PHILIPPE PINEL: APRENDENDO COM O OUTRO
Hiran Pinel, autor.
O ator norte americano
Edmond O'Brien, na película “O homem que matou o facínora” (de 1962), diz em um
determinado momento fílmico: “Este é o oeste, senhor. Quando a lenda vira fato,
imprima-se a lenda” (in Mora, 1999; p.50).
1. INTRODUÇÃO
Quem é essa “celebridade”? De onde
veio? Estudou? Veio da miséria? Qual sua orientação sexual? O que ela esconde
de nós? Onde está o buraco da fechadura, para que eu possa olhar e sentir o que
de fato me esconde? Quero bisbilhotar, quero xeretar a vida do outro – de mim?
De quem? Como essa “celebridade” pode enriquecer minha monótona vida? Qual sua
origem?
O ser humano, talvez por sua finitude
certa, sempre desejou e “ousou” - pelo sofrimento decorrente dessa ousada busca
desejante - re-buscar suas origens. Atualmente, parece haver uma busca
frenética por árvores genealógicas, biografias, vidas privadas, psicobiografias
etc. Queremos saber de nós! Queremos saber do outro! Queremos mostrar nossa
curiosidade pela vida alheia! Queremos olhar n'algum espelho – bem polido, bem
deformado – deformante.
Por detrás destes interesses
“genealógicos” – história da vida de alguém, celebridade ou não - podem ocorrer
delicadas descobertas. Vou falar do Pai da Psicologia Clínica e da Psiquiatria
Philippe Pinel – e como bem veremos pode ser considerado um grande psicólogo
educacional – ou um educador não escolar.
Médico, psiquiatra renomado – na
época não havia formação de psicólogos, já que que esta arte/ ciência pertence
à Filosofia e sua prática à Medicina – Philippe Pinel ganhou a “LEGIÃO DE
HONRA”, criada por Napoleão – pertencendo ao primeiro grupo de condecorados.
Como esse sujeito ficou famoso?
Estou a defender a “tese”(?) de que
Philippe Pinel tornou-se o que é, sendo no mundo, isto é, buscando e
encontrando ajuda de um ex-paciente e um simples vigilante chamado Pussin
(1746-1811).
Pinel acabou por conduzir Pussin a
compor a História da Psicologia Clínica e da Psiquiatria – através de sóbria e
rigorosa observação dos cuidados oferecidos pelo ex-doente mental aos seus
companheiros existenciais.
2. METODOLOGIA
TIPO DE PESQUISA
Neste contexto, esta pesquisa
bibliográfica fenomenológica (Forghieri, 1993; Pinel, 2000 b) e histórico psicobiográfica
(Pinel, 2000 a)
objetivando delinear “inventivamente” a “honrosa figura” de Philippe Pinel,
(des)velando possíveis subjetividades na construção sócio-histórica de um mito
da Psquiatria e da Psicologia.
SUJEITO DA PESQUISA/ POR UMA BIOGRAFIA
OFICIAL
Ele é considerado o fundador ou “Pai”
da Psiquiatria francesa – e por conseguinte, dos primordios da Psicologia
Clínica. Procuraremos, a partir de dados objetivos, compreender, atualmente,
suas subjetividades.
Desejamos fazer o mesmo com a
vida de seus dois filhos: Scipion: Médico psiquiatra e psicólogo clínico
relativamente reconhecido – não tão quão seu pai - e de Charles: Botânico e
mineralogista reconhecido, no plano histórico, internacionalmente.
Vejamos uma biografia publicada por
Rubem Queiroz Cobra (2004), que configura um discurso oficial:
PHILIPPE PINEL: A VERSÃO MITOLÓGICA
DE UMA EXISTÊNCIA
Médico, pioneiro no tratamento dos
doentes mentais, Pinel nasceu a 20 de abril de 1745, em Saint André, cantão de
Alban, no Departamento do Tarn, Sul da França, entre Castres e Toulouse.
