sábado, 24 de agosto de 2019


NECROPOLÍTICA E PSICOPOLÍTICA NA EDUCAÇÃO ESPECIAL HOSPITALAR.

Hiran PINEL, autor.
Vitória, ES. - 24/08/2019. Em citando o artigo ou o lendo e usando as ideias, referendar.

Aqui-agora se trata de um pequeno ensaio sobre o impacto dos termos necropolítica e psicopolítica na produção escola que acontece na classe hospitalar quando a professora se propõe trabalhar com o sujeito da Educação Especial.

Acabei de ler de Mbembe Necroplítica (da N-1), que levou-me à espanhola Valverde, e ao filósofo sul-coreano Han. O texto se adapta perfeitamente para refletirmos sobre a Educação Especial Hospitalar escolar e não escolar. Ao estudarmos casos de pessoas, especialmente crianças e jovens, que frequentam as classes hospitalares, podemos sentir e constatar o fato: os modos como tais crianças (e seus família) sofrem nas mãos do Estado repressor e que não se responsabiliza pelos seus cidadãos, e como os descarta quando não são mais rentáveis. Não são apenas adultos com câncer ou Alzheimer, são crianças com câncer, diabetes, crâniofaringioma etc. O Estado é claro, é encontrado nos seus funcionários (os ditos públicos) que atuam legitimando esse aparato, que por diversos modos, recusam o mínimo de resistência contra esse fascismo. Ao contrários, revelam o fascismo cotidiano, o quando isso alastra entre eles. Isso é mostrado na lentidão dos atendimentos, na brutalidade e insensibilidade - e na não disposição em dizer a verdade, sempre mentindo para proteger a instituição e seus parcos salários. Até mesmo funcionário bem remunerados, como os médicos, costumam manter o status quo estabelecido, evitando dizer a verdade: "o governo não nos mandou esse remédio que pedimos no tempo correto". Muitos até começam a "cobrar" pelos procedimentos, colaborando para a privatização do que é público, revelando a insensibilidade com os empobrecidos. Nos nossos contatos com alunos-pacientes e suas mães (sim, os pais, por diversos motivos, aparecem pouco no cotidiano) ficamos sabendo que tem faltado até mesmo anestésicos (vitais nos casos de câncer), insulinas, aparelhagem mais sofisticadas para exames etc. Toda essa necropolítica (Mbembe) reflete na produção de uma psicopolítica (Byung-Chul Han), ou seja, esse tipo de política acaba impondo tipos de subjetividade de submissão, de docilidade e entrega à depressão. A psicopolítica se interessa pelo que se denomina de as técnicas planejadas/ executadas/ avaliadas pelo poder do capitalismo, que influenciam a vida psíquica, convertendo-a na sua principal força de produção. A necroplítica, também descrita por Clara Valverde, traz o tema encarnado do neoliberalismo como aquele que deixa intencionalmente morrer pessoas que não são rentáveis, que não geram mais lucros ao mercado - criam formas dessa matanças sem se expor como (um sistema econômico) maléfico e perverso, tudo muito maquiado, mas efetivo nos assassinatos. Não produz mais as guerras mundiais ou locais, mas uma violência sutil e maquiada - mata-se a cada dia o excluído, e faz com que os incluídos não simpatizem com aqueles, que são, tais quais, humanos - demasiados. No contexto da classe hospitalar isso aparece na professora, por exemplo, que por piedade do aluno com grave câncer, não ensina criticamente os conteúdos escolares propostos pela cultura. Como se o ato de ensinar conteúdos na classe hospitalar fosse opositor à alegria e ao prazer de aprender. Então, o que descrevemos, por é o que percebemos, é a professora optando pelo brincar por brincar, que tem lá sua potencia, mas que não corresponde às propostas mais vitais da Educação Especial Escolar que acontece na classe hospitalar. Aquele lúdico é vital sim numa Educação Especial Não Escolar, que pode até acontecer na classe hospitalar, mas também em outros espaços do hospital, como as brinquedotecas, leitos etc. Por sinal, a escolaridade pode acontecer nesses espaços também. O que parece faltar é a mediação do tempo (e espaço) que precisa ser dedicado ao escolar. Isso pode ser traduzido de ações de legitimação da necropolítica do Estado. Como diz Valverde a saída pode estar na "empatia radical", na ação individuais, grupais, institucionais e coletivas de generosidade, acolhimento, humanismo, práticas de oposição pela resistência, luta contra o neoliberalismo e o Deus do mercado etc.


REFERÊNCIAS:

MBEMBE, Achille. Necropolítica; biopoder soberania estado de exceção política da morte.

VALVERDE, Clara. De la necropolítica neoliberal a la empatía radical.

HAN, Byung-Chul. Psicopolítica.

***
UNITERMOS: Necropolítica - Psicopolítica - Achille Mbembe - Clara Valverde - Byung-Chul Han - Neoliberalismo - Subjetividade - Fascismo - Educação Especial - Pedagogia Hospitalar - Classe Hospitalar - Saúde - Educação. 

***

TEXTOS ESPARSOS...

A psicopolítica, ligada à necropolítica, se interessa pelo que se denomina de técnicas planejadas/ executadas/ avaliadas pelo poder do capitalismo. Tais dispositivos de controle das mentes humanas, seu uso eficaz, influenciam a vida psíquica, convertendo-a na sua principal força de produção - mentes operariadas, maquinadas, abusadas pelo poder, mas que não percebidas assim. (...) é um tema encarnado e interligado ao do neoliberalismo. Nesse processo se deixa intencionalmente morrer pessoas que não são rentáveis mais, que não geram mais lucros econômicos (...) - criam formas dessas matanças, mas tudo sem se expor como um sistema financeiro maléfico e perverso. Tudo sai muito maquiado, polido, sem rugas ou rusgas - mas, de modo efetivo, produz-se assassinatos. Não se cristaliza mais as grandes guerras mundiais ou mesmo locais, mas uma violência sutil e maquiada - mata-se a cada dia o excluído, e faz com que os incluídos não simpatizem com aqueles, que são, tais quais, humanos - demasiados. As pessoas são expulsas de seu lugar de vida, e podem fazer isso em nome de Deus, e onde era seu lugar (de amor) se transforma em espaço (algo ruim) e se faz uma passagem para outras nações, onde serão odiados, serão inimigos, e há todo um projeto completo nessas andanças, nessas travessias de uma nação para outras - há muitos significados aí (...) Outra força psicopolítica são as maquinações pelo belo reino e ilusório da internet, a falsa ideia de que vivemos com o outro, mas o que fazemos é nos individualizar, mal e porcamente vivemos conosco mesmos (PINEL, 2019; p. 8-9).  

(...) no contexto da classe hospitalar pode aparecer modos de ser piedosa, de dó e de compaixão por parte da professora, por exemplo. Ela faz seu melodrama como "ser no mundo", conta os casos de morte aos outros, destacando-se impotente, mas heroína. Ela se acha e se comporta como estivesse no Facebook, postando amenidades, imagens alegres, apesar da tristeza avassaladora que ela recusa mergulhar: "Mais um óbito", ela diