TEXTO DIDÁTICO
CITANDO, REFERENDAR
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O MÉTODO
PROGRESSIVO-REGRESSIVO DE JEAN-PAUL SARTRE
Hiran Pinel, autor deste texto didático
Sem dar os passos ou os procedimentos,
pois não seria totalmente possível podemos nomear algumas ações que o
investigador faz ou pode fazer quando recorre ao "método
progressivo-regressivo" de Jean-Paul Sartre.
O método sartreano foi publicado em dois
textos dele, e que são complementares: a) "O Ser e o Nada" (1943)
- onde ele nos fala de um método para a psicologia, que ele intitula
de "Psicanálise Existencial"; b) "Questão de Método",
quando ele publicas as técnicas que norteiam o método, isso na introdução
da "Crítica da Razão Dialética" (1960)[1].
Para levantarmos esses
"passos" descritos de modo não clássico, não por etapas, nos inspiramos em um artigo de Schneider (2007), e destacamos de que ela não objetivou no seu
texto tal proposição. Recomendamos ler os originais da autora, e o (artigo) citado ao final, nas referências.
O que propusemos não é algo simplista, mas um texto didático que não pode ser aplicado rigidamente, é preciso atitudes existencialistas considerando obras de Sartre.
Descrevemos o método de investigação progressão-regressão descrito
por Sartre. Isso significa que achamos indispensável que o estudante que começa com o método, e que se diz "perdido", vá direto ao
artigo e outros (inclusive livros) da autora (SCHNEIDER), que se dedica "trabalhar" com Sartre.
Após a elaboração da lista recorremos a
mais autores, mas sempre tendo por base o texto recorrido (SCHNEIDER, 2007):
Cerbone (2012), Bertolino (1996), André (2008) recomendo a leitura de como ela
trabalha com o método; Erthal (1994, 1990), Gobbi et al. (2002).
Levantamos 24 procedimentos, que sem
dúvida, podem estar em um exercer um vaivém, sem nenhuma linearidade. Claro
está que é apenas um texto didático, pois para produzir conhecimento
por este método é preciso estudar Sartre, conhecer pesquisas que recorrem
ao método.
Quando eu falo de 24 procedimentos, não
falo que eles podem ser "praticados" assim-assim, não - eles
necessitam ir até a teorização do criador desta abordagem. Ou seja, Sartre não
pode ser reduzido a procedimentos, eles funcionam como estimulo ao pesquisador
ir fundo na proposta do autor original (Sartre).
Então, o que "mostro"
aqui-agora não são nem regras ou procedimentos, antes, são posturas
existencialistas do Sartre de "Ser e Nada" e de "Crítica da
Razão Dialética".
Dito isso, eis os "procedimentos" (atitudes/ clima/ estilo) do método
de pesquisa progressivo-regressivo de Sartre:
1. Investigar a dimensão
de ser do sujeito humano, compreendido enquanto ser-no-mundo,
como ser-em-situação, um singular/universal, partindo dos aspectos
concretos de sua vida (comportamentos, gostos, gestos, emoções, raciocínios do
sujeito concreto), ou seja, as diferentes dimensões da vida de relações.
2. Processar a unificação do conjunto,
que é o ser do sujeito, ou seja, seu projeto original,
entre diferentes aspectos e dimensões
3. Fazer movimentos dialéticos (em
vaivém, na dimensão universal/singular ou coletiva/individual) progressivos
(objetividade do mundo) e regressivos (subjetividade) do ser humano, tendo por
base sua biografia ou autobiografia.
4. Procurar construir uma investigação
dos projetos empíricos ou das estratégias para realizar o projeto de descobrir
a maneira original com que cada sujeito se escolhe, ou seja, a unificação de
seu ser, familiarizando-o com suas paixões;
5. Efetuar um método compreensivo ou
sintético no estudo de uma história, biografia;
6. Partir nunca de fatos isolados, mas
sim de fenômenos, quer dizer de um conjunto articulado de ocorrências
objetivas.
7. Compreender que diferentes aspectos
de uma vida sempre se dão em conjunto, são tecidos uns nos outros; alterando
um, modifica-se o outro, e vice-versa.
8. Descrever esse entrelaçamento, esse
significado comum que deve ser perseguido, a fim de elucidar a história pessoal
(singular) e coletiva (na pluralidade de ser).
9. Compreender de modo contextualizado
a situação histórica (de vida) estudada.
10. Desvelar, entre os diferentes
aspectos e dimensões da biografia humana, aquilo que processa a
"unificação do conjunto", que é o ser do sujeito, ou seja,
seu projeto original (seus projetos, sonhos, perspectivas, esperanças,
o que sonha pra si).
11. Decifrar o “projeto de ser”
(sonhos, projeto original) do indivíduo estudado (ou de cada um deles), onde
ele se definirá o que é e para onde se encaminha nos diferentes movimentos como
pessoa no mundo.
12. Tomar o indivíduo em sua
singularidade, ou seja, no movimento pelo qual ele se fez sobre a base do que
se fez dele, compreendendo-o.
13. Encontrar o homem por inteiro em
todas as suas manifestações, a maneira de se lançar no mundo, as posturas
morais e políticas, os valores, a sua corporeidade etc., que o remete sempre
ao projeto de ser, que é fruto das determinantes materiais, sociais,
históricas em que ele está inscrito (objetivo) e da apropriação ativa por parte
do sujeito (subjetivo).
14. Compreender a realidade humana que
passa pelo movimento dialético entre o objetivo e o subjetivo.
15. Chegar à singularidade do sujeito
humano, sempre compreendido como produto e produtor do seu contexto e de sua
história.
16. Fazer uma análise compreensiva a
partir das significações das diversas situações que são engendradas
nessa relação entre o objetivo (progressivo) e o subjetivo (regressivo) e que
se expressam através do projeto de ser de cada sujeito.
17. Recorrer sempre à Psicanálise
Existencial como um pólo mediador entre o homem, em sua singularidade, e o
contexto histórico do qual ele faz parte como construtor, produtor, inventor,
criador.
18. Compreender o ser do nosso sujeito
que colabora com nossa pesquisa, "olhando-o de sentido", ou seja,
reconhecendo que ele é circunscrito no mundo, isto é, a partir da relação com
os outros, com a cultura que o cercou, com a mediação dos valores sociais e
religiosos, com a materialidade que ele teve disponível.
19. Entender o que se passou com a
pessoa que colaborou com nossa pesquisa, desvelando o que engendrou seu ser,
afinal "ser no mundo", abandonando assim a noção tão poderosa, de que
uma individualidade é encerrada em si mesma, afinal o o eu não é
uma entidade psíquica e nem é uma caixa-preta a ser desvendada,
simplesmente jogado no mundo, ele é esse mundo também, essa dialética entre o
si mesmo (regressivo) e esse mundo progressivo).
20. Descrever o homem concreto, com
suas relações com o corpo, com os outros, com os objetos, que definem as
possibilidades de ser de alguém, pois afinal, ser é unificar-se no mundo,
imbicar-se nele, ir (si) e vir (mundo), uma personalidade/ subjetividade
que não está encerrada dentro dele mesmo (homem), nem em sua consciência que
não é inacessível para os outros e para ele mesmo, pois ele está no mundo,
reconhecível em seus gestos, atos, palavras, pensamentos, em suas obras (ações,
produtos, produções diversas como desenhos, uma cadeira que ele fabricou, um
livro produzido etc.).
21. Compreender de modo rigoroso e
objetivo, a personalidade humana pela ação dialética progressão (se dirige pra frente; presente; projeto de ser, no futuro) - regressão (retorna; retrocede; reanalisa; bebe da fonte).
22. Fazer de modo explícito os
movimentos regressivos (subjetivos; singularidade; o individual) e progressivos
(mundo concreto, real, econômico, político, sociedade de classes etc.), sempre
revelando também a dinâmica da subjetividade, e assim, não negando a conjuntura
econômica, política e cultural em que os fenômenos humanos se desenvolvem, sem
jamais negar que estes são realizados por pessoas concretas, sujeitos que se
apropriam de sua situação, fazem algo dela, e que portanto, a dimensão
subjetiva é também determinante da realidade.
23. Mostrar a potencia entre
objetividade e subjetividade, pois é nela que está a cerne da realidade humana,
estabelecendo o movimento progressivo-regressivo, que faça aflorar à
compreensão os dados constitutivos dessa realidade múltipla, cultural, social,
mas sem dúvida, singular, individual.
24. Elucidar o homem como ser-no-mundo
através da história de seus "personagens", o fato de que não estamos
fechados dentro de nós mesmos, mas que somos objeto do mundo, somos no mundo,
com o outros homens.
25. Entendida a personalidade/
subjetividade como uma construção humana, que se dá partir das relações
concretas do sujeito com o contexto que o cerca.
REFERÊNCIAS
SARTRE, J-P. L’Être et le Néan;
essai d’ontologie phénoménologique. Paris: Gallimard, 1943.
SCHNEIDER, Daniela Ribeiro. O
método biográfico em Sartre; contribuições do Existencialismo para a
Psicologia. Sítio: [Capturado em 21 de novembro 2019].
GOBBI, Sérgio Leonardo Gobbi et al.
Sartre, Jean-Paul. In: GOBBI, Sérgio Leonardo Gobbi et al. Vocabulário
e noções básica da abordagem centrada na pessoa. São Paulo: Vetor, 2005. p.
136-138.
CERBONE, David R. Fenomenologia.
Petrópolis: Vozes, 2012.
ANDRÉ, Maria da Consolação. O
ser negro; a construção da subjetividade em afro-brasileiros. Brasília:
Estações, 2008.
ERTHAL, Tereza Cristina. Treinamento
em psicoterapia vivencial. Petrópolis: Vozes, 1994.
ERTHAL, Tereza Cristina. Terapia
vivencial; uma abordagem existencial em psicoterapia. Petrópolis: Vozes,
1990.
SARTRE, J-P. Critique de la
Raison Dialectique (précédé de Question de Méthode). Paris: Gallimard,
1960.
SARTRE, Jean Paul. Questão de
Método. Tradução: Rita Guedes, Luiz Forte e Bento Prado Jr. In. Coleção Os
Pensadores. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1987.
SARTRE, Jean Paul. Crítica da
Razão Dialética. Trad. Guilherme João de Freitas Teixeira. Rio de Janeiro
RJ: Ed. DP&A editora, 2002.
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NOTA: Este artigo foi escrito em 1999 como uma tarefa acadêmica
proposta por uma professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo, SP. Em 2020 foi lido outra vez, e sofreu mudanças no texto propriamente,
especialmente após leitura de Schneider e André (ver referência). Lendo estas
duas autoras, percebi a possibilidade (ousada) de descrever procedimentos, tendo
em vista orientandos que se dizem "perdidos"; agora eles vão se encontrar,
para depois se autorizam perder novamente, pois "só se perde quem se acha"
(mudei o ditado).
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[1] In: Schneider
(2007).