Faleceu a 25 de outubro de 1826, em Paris.
Fez seus estudos clássicos,
ingressando depois na Faculdade de Teologia de Toulouse em 1767.
Desistindo de abraçar a vida
religiosa, passou a estudar matemáticas, mas optou depois pela medicina, uma
carreira tradicional em sua família (Seu pai era cirurgião barbeiro e vários
ancestrais por parte de sua mãe haviam sido médicos, apotecários e cirurgiões).
Diplomou-se na Faculdade de medicina
de Toulouse aos 28 anos em dezembro de 1773.
No ano seguinte foi aperfeiçoar seus
conhecimentos de medicina em Montpellier, onde, por quatro anos, freqüentou a
escola de medicina e os hospitais. viver, fazia trabalhos acadêmicos para
estudantes , deu cursos particulares de matemática e de anatomia.
Em 1777 apresentou dois trabalhos
sobre aplicação de Matemática ao estudo da Anatomia Humana para a Société
Royale des Sciences de Montpellier, da qual foi nomeado membro correspondente.
Chegado a Paris em 1778, ele se
sustentou por muitos anos fazendo traduções científicas e médicas, e ensinando
matemática.
Nesse período, também visitava
doentes mentais confinados, escrevendo artigos sobre suas observações.
Inicialmente clinicou e somente
passou a se interessar pela psiquiatria por volta de 1780, aos quarenta anos,
devido à preocupação em socorrer um amigo vítima de psicose maníaca aguda.
Porém, somente cerca de 1786 tratou
de doentes mentais, contratado por Belhomme para atender em sua clínica para
doentes mentais aristocratas.
Tornou-se amigo do filósofo e
fisiologista Pierre Jean Georges Cabanis (1757-1808) e do médico
Michel-Augustin Thouret (1748-1810) que viria a ser posteriormente, em 1794, o
primeiro diretor da Ecole de Santé de Paris, após reformada pela Revolução.
Cabanis o introduziu aos salões de
Madame Helvetius, viuva do filósofo Claude-Adrien Helvétius (1715-1771), onde
conheceu o embaixador americano Benjamin Franklin (1706-1790) que negociava o
apoio dos franceses contra a Inglaterra, para a independência das colônias americanas.
Mme. Helvétius reunia em sua casa um
grupo de filósofos mais tarde conhecidos como "os ideólogos". Foi aí
que Pinel conheceu as doutrinas de John Locke (1632-1704) e Étienne Bonnot de
Condillac (1715-1780), as quais o influenciaram fortemente no sentido da
abordagem científica da doença mental.Foi influenciado pelo Iluminisno e pelos
ideais da Revolução Francêsa.
Em 1784 assumiu a Direção da
"Gazette de Santé", que lhe passou Jean-Jacques Paulet, diretor da
faculdade de Medicina. Nesse periódico publicou vários artigos relativos a
doenças mentais, escritos também para o Journal de Paris . Também
ocupou-se de várias traduções e revisões para os editores franceses.
Inicialmente clinicou e somente
passou a se interessar pela psiquiatria por volta de 1780, aos quarenta anos,
devido à preocupação em socorrer um amigo vítima de psicose maníaca aguda.
Porém, somente cerca de 1786 tratou de doentes mentais, contratado por Jacques
Belhomme para atender em sua clínica para doentes mentais de recursos.
Em 1789 esteve engajado
entusiasticamente na Revolução Francesa.
Quando se instalou o Terror –
miséria, violência, guilhotinadas etc. - não se furtou a ajudar aqueles que
haviam sido proscritos pelo governo revolucionário, entre eles o filósofo
Marie-Jean-Antoine-Nicolas de Caritat, marquês de Condorcet (1743-1794), um
defensor da reforma educacional e líder da Revolução, que caíra em desgraça por
votar contra a morte do Rei, e viveria oculto até ser preso mais tarde para
morrer na prisão.
Pinel, como professor da Faculdade de
Medicina, foi obrigado a assistir a execução de Luís XVI.
Pinel casou, em 1792 com Jeanne
Vincent; e teve três filhos [sei aoenas de dois filhos] dos
quais um, Scipio, seguiu a profissão do pai tornando-se também um especialista
em doenças mentais.
Viúvo em 1811, Pinel voltou a casar
em 1815 com Marie-Madeleine Jacquelin-Lavallée.
Em agosto de 1793, por influência dos
amigos Cabanis e Thouret, foi nomeado médico-chefe do Asilo de Bicêtre, por
decreto da Convenção.
Em Bicêtre, destinado a doentes
mentais masculinos, eram reunidos sem distinção loucos e criminosos.
Os loucos eram mantidos acorrentados
em celas baixas e úmidas, grande parte deles acorrentados, fossem ou não
perigosos.
Pinel tinha em consideração a
experiência diária dos funcionários do estabelecimento, a qual ele considerava
valiosa para ajudar a compreender certos aspectos das doenças mentais.
O chefe dos guardas do asilo,
Jean-Baptiste Pussin, cujos procedimentos observava com atenção, inspirou-lhe
medidas humanitárias em benefício dos doentes, principalmente a de libertá-los
das correntes a que vários viviam presos, tratá-los como doentes comuns e, em
caso de crises de agitação e violência, aplicar apenas a camisa de força.
Permaneceu em Bicêtre de 1793 a 1795.
Em dezembro de 1794, com a reforma da
universidade, o governo da Convenção Nacional criou três escolas de saúde.
Foi nomeado Professor-Adjunto (de
Física Médica e Higiene) na nova Escola de Saúde de Paris (em 14 de dezembro de
1794), sucedendo no ano seguinte a François DOUBLET (1751-1795), que faleceu em
06 de junho de 1795, quando Pinel conquistou a cátedra de Patologia Interna
Médica. Ele ficou nessa cadeira por vinte anos.
Em 13 de maio de 1795 Pinel foi
nomeado médico chefe do Hospício da Salpêtrière, um asilo feminino onde as
doentes eram tratadas do mesmo modo como havia encontrado em Bicêtre. Aí ele ficou
até sua morte.
Lá ele aplicou os mesmos métodos e
obteve os mesmos bons resultados, como livrar as doentes das correntes que as
prendiam, muitas acorrentadas por 30
a 40 anos.
Pinel corretamente considerou as
doenças mentais como resultado ou de tensões sociais e psicológicas excessivas,
de causa hereditária, ou ainda originadas de acidentes físicos, desprezando a
crendice entre o povo e mesmo entre os médicos de que fossem resultado de
possessão demoníaca.
Nesse particular seguiu idéias já
avançadas por contemporâneos seus como Tuke, Chiarugi e Daquin. William Tuke
(1732-1822).
Tuke foi um comerciante de café e
chá, e um filantropo, que fundou em 1792 um hospício em York na Inglaterra para
dar tratamento humanitário aos doentes mentais.
Chiarugi foi o médico diretor do
Asilo Bonifacio, em Florença, onde em 1788 ele aboliu o tratamento desumano dos
pacientes.
Joseph Daquin (1733-1815) o médico francês,
de Chambéry, que havia estudado em Turin, na Itália, e que em seu La
philosophie de la folie , em 1787 propôs um "tratamento moral"
para os doentes mentais.
Pinel, no entanto, foi o primeiro
a distinguir vários tipos de psicose e a descrever as alucinações, o
absentismo, e uma serie de outros sintomas.
Para o seu tempo, sua obra Nosographie
Philosophique ou Méthode de l'analyse appliquée à la médecine ("Classificação
filosófica das doenças ou método de análise aplicado à medicina "), de
1798; continha descrições precisas e simples de várias doenças mentais, com o
conceito novo de que a cada doença era "um todo indivisível do começo ao
fim, um conjunto regular de sintomas característicos"
Pinel aboliu tratamentos como
sangria, purgações, e vesicatórios, em favor de uma terapia que incluía
contacto próximo e amigável com o paciente, discussão de dificuldades pessoais,
e um programa de atividades dirigidas. Preocupava-se também em que o pessoal
auxiliar recebesse treinamento adequado e que a administração das instituições
fosse competente.
