ter semelhanças e diferenças, tanto positivas e ou negativas
pra ambos os lados, mas, sem dúvida, o indivíduo cego rico poderá ampliar mais
suas redes de cuidados concretos.
Imaginemos cegos dois
diabéticos obesos, tipo 2, com a mesma idade cronológica, mesmo peso. Um é rico
e tem acesso a remédios caros e de bons resultados clínicos, como Saxenda, que
custa cerca de 800 reais a caixa, com três canetas, se se ele aplica 3ml ao dia, o remédio não durará nem
um mês. Ele poderá tomar Trulicyt que custa cerca de 300 reais, com duas
canetas, que duram duas semanas apenas, além dos outros remédios que se
consegue, apenas com uma receita médica, via serviço público de saúde como
Glifage e outros, mas não pode recorrer à Saxenda e Trulicyt no público, pelo
menos, por ora. O diabético empobrecido só tomaria Glifage e outros. Isso sem
considerar as dificuldades de acesso ao serviço público de saúde, devido até
mesmo, à desinformação ou desesperança. Ambos têm que fazer regimes alimentares
- com e sem nutricionistas; exercícios físicos - com ou sem academia, e ou
professor particular de treinamento físico; e os referidos remédios, e isto
implica em gastos econômico, conhecimento, capacidade a produzir resistências e
reivindicação etc. Pela probabilidade, o diabético rico, que tem acesso aos
mais diversos e atualizados remédios na esfera de sua doença, academias,
nutrólogos (médicos) e nutricionistas, psicólogos clínicos, psiquiatras etc.,
provavelmente sairá melhor do quadro, isso sem contar com atendimentos médicos
por planos privados de saúde ou atendimentos privados mesmos - ainda que possa
haver diferenças, exceções. Isso começa a pontuar o sentido de ser cego empobrecido
e ou rico, vivenciando um processo de sindemia.
Por isso, é preciso
estancar imediatamente as ações necropolíticas e partir para uma reformulação ágil
dos sistemas públicos de saúde, retomando valores humanos dentro de uma
humanidade ético-estética - o "quão
belo" (estética) é cuidar (ética), por sinal, investimentos
"esquecidos" até intencionalmente pelo Estado necropolítico. E a
saúde pública é bem mais do que oferecer vacinas, algo indispensável e vital,
potente, mas cuidar de outros aspectos relacionados à saúde em geral: toda
saúde e sua relação com a educação (pública), justiça, segurança etc.
Já os serviços de
saúde e educação, nestes tempos-espaços, poderia focar na formação de sujeitos
mais reivindicativos, resistentes, opositores à corrupção do Estado necrófílo,
onde as relações interpessoais sejam suficientemente positivas, para recordar
ao aluno cidadão: a) que as relações interpessoais positivas ajudam na produção
da boa saúde mental; b) de que elas, as relações amorosas professor-aluno,
possam (co)mover o processo ensino-aprendizagem de aluno especiais ou não, nos
conteúdos educacionais e escolares, sejam os planejados, sejam os politizados;
c) produzir a conscientização crítica (Paulo Freire), bem como modos de ser na invenção da resistência e desobediência civil contra as necropolíticas na
saúde e fora dela; valorizar a ciência, mas sem endeusá-la alienadamente, reconhecendo
seu papel e força frente a uma pandemia, que de fato acaba configurando uma
sindemia - etc.