segunda-feira, 29 de abril de 2024

UM PSICÓLOGO EM TEMPOS EM DESASTRES & EMERGÊNCIAS 

Hiran Pinel, autor.

Morro do Macaco, Vitória, ES: uma tragédia ambiental que marcou a presença de profissionais de ajuda junto e com o que moradores que perderam suas casas, e entes queridos, além de amigos. Tudo aconteceu na madrugada do dia 15 de janeiro de 1985.

O balanço após o deslizamento contabilizou 40 pessoas mortas150 feridas, vários desaparecidos e mais de 600 famílias desabrigadas. "A noite que pareceu durar dias começou quando uma pedra com aproximadamente 150 toneladas deslizou, destruindo tudo o que tinha pela frente, inclusive dezenas de casas e algumas famílias. (...) Na época, o Morro do Macaco era habitado por cerca de quatro mil pessoas" (A Gazeta; Publicado em 13 de janeiro de 2018).

Na época eu participei como psicólogo em tempos urgentes de tragédia ou psicologia em situações extremas (desastres e emergências), com atendimentos individuais, de famílias, e principalmente grupais e comunitários.

Pelo que me recordo, eu era o único psicólogo, e um bom número de assistentes sociais – todos colegas. Éramos funcionários de ajuda (ou de cuidados) estaduais (funcionários públicos, então) que trabalhávamos no hoje antigo Instituto Espírito-Santense do Bem-Estar do Menor (IESBEM), oficialmente eu era psicólogo - bem como eram as assistentes sociais.

Fomos convocados e atuamos em situação de desespero social de impacto negativo na vida subjetiva – angústia existencial, ansiedade, desespero.

Sempre me atentei em ser profissional sustentado pelas ciências que “abracei”, sendo, pois, meu esteio ou fundamentação de minha ação profissional.

Nessa época eu lia e estudava muito fenomenologia existencial: aconselhamento psicológico (Gerald Corey - humanismo existencial; e Rollo May), terapia existencial (Heidegger, Sartre, Nietzsche etc. - e os psicólogos e ou terapeutas que os seguia).

Como já fazia mestrado em educação na UFES, e já era orientador educacional, fiz uma boa associação entre o "método ver-julgar-agir" (tomadas de decisão individual, grupal e comunitária - Joseph Cardjin e Boran) e a pedagogia do oprimido (Freire) anunciando as humanidades e denunciando as desumanidades, assim como uma aprendizagem de uma consciência crítica indispensável ao viver imediato - e ao mesmo tempo personalizando cada atendimento (individual) inclusive os grupais e comunitários, trazendo à lume a psicologia freiriana que destaca a força da amorosidade, de uma escuta, considerando o “ser mais”, novamente a força da conscientização crítica que é uma espécie de “descanso na loucura”.

Eram temas que eu estudava fora da universidade (psicologia, terapias, orientação educacional, educador etc.). Sempre considerando o ser humano como ser-no-mundo que é.

Em momentos assim emergem teorizações diversas, e cabe ao psicólogo, que fui, escolher e atuar. Teorias solidificadas nos dão mais tranquilidade nas intervenções, os pensamentos, sentimentos e ações mais recomendadas pela ciência, são aplicadas. Ponto final.

Foi uma experiência muito importante, não só pra mim, mas para alguns outros psicólogos interessados e que me procuraram, após desse evento doloroso, para conversar e até estudar.

Quem obteve maior benefício, penso eu, é claro que foram as vítimas sobreviventes envolvidos com seus mortos, com os dramas etc.

Para os próprios moradores marcados por uma situação que tem muito a ver com a classe social, os cuidados oferecidos pela psicologia, educação - e com as profissionais do serviço social eram percebidos, na época, como algo potente e mantenedor do “ser mais” diante de tantas perdas humanas e materiais.

Bem, eles e elas, as vítimas sobreviventes, moravam em um morro, do “tipo” periferia, e que o Estado, como um todo, e todo o poder político nele presente, “sabem” dos riscos desses espaços críticos em períodos chuvosos (ou não).

Como eu já disse, na época eu também era orientador educacional, e fazia mestrado em Educação, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Espírito Santo, PPGE/Ufes, talvez por isso, ou com alguma “certeza” (?) do meu lado, recorri a Freire nas minhas intervenções, ou melhor, práticas educacionais de fundo marxiano, existencial e fenomenológico. Já havia, naquela época, um trabalho envolvente de educação social, no qual era também envolvido.

Um psicólogo deve estar aberto às outras ciências possam facilitar seu desempenho, que têm muita psicologia, como é o caso das produções freirianas, por exemplo. Descrevemos o exercício da profissão psicólogo produzida por um profissional que é um cidadão ser-no-mundo, aberto a esse mundo complexo, injusto, dividido em classes sociais etc.

O profissional dos cuidados psicológicos, psicossociais e psicopedagógicos deve sempre estarão produção científica. Deve o psicólogo atuar cientificamente sintonizado também nessas situações catastróficas. Tratava-se de uma produção significativa que muito pode nos ajudar ali, no sentido de “inter(vir)” com efetividade (e afetividade) e com esforço singular e plural de tentativas de resolução de problemas.

Para se ter uma ideia do desenvolvimento positivo de a ciência psicológica, já tinha lido o livro “psicologia escolar” que tratava dos atendimentos em crises e conflitos, suja autoria eram Jack I. Bardon ; Virgínia C. Bennett, de 1975 mais ou menos. Referia-se à instituição escolar, mas que poderia trazer (e trouxe) algumas pistas para um psicólogo ligado mais à fenomenologia existencialista – na época não era graduado em filosofia, como sou hoje. Havia livros sobre a prevenção em saúde mental, e recordo de um autor do qual eu tinha seu livro, Gerald Caplan.

Sínteses: [1] foi um trabalho psicológico “pequeno” (?) diante da tragédia, em um labor que tem como fenômeno de pesquisa e intervenção a subjetividade e o comportamento (humano e animal), mas no meu caso, do ser humano que é ser-no-mundo; [2] Destaco nessa síntese o papel do trabalho do psicólogo em equipe, pois eu era o único psicólogo, mas advindo de um trabalho bem desenvolvido em equipe com assistentes sociais (presentes no evento traumático), ainda com psiquiatras (Sebastião Lyrio – um profissional muito envolvido, humanista existencial, poeta – algo que ajuda no trabalho clínico; havia também o doutor Valdir, que tive pouco contato), pedagogas e professoras, professores de educação física (Joel e Paulão, por exemplo). Devo ter esquecido nomes, por isso não ouso escrever os nomes das assistentes sociais, que eram mais de 20, creio eu.

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Hiran Pinel, autor dessa reflexão sempre em mudança frente às mais lembranças.