Seu Traité médico-philosophique
sur l'aliénation mentale , cuja primeira edição apareceu em 1801, está
centrado sobre a psicose maníaca a qual considerava a doença mental mais típica
e a mais frequente. Na segunda edição desta obra, em 1809, ele acrescenta duas
centenas de novas páginas para descrever sua experiência em Bicêtre e em La Salpêtrière.
Ele percebeu que havia sempre traços
de razão no alienado, capaz de permitir uma terapia pelo diálogo. Salienta o
interesse de um tratamento humano para os doentes mentais e insiste nas
relações deste com o meio familiar e com os outros doentes, e no papel do
médico na administração hospitalar para cortar o círculo infernal que leva à
perpetuação e ao agravamento da doença mental. Para ele o tratamento
medicamentoso era secundário, uma atitude que lhe vinha certamente de observar
a ineficácia da farmacologia de seu tempo.
Uma geração de especialistas em
doenças mentais, liderada por Jean Etienne Dominique Esquirol (1772-1840), foi
educada em La
Salpêtrière e disseminou as idéias de Pinel pela Europa.
Esquirol sucedeu a Pinel na Salpêtrière .
Seu Traité médico-philosophique
sur l'aliénation mentale ou la manie ("Tratado médico-filosófico
sobre a alienação mental ou mania") de 1801 detalha seu método
psicologicamente orientado e tornou-se um clássico da psiquiatria. Graças a
suas iniciativas, a França tornou-se lider no tratamento dos doentes mentais em
sua época.
Em 1804 Napoleão concedeu-lhe a
Legião de Honra no grau de Cavaleiro, e, em 1805, o nomeou Médico do Imperador.
“Membro do instituto em 1803, fez
parte do primeiro grupo de condecorados com a Legião de Honra, criada por
Napoleão, que o nomeou-em 1803 “médico clínico do Imperador”. Serviu ao Império
e depois a Restauração, que o condecorou com a Ordem de São Miguel em 1818” (Morel, 1998; p. 194).
Após a Restauração, recebeu a Ordem
de Saint-Michel em 1818; porém, por motivos políticos, foi destituído de seu
cargo de professor em 1822.
Pinel foi eleito para a Académie des
Sciences de Paris em 1804, e membro da Academia de Medecina desde sua fundação
em 1820.
Para Pinel (2004) Philippe Pinel foi
reconhecido internacionalmente principalmente como nosógrafo e clínico (que
hoje devem ser contextualizados). Foi assim que ele entrou para a História e
para as estórias.
Publicou: “Nosografia filosófica ou
método de análise aplicada à medicina”; “Tratado médico-filosófico sobre a
alienação mental” (a segunda edição consta com mais 200 páginas); vários
artigos científicos e populares etc.
Humanista, era contra as
medicalizações, e defendia que o médico deveria participar da administração
hospitalar, objetivando organização, higiene e relações interpessoais
saudáveis.
Adoeceu ele próprio de um tipo de
demência arteriopática, de que veio a falecer a 25 de outubro de 1826.
Uma estátua em sua honra foi erguida
à frente de La Salpêtrière,
em Paris.
ANÁLISE TEÓRICA DOS DADOS
Para alcançar este objetivo de
pesquisa, recorreremos a Morel (1998), Roudinesco e Plon (1998), Leroy (1991),
Cobra (2004), Monteiro (1990).
Quanto ao conceito de aprendizagem
inventiva , recorremos a Kastrup (1997).
Quanto ao conceito de aprendizagem
significativa a Rogers (in Missel et al., 2001).
Já a categoria “ experiência ”
recorremos à Psicologia Existencial de Laing (1974).
PROCEDIMENTOS
1) Resgatei da biografia
“ofical” de Philippe Pinel, aquilo que mantém o idílio e o mito de ser;
2) (Re)Estudei desses dados biográficos;
3) (Re)Apreendi o que de subjetividades – de um cientista de hoje - num “mergulho existencial e distanciamento reflexivo” (Forghieri, 2001) de ser no período da Revolução Francesa – de ser Philippe Pinel;
4) (Des)velei – no que me foi (im)possível - do mito Philippe Pinel, afinal um humano que não nos é estranho;
5) Efetuei o Relatório Final.
3) (Re)Apreendi o que de subjetividades – de um cientista de hoje - num “mergulho existencial e distanciamento reflexivo” (Forghieri, 2001) de ser no período da Revolução Francesa – de ser Philippe Pinel;
4) (Des)velei – no que me foi (im)possível - do mito Philippe Pinel, afinal um humano que não nos é estranho;
5) Efetuei o Relatório Final.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1. Origens da família Pinel
Monteiro (1990) diz que os “(...)
primeiros biógrafos não precisaram muito bem as origens da família de Philippe
Pinel “(p.15).
Entretanto, os Pinel são - segundo
rigorosíssimas pesquisas de Leroy (1991) - de origem hebraica (judia), vindo do
norte.
Em 1553 há relato de um outro famoso
Pinel.
Era o português SAMUEL USQUE.
Usque é o sobrenome real, tendo que
modificá-lo para Duarte Pinel, devido à imposição de nobreza legitimadora do
catolicismo e persecutória aos judeus.
Trata-se Duarte Pinel de um Séfarades
– judeus obrigados a modificarem o sobrenome, caso não quisessem morrer
assassinados pelo império espanhol, principalmente, não não só.
Duarte Pinel, junto ao seu amigo
Gerônimo de Vargas - originalmente um sérafade espanhol chamado YOM TOV ATTIAS,
que pelos mesmos motivos sócio-históricos teve que modificar seu nome -
tornou-se famoso livreiro (publicador de livros), chegando a fazer a primeira
tradução latina da bíblia Talmud.
3.2. Philippe Pinel (1745-1826)
Seu pai deu seu próprio nome ao
filho: Philippe Pinel (1716-1793). Sua mãe: Elizabeth Dupuy Pinel (1722-1757)
faleceu quando o filho - Philippe - era ainda bastante criança.
Nosso psicobiografado tornado-se órfão,
e passou a vivenciar todas as conseqüências históricas sobre a construção das
subjetividades de ser órfão. Ele édescrito como um menino, um rapaz, um homem e
um idoso tímido. Haveria relação entre ser “órfão” e a subjetividade timidez?
De família de médicos, Pinel nasceu a
20/04/1745, em Roques, Commune de Jonquières – jurisdição de Castres,
Deportement de Tarn (França).
Ele abandonou a vocação religiosa no
Colégio de Esquille (Toulouse). Recebeu, também em Toulouse, em 21/12/1773,
quando tinha 28 anos de idade, o título de Doutor.
Apesar de uma origem econômica bem
estruturada, Philippe não chegou a usufruir dessas benesses. A pobreza chegou
para ele e para muitos francêses.
Em 1774 partiu para Montpellier com o
objetivo de aperfeiçoar-se na arte médica. Então estudou Nosografia -
classificação das doenças - de Boissier de Sauvages e seguiu o curso de
Barthez.
Não defendeu uma nova tese.
Entretanto cometeu um “pequeno” (?) delito – infelizmente muito comum hioje em
dia: Redigiu algumas “teses”, vendendo-as para colegas ricos e pouco
escrupulosos. Essa escrupulosidade pode também ser feita a ele, pois foi ele
mesmo, que as produziu e as vendeu.
Posteriormente, descobriu-se que
essas “teses” eram usurpadas com seu (com)sentimento – e depois que obtinha o
lucro econômico para sua sobrevivência. Essas “monografias” abordavam o corpo,
luxações, etc.
A pobreza era grande. O médico em
busca do forte desejo de “ser famoso” fazia de tudo. Podemos refletir
entretanto que sua era a traição à ciência e à arte que estava a fundar, a
criar, a inventar.
Para sobreviver deu aulas de
matemática. Não é em vão que Philippe é por muitos reconhecido como o primeiro
a associar medicina e matemática. Ele chegou também a escrever para um jornal
popular - Gazette de Souté - e traduziu Cullen (1710-1790).
A obra de Cullen muito influenciou
seus escritos. O seu livro “Nosografia filosófica” fundamentou-se, de modo
quase que total, nas idéias desse psicopatologista nosográfico.
O “Ancien Régime” não lhe agradará,
visto ter desejado sucesso acadêmico, e o regime não lhe deu “bolsa” de
treinamento médico. E ele não requereu apenas uma vez, mas várias vezes.
Foi médico psiquiatra de de
“mesdames” - tias do Rei Luiz XVI . Ele não conseguiu obter
sucesso no tratamento dessas “loucas de Paris”, tresloucadas tias reinantes.
Então, não é surpresa que Philippe
seguisse, e com muito envolvimento e sincero entusiasmo, o “Movimento
Revolucionário” de 1789. Ele começou a interessar-se por mudanças no seu país,
a partir dos seus sentimentos abandônicos e persecutórios. Isso significou que
ele também desejava cuidar de si, mas também cuidar do outro – outro de si.
Com mais de 35 anos de idade,
Philippe casou-se com Jeanne Vincent “(...) pessoa econômica e organizada” (in
Monteiro, 1998; p. 102). Jeanne – a senhora Pinel - e ele, começaram a proteger
os revolucionários, hospedando-os em sua própria casa.
Entretanto, durante o Terror, Pinel
tornou-se “burguês moderantista”. Ele era muito político e cria(dor) de
“oportunidades” para si. Como estamos a ver/ sentir nosso psicobiografado é
produto do seu tempo e do seu espaço.
Nesse contexto de ambigüidades e
contradições, além das conseqüências econômicas do Terror, Philippe começou sua
trajetória de fama. Como isso aconteceu?
Fez amizade com Thouret ,
e foi ele que o nomeou médico do Hospício de Bicêtre. Nessa instituição
trabalhou de 11 setembro de 1793 até 29 abril de 1795.
3.3 Jean-Baptiste Pussin
Em Bicêtre, Philippe Pinel, que
sempre foi muito tímido - porém astuto - parecia estar assustado diante dos
seus pacientes doentes mentais.
Então, de modo sábio e sensível,
passou a observar um ex-paciente. O nome desse “ex-louco” é Pussin, casado
também com uma “vigilante”. Neste ponto é revela(dor) o processo de
“auto-fazimento” – autopoiésis - desse médico que caminha para o sucesso.
Torna-se evidente que deixa-se penetrar – corpo/ organismo/ afetividade/
intelectividade pelo “(...) próprio processo de criação de si (...) (Kastrup,
1997; p. 114).
Pussin tornou-se um ilustre
“vigilante” de Philippe Pinel. Uma espécie de cuida(dor) sem habilitação
escolar oficial.
Pussin foi paciente da mesma Bicêtre.
Ele nasceu em Lons-le-Saulnier: era curtidor (curtia a dor?) de peles de
animais, preparando-as para uso (em bolsas e sapatos, por exemplo).
Aos 25 anos de idade - dia 05 junho
de 1771 - deu entrada nesse hospício como enfermo.
O diagnóstico da época descreve-o
atingido por humores frios – uma adenite tuberculosa. Curou-se. Entretanto, não
foi (re)encaminhado para sua casa, passando a trabalhar neste hospício – o de
Bicêtre. Em 1784 foi promovido ao posto de vigilante. Nove anos depois - em 11
setembro 1793 - começaria sua colaboração para com o Dr. Philippe Pinel. Ambos
eram contra os tipos de “tratamentos” (de fato violências) – especialmente os
acorrentamento - impetrados pelo Estado e legitimados no cotidiano contra os
portadores de alguma doença mental.
