UM PSICÓLOGO EM TEMPOS EM DESASTRES & EMERGÊNCIAS
Hiran Pinel, autor.
Morro do Macaco, Vitória, ES: uma tragédia ambiental que marcou a presença
de profissionais de ajuda junto e com o que moradores que perderam suas casas,
e entes queridos, além de amigos. Tudo aconteceu na madrugada do dia 15
de janeiro de 1985.
O balanço após o deslizamento contabilizou 40 pessoas
mortas, 150 feridas, vários desaparecidos e
mais de 600 famílias desabrigadas. "A noite que pareceu durar
dias começou quando uma pedra com aproximadamente 150 toneladas deslizou,
destruindo tudo o que tinha pela frente, inclusive dezenas de casas e algumas
famílias. (...) Na época, o Morro do Macaco era habitado por cerca de quatro
mil pessoas" (A Gazeta; Publicado em 13 de janeiro de 2018).
Na época eu participei como psicólogo em
tempos urgentes de tragédia ou psicologia em situações extremas (desastres
e emergências), com atendimentos individuais, de famílias, e principalmente
grupais e comunitários.
Pelo que me recordo, eu era o único psicólogo, e um bom número de assistentes sociais – todos colegas. Éramos funcionários de ajuda (ou de cuidados) estaduais (funcionários públicos, então) que trabalhávamos no hoje antigo Instituto Espírito-Santense do Bem-Estar do Menor (IESBEM), oficialmente eu era psicólogo - bem como eram as assistentes sociais.
Fomos convocados e atuamos em situação de desespero social
de impacto negativo na vida subjetiva – angústia existencial, ansiedade, desespero.
Sempre me atentei em ser profissional sustentado pelas
ciências que “abracei”, sendo, pois, meu esteio ou fundamentação de minha ação
profissional.
Nessa época eu lia e estudava muito fenomenologia existencial:
aconselhamento psicológico (Gerald Corey - humanismo existencial; e Rollo
May), terapia existencial (Heidegger, Sartre, Nietzsche etc. - e os psicólogos e ou terapeutas que os seguia).
Como já fazia mestrado em educação na UFES, e já era orientador
educacional, fiz uma boa associação entre o "método ver-julgar-agir"
(tomadas de decisão individual, grupal e comunitária - Joseph Cardjin e Boran)
e a pedagogia do oprimido (Freire) anunciando as humanidades e
denunciando as desumanidades, assim como uma aprendizagem de uma
consciência crítica indispensável ao viver imediato - e ao mesmo tempo
personalizando cada atendimento (individual) inclusive os grupais e
comunitários, trazendo à lume a psicologia freiriana que destaca a força
da amorosidade, de uma escuta, considerando o “ser mais”, novamente
a força da conscientização crítica que é uma espécie de “descanso
na loucura”.
Eram temas que eu estudava fora da universidade (psicologia, terapias,
orientação educacional, educador etc.). Sempre considerando o ser humano
como ser-no-mundo que é.
Em momentos assim emergem teorizações diversas, e cabe ao
psicólogo, que fui, escolher e atuar. Teorias solidificadas nos dão mais
tranquilidade nas intervenções, os pensamentos, sentimentos e ações mais
recomendadas pela ciência, são aplicadas. Ponto final.
Foi uma experiência muito importante, não só pra
mim, mas para alguns outros psicólogos interessados e que me procuraram, após desse
evento doloroso, para conversar e até estudar.
Quem obteve maior benefício, penso eu, é claro que foram as
vítimas sobreviventes envolvidos com seus mortos, com os dramas etc.
Para os próprios moradores marcados por uma situação que tem
muito a ver com a classe social, os cuidados oferecidos pela
psicologia, educação - e com as profissionais do serviço social eram percebidos,
na época, como algo potente e mantenedor do “ser mais” diante de tantas
perdas humanas e materiais.
Bem, eles e elas, as vítimas sobreviventes, moravam em um
morro, do “tipo” periferia, e que o Estado, como um todo, e todo o
poder político nele presente, “sabem” dos riscos desses espaços críticos
em períodos chuvosos (ou não).
Como eu já disse, na época eu também era orientador
educacional, e fazia mestrado em Educação, pelo Programa de
Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Espírito Santo, PPGE/Ufes,
talvez por isso, ou com alguma “certeza” (?) do meu lado, recorri a Freire nas
minhas intervenções, ou melhor, práticas educacionais de fundo
marxiano, existencial e fenomenológico. Já havia, naquela época, um
trabalho envolvente de educação social, no qual era também envolvido.
Um psicólogo deve estar aberto às outras ciências
possam facilitar seu desempenho, que têm muita psicologia, como é o
caso das produções freirianas, por exemplo. Descrevemos o exercício da profissão
psicólogo produzida por um profissional que é um cidadão ser-no-mundo,
aberto a esse mundo complexo, injusto, dividido em classes sociais etc.
O profissional dos cuidados psicológicos, psicossociais e
psicopedagógicos deve sempre estarão produção científica. Deve o psicólogo
atuar cientificamente sintonizado também nessas situações
catastróficas. Tratava-se de uma produção significativa que muito pode nos
ajudar ali, no sentido de “inter(vir)” com efetividade (e afetividade) e com esforço
singular e plural de tentativas de resolução de problemas.
Para se ter uma ideia do desenvolvimento positivo de a
ciência psicológica, já tinha lido o livro “psicologia escolar” que tratava dos
atendimentos em crises e conflitos, suja autoria eram Jack I. Bardon ; Virgínia
C. Bennett, de 1975 mais ou menos. Referia-se à instituição escolar, mas que
poderia trazer (e trouxe) algumas pistas para um psicólogo ligado mais à
fenomenologia existencialista – na época não era graduado em filosofia,
como sou hoje. Havia livros sobre a prevenção em saúde mental, e recordo de um
autor do qual eu tinha seu livro, Gerald Caplan.
Sínteses: [1] foi um trabalho psicológico “pequeno” (?) diante da tragédia, em um
labor que tem como fenômeno de pesquisa e intervenção a subjetividade e o
comportamento (humano e animal), mas no meu caso, do ser humano que é
ser-no-mundo; [2] Destaco nessa síntese o papel do trabalho do psicólogo em equipe,
pois eu era o único psicólogo, mas advindo de um trabalho bem desenvolvido em
equipe com assistentes sociais (presentes no evento traumático), ainda com psiquiatras
(Sebastião Lyrio – um profissional muito envolvido, humanista existencial, poeta
– algo que ajuda no trabalho clínico; havia também o doutor Valdir, que tive
pouco contato), pedagogas e professoras, professores de educação física (Joel e
Paulão, por exemplo). Devo ter esquecido nomes, por isso não ouso escrever os
nomes das assistentes sociais, que eram mais de 20, creio eu.
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Hiran Pinel, autor dessa reflexão sempre em mudança frente às mais
lembranças.