O MESTRE QUE NÃO MISTURA ALHOS COM “BROLHOS” [1]: UM DOS MELHORES FILMES
SOBRE PROFESSOR - Hiran Pinel
Vamos analisar o
filme "Violência e Paixão" - de Luchino Visconti, de 1974. Vamos?
Será uma análise, e não "a" análise - nada definitivo, tudo aberto a
mais apreciações.
O título brasileiro
desse filme é idiota, deveria ser "Peça de Conversação" (obras de
arte que o professor tem interesse) ou "Adentrando por uma Família"
ou "Pelo Interior de uma Família" (Gruppo di famiglia in un interno).
Os títulos, esses dois, são do filme. Nada de violência e paixão kkk
O que esse filme
pode ensinar aos professores e aos estudantes? Vamos à minha apreciação.
Um professor de artes, aposentado, mora em uma mansão decadente - tal qual ele, já fisicamente decaído. O professor gosta de quadros de pintura do tipo "peças de conversação" - de origem inglesa -, donde o ideal é desvelado (pintado), o romântico, o alienado. Quadros com famílias unidas, crianças, azulzinho, rosinha, cãozinhos ou seja, a (des)graça do real nos marca, mas fugimos dela pela obra de arte que representa o romantizado.
Então, uma família
nobre e decadente, quer porque quer alugar a parte de cima da referida casa do
professor, devido ao lugar que se localiza, numa área nobre e urbana - uma
família urbana, decadente, imoral. A mãe dessa família, uma marquesa, tem um
amante, um jovem pobre que participa ativamente da revolução de 1968 de Paris -
rebelião dos estudantes na época (fato político real), era um líder. Assim,
esse jovem é perseguido pelo Estado (França, Itália, Inglaterra etc.), ele é
procurado tudo em um clima paranoico, persecutório. O professor, e esse jovem,
começam a se aproximar, e ambos aprendem (e ensinam) um com o outro. O
professor torna-se mais politizado (era demais subjetivo), e o aluno mais
interiorizado, focando também a sua subjetividade.
A primeira vez que
o assisti, não sabia, e por isso fiquei arrepiado demais com uma cena: o
professor escuta uma música alta e confusa vindo da parte de cima. Ele levanta
cuidadosamente e vai subindo, talvez para pedir "abaixem essa música"
urbana, popular, vulgar - ele ama as clássicas. Quando sobe a escada a gente
escuta a música de Roberto e Erasmo Carlos "quantas vezes eu pensei
voltar, e dizer que o meu amor nada mudou...". O professor abre a porta e
a música está mais alta, e então vê um grupo de jovens (talvez 6) desnudos e
fazendo sexo grupal - homens e mulheres. Aí tem uma fala inesquecível da filha
da nobre: "Venha professor, saia do seu mundo, entregue-se ao
prazer". É um convite deveras provocativo, que todo professor gostaria de
receber - ali, no meio da juventude, justo ela que ele perdeu. O jovem rebelde
de 68, aproxima-se dele, e lhe faz um carinho de "tons sexuais",
ampliando o convite - a amizade se transformou em paixão na relação
professor-aluno. Eu amo a resposta do mestre: ele se afasta delicadamente,
esteticamente, eticamente. É uma ética, uma bela ética - estética, pois.
O cineasta
Visconti, que era de origem nobre, mas filiado ao partido comunista, pode estar
a nos ensinar uma preciosidade pedagógica e psicológica: a de que o professor
não deveria confundir "alhos com brolhos", e se confundir ótimo
também kkk que assume as consequências das escolhas, Sartre. Escolhendo, o professor
faz uma escolha, o de não se entregar ao seu orgasmo (sexual), mesmo porque
depois só vem o real, e a educação se interessa por ela, ou que isso vem a
significar. O seu prazer pode também ser uma bela aula, bem como o amor que os
estudantes lhes dão, um amor pautado pelo respeito, ensino, aprendizagem,
pesquisa objetivando não tomar o lugar do professor, mas ficar ao lado dele,
pois ambos lutaram por esse ofício. Será que essa minha reflexão tem muito a
ver com as peças de conversação? Idealistas, românticas, alienadas, afastadas
do real...
Raríssima essa
película, raríssima - uma pena que poucos a assistem no Brasil, pois não é um
filme de ação, não é - ainda bem kkk
*
[1]. Brolho: Formação protuberante que nos troncos dos vegetais, dá
origem a uma brotação de ramos, folhas e flores. Pode também relacionar-se
(brolho) com sexo: pau, falus. Deveria ter escrito “bugalhos”, mas eu sempre
disse brolhos, que no caso do texto, vale a pena manter, por relacionar-se a um
tema sexual.