Talvez o que Pussin trazia em si e,
que conquistou Pinel, foi a sua habilidade em abordar aquele outro de si – o
paciente psiquiátrico - pois ocupava um lugar que um dia foi seu. Pussin
sentia/ pensava/ agia a Psiquiatria - e esboçava a Psicologia Clínica - porque
“esteve lá”.
Pinel, neste contexto, pode ser
considerado como um homem à frente do seu tempo. Philippe (re)conhece-se
ser-no-mundo e carente de conhecimentos de inter(in)venções alternativas à
Psiquiatria da época. Ele então busca apoio justamente no homem mais humilde e
simples - Pussin. Isso (des)vela a complexidade e refinamento (pré)sentes na
pessoa simples, humilde, sem formação escolar – uma percepção pineleana.
Podemos sugerir que Pinel abriu-se à
experiência, isto é, deixou-se penetrar e marcar pela experiência vivida, pela
vida pulsante no experenciar. Pasou a sentir o cotidiano da vida junto ao
sofre(dor). Para Laing (XXXX) é tarefa da Fenomenologia Social “(...)
relacionar a minha experiência do comportamento do outro com a experiência que
o outro tem do meu comportamento. Seu estudo é a relação entre experiência e
experiência: seu verdadeiro campo é a interexperiência” (p. 13).
“O conhecimento, enquanto ação
efetiva, permitirá ao ser vivo continuar sua existência num meio determinado,
na exata medida em que ele constrói este mundo” (Kastrup, 1997; p. 114).
Pinel chegou a escrever (in Morel,
1998; p. 198-199) sobre Pussin:
“(...) convencido das preciosas
vantagens da política interior introduzida e estritamente observada entre os
insensatos [pacientes] de Bicêtre pelo cidadão Pussin”; Philippe elogia a
capacidade de Pussin em organizar a instituição; Pussin, unia “(...)a uma
inteligência rara (...) a uma feliz harmonia dos sentimentos de humanidade e de
uma firmeza imperturbável” etc.
Pussin falece. A viúva abandona suas
funções. Ela vai para a terra natal do marido. Por ser viúva de Pussin, ela foi
gratificada pelo Conselho Geral dos Hospícios.
Em 03 agosto 1887 Pussin ganhou uma
placa comemorativa. Pinel denominou Pussin de seu mais fiel colaborador. Também
Pariset denominou Pussin de “precursor de P. Pinel”.
3.4. Os filhos de Pinel: Scipio
– Fica na França; Charles – Vem para o Brasil.
Philippe Pinel e sua esposa Sra.
VINCENTE PINEL tiveram dois filhos:
1) Scipion Pinel – o filho mais
velho;
2) Charles Pinel – o filho mais jovem.
2) Charles Pinel – o filho mais jovem.
Sete anos de diferença entre ambos.
Em um segundo matrimônio, Philippe
não teve filhos.
Esses dois filhos – Scipion e Charles
- são assim descritos por Morel (1998; p. 194):
“Os últimos anos de sua vida [de
Philippe] foram entristecidos (...) pelas loucas despesas dos seus filhos
Scipion e Charles, cujas dívidas pagava. Enfraquecimentos cerebrais sucessivos
a partir de 1823 o fizeram mergulhar pouco a pouco em uma demência
arteriopática, da qual morreu a 25 de outubro de 1826”.
Gasta(dores), era esse o adjetivo
fornecido a Scipion e a Charles.
3.4.1. Scipion Pinel (1795-1859)
Nasceu em Bicêtre a 22-mar.-1795.
Orientou-se para medicina, tendo defendido a tese “Pesquisas sobre alguns
pontos da alienação mental” (em 17-jul.-1819). Era muito instável, e essa sua
característica subjetiva entristecia o pai, que gostava de organização, higiene,
etc. Tentou criar uma casa para alienados mentais (em Ménilmontant). Foi
nomeado médico da Primeira Seção de alienados de Bicêtre (em 1836), muito
provavelmente sob a “égide” paterna. Três anos depois instalou-se na rue
Richelieu.
