terça-feira, 24 de agosto de 2010

Documentário: "Uma Noite em 67"; de Renato Terra e Ricardo Calil.

Hiran Pinel - autor
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Às 23:10 do dia 24/08/2010 eu terminei por assistir um documentário. Ele virará um clássico (anotem, pois - rsrsrsrs). Foi no Cine Jardins (no bairro Jardim da Penha - Vitória - ES). Trata-se da película "Uma Noite em 67", direção dos cineastas Renato Terra e Ricardo Calil. O evento que fui assistir foi patrocinado pelo REC - Rumo Estação Cinema que é um outro evento associado às Faculdades FAESA (ES). Ao final do filme inventou-se um espaço-tempo de diálogo, mas nada ocorreu devido ao horário já tarde; fiquei frustrado... Entretanto o presidente do REC, professor doutor Rodrigo Rossoni, convidou-me para bebericar [no Dom Camaleoni]. Fomos. Na mesa estavam lindas meninas que trabalham no REC e duas delas suas fundadoras. E quem mais? Simplesmente o diretor desse documentário Renato Terra! Renato é um jovem graduado em publicidade e jornalismo pela PUC. Talentoso e com uma humildade não-submissa associado a uma potente generosidade, possibilitou-nos, com sua competência e paixão, dialogar muito sobre o filme. De fato quando viemos [com o Renato e Rodrigo - e eu] do Cine Jardins dentro do carro já comecei a dialogar. Bem... Antes do documentário ele tinha produzido uma monografia (TCC) sobre festivais - tema que sempre o interessou. Partiu 'prá' luta para tornar-se cineasta. Fez um documentário em parceria com a Rede Record (dona das imagens e sons daquele III Festival da Música Popular Brasileira de 1967).
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De que trata o filme?
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No documentário são revezadas imagens daquela época e imagens atuais. As imagens antigas (daquela época) são razoavelmente bem conhecidas - a TV Record passava de vezes em quando. Desse III Festival as imagens pouco conhecidas são as reportagens dos bastidores. São entrevistas com os famosos artistas [ou candidatos à fama] e outros menos cotados. Essas entrevistas foram realizadas por dois engraçados apresentadores, me lembro agora apenas do nome de uma que é Cidinha Campos - sempre informal e parecendo amiga dos artistas; ser "amiga" é visível pela intimidade que ela inventa ali; a cena em que ela pede ao Roberto Carlos (Rei da Jovem Guarda naquela época) para contar uma piada sem graça é supimpa [sobre a músca Ponteio e o violão quebrado de Sérgio Ricardo]... Nas imagens atuais vemos "stars" como Chico B, Caetano V, Gil G, Edu L, Sérgio R e pasmém, o Rei Roberto C.
O Rei está visivelmente maquiado (todos estão, mas ele é visível - um charme) e conservadissímo fisicamente; alegre, parece o único que se comportou como uma estrela - star que é... Mas Chico, Caetano e Gil o fizeram com charme isso de aparecer (e maquiar), e por isso mantiveram o estrelato - stars que são... Estamos em meio a estrelas que ainda vivem sob os holofotes - eles produzem coisas que até hoje nos tocam; são profundos. Eles são pessoas comuns, mas nos dão uma fantasia e ilusão de eternidade. Bem... Tem a cena cult do Sérgio Ricardo quebrando o violão numa confusa (devido as vaias) "Beto Bom de Bola" - que cena! O Rei (RC) diz que se soubesse que tinham "fãs-contra-ele" (melhor dizer: "contra-fãs") e contra a canção que cantava, no refereido evento, ele levaria gente para apoiá-lo (e olhe que dêsde aquele tempo o Rei é o mais popular de "todos-ali"; o Caetano diz isso - ele gosta de RC e a Jovem Guarda - leia: "Verdade Tropical" de C Veloso; a Cidinha diz que ele é o artista que vendeu mais discos do Festival - um LP era lançado no mercado e todos o compravam - por causa do Rei, provavelmente). Sabe o que eu senti da imagem atual do Roberto e de suas falas? O Rei desvela medo dos "contra-fãs" e ao fazê-lo (brincando), de certo modo, sua fragilidade "aparece-com-sentido" e então podemos começar a compreendê-lo, suas alegrias e tristezas... Um charme a presença dele (do Rei); lindo (eu de fato acho ele lindo - meu eu ideal) e muito comunicativo... Ele cantando "Maria Carnaval e Cinzas" (do Luiz Carlos Paraná) é tudo de bom e do bem - é sem dúvida o Rei, pois canta afinado mesmo; é literalmente "o" cantor daquele Festival terceiro. Ele fazendo charme para as fãs com a boca e o rosto de menino com cabelo penteadinho... Hummmmmm.... Já a fala final [da película] o Gil é profunda ... É uma fala cheia de sentidos e sem dúvida um final que provoca a gente - ele está visivelmente emocionado; ele diz que houve um tempo em que foi dividido (passado), hoje não (está casado com família); conheceu a vida e morte (simbólica, mas pode ser que esteja se referindo a decadência física em que todos estamos ou poderemos um dia estar; tem a coisa do câncer dele que produz muita reflexão existencial no nosso existir). Uma fala escolhida ao fim com muita sensibilidade advinda talvez da escuta dos diretores. Chico e Caetano, com seus discursos, acaba por nos posicionar acerca da emoção (emoção deles), que nos evoca não ficarmos piegas (nós os cine-espectadores). Por quê? Quem tem minha idade e assistiu ao festival. Eu assisti por outras vias, pela "Revista Intervalo" da Editora Abril que comprava toda semana já que na minha cidade Lainha MG só tinha TV Tupi e Globo. O cinema narra nossa memória na tela; por isso, vendo ao filme, lembramos "da-gente-mesma" (self). Evidente é que o tempo nos machuca (éramos novos, hoje mais velhos - há um sentido de tempo e morte - Gil, Caetano e Chico estão corretos).