Em 1833 escreveu “Fisiologia do homem
alienado”; “Tratado de patologia cerebral” (1844); “Tratado completo do regime
sanitário dos alienados ou Manual dos estabelecimentos que lhes são
consagrados” (1836); prefaciou “Anatomia Geral” de X. BICHAL (1821) etc.
3.4.2. Charles Pinel (1802-1871)
Charles, de natureza instável e
aventureira, foi 7 anos mais novo que Scipion.
Era um amante das artes (tentou ser
dramaturgo e ator), do direito (chegou a ter um escritório) e das ciências
Botânica e da Mineralogia (a nosografia do seu pai era marcada pelos princípios
de catalogação botânica da época e Philippe e sua família, conviveu com famosos
botânicos, artistas, nobres, escritores etc.). Em 1934 o jovem Charles veio
para o Brasil.
Casou-se em 27 abril de 1835 com
Marie Catherine RIME, filha de Félix RIME e de Véronique TORNER.
Teve oito filhos, quatro moças
(Clara-Dorothéa; Maria-Leonia e Joana-Honorina, desenhistas renomadas das
descobertas botânicas de Charles; e Amélia) e de quatro rapazes (Luís-Felippe;
Carlos-Scipião; Luís-Leão; Henrique-Camillo- 2).
Charles faleceu em 18 julho de 1871.
Era comerciante e cultivador (e
catalogador) de orquídeas.
Costumava dizer que era “filho
legítimo do Barão Philippe Pinel” (in Monteiro, 1998; nota de rodapé, na
p.142), desvelando daí sua relativa intimidade com a nobreza brasileira de
então, tendo recebido inúmeras vezes gente como Conde D'Eu, Princesa Isabel,
etc.
Perto da sua fazenda “Retiro” (em Nova Friburgo, Rio
de Janeiro), existe a “Cascata Pinel”, em sua homenagem.
3.5. O mito Philippe Pinel
Philippe Pinel tornou-se mundialmente
conhecido por sua forte oposição aos modos como o Estado e suas instituições
legitimadoras, como a Medicina e a Psicologia, abordavam - de modo violento -
os doentes mentais. Esses submetidos eram entendidos como bruxos e
endemoniados.
Os atos sentidos de Philippe Pinel -
endeusados e mitificados – ajudaram-no na manutenção do “herói”. Ser herói é
indispensável, naquele momento histórico, um momento cheios de heróis – grandes
vultos oficiais.
Quem contribuiu, e muito, por esta
mitificação, foi o filho de Philippe, cujo nome é Scipion. Também contribuiu
para essa mitificação é Jean-Etienne Esquirol (1772-1840). Cada um deles
socializa suas versões, seus modos especiais de perceber e descrever – oral e
por escrito – o personagem – um outro – que estavam a inventar e criar. Quando
o mito e a lenda se configura e se cristaliza, imprime-se a lenda, o mito.
4. (IN)CONCLUSÃO
Roudinesno e Plon (1998) afirman que
“(...) [Philippe] Pinel inventou
efetivamente o tratamento moral a partir da idéia de que a loucura continha
sempre um resíduo de razão”.
É neste contexto, associado à
aprendizagem com PUSSIN, é que se deve resgatar e elogiar inter-in-venções de
profissionais e pesquisadores como o renomado médico e cientista PHILIPPE
PINEL.
Como vimos, o cotidiano de ser
Philippe Pinel foi marcado por relações difíceis para com seus filhos,
entretanto, o ambiente estimulante da época e de sua casa, facilitaram a
inserção histórica dos “rebentos”, emergindo “aprendizagens criativas”
autopoiéticas.
NOTA: Escrito de modo direto, sem correções; ensaio científico experimental.
NOTA: Escrito de modo direto, sem correções; ensaio científico experimental.