Chico diz algo me nos deixam calmos e tranquilos com as perdas e ganhos na nossa vida. Ele diz: "Eu me olho e falo: - Como fui bonitinho!..." (mais ou menos isso) - "nada mais do que isso" ele completa, pois afinal a "vida-continua-mesma". A vida é assim: fomos jovens, o tempo passa... Bem, mudemos um pouco dessas perdas... Os olhos do Chico Buarque estão de um azul clássico e cultuado - um mar de lazulis; um azul capaz de embebedar o Rei Roberto Carlos que ama compulsivamente a cor azul [talvez o Rei deseje uma paz desejada; sonhada; planejada/ certinha onde ele tenha controle de tudo...] - talvez por isso ele convidou a Chico para regravar "Olha" que o fêz com Erasmo Carlos - olha vc coisas no seu olhar que um dia eu sonhei pra mim; a cabeça com problemas [já que a vida é real; cheias de alegrias e tristezas misturadas]. Um azul "chicodiano" que me fez leve - eu me perdi naquele mar de azul. Olhos não ficam envelhecidos - pareceu-me. Por um momento parei de lamentar a idade e passei a respirar, pois a vida urge como se eu estivesse em uma "clínica dos desesperados" - desesperar é viver num é? É? É?
Bem... Caetano disse que naquela época (do III Festival - em 67] ele era mais favorável ao movimento da Jovem Guarda [e guitarras elétricas e letras de amor infindo] do que do samba. Gostava dos Beatles, mas a banda inglêsa era paixão de Gil. Mais: Chico lamenta sua solidão - era o único (na época; lutava sozinho pelo sucesso), os outros eram a Tropicália (Gal, Betânea...) e a Jovem Guarda. Caetano concorda com o colega e possivelmente amigo - como deve ser triste ser Chico. Chico fala das tentativas do Governo (sim, na época, a ditadura se 'preocupava'[?] com os ídolos que faziam letras opositoras ao Governo; o ídolo produz opiniões populares) em tentar obrigá-lo ser um "bom mocinho" - olhos azuis oceânicos são capazes de tudo até de fazer um levante armado. Mas Chico rejeitou e então denuncia isso - em um filme político e artístico ao mesmo tempo (fenômeno raro na esfera das Artes). Levantamos do cinema (após o término do filme, é claro!), mas o fazemos pensando, pensando [e com lágrimas sutís] - somos levados a 'pensar-sentir-agir' sobre todo o filme, mas muito centrado na frase final de Gil: fomos divididos (passado) e essa foi a melhor época (passado); a agonia é o sinal de que temos sangue e vida (passado e hoje); não a agonia da repressão política (que ele se refere, talvez). Gil está a avaliar o passado de modo demais cruel com ele (Gil e Passado). Não podemos deixar de pensar e ficar como Gil: entre a vida (passado; festival) e a morte (presente; as stars de hoje com rugas mesmo que produzindo 'feitos meninos")... Do Gil foi a 'essência existencializada' [frágil existir cantor naquela noite em 67...] que capturei.
Dizem que um dos produtores do filme, o jovem João Moreira Salles deu um sábio conselho aos dois cineastas: “Façam um filme que tenha na sua interioridade muito com uma experiência.” O que é experiência? Uma "experênia-é-sentida" - eu digo depois que assisti "Uma Noite..." Recordo de Larrosa que diz que a experiência é aquilo que nos passa e fica na gente; gruda na pele, carne e alma e mais, ele nos alerta que vivemos um tempo em que não se vivem experiências; tudo é comercializado de modo rápido e grosseiro - consumismo voráz; competividade ensanguentada. Com "Uma Noite em 67" sentimos a experiência que nos descreve Larrosa - muito talvez pela minha idade que é compatível um pouco com as estrelas na tela. Eu me vendo ao te ver - "me vi te vendo". Eu um simples mortal (e feliz mortal que irá morrer). Por mais que eu narre o filme aqui-agora nesse ensaio fílmico (sem acertos de porguês e de digitação), o espectador jamais saberá "dele" [do filme] - já que é uma obra de arte [como é a vida experiencial], uma experiência existencial. É vital que o assitamos com alegria e dispostos a nos emocionar (deixar que o evento se transforme em experiência). Eu penso que o faria mil vezes sem me cansar - assisti-lo sempre. Tanta ética e beleza [bela ética; estética ética] é para assistir, e não falar (escrever) - mas na nossa arrogânica tentamos. É preciso crer para ver.
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Bibliografia:
LARROSA, Jorge [Bondía]. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Texto facilmente encontrado na internete.
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Tenho modificado esse texto à medida que me elogiam [alunos e alunas] e eu acredito (rsrsrsrs). Mas o emocional predomina - escrevo e não corrijo erros de português e nem de digitação. Mas o conteúdo é "esse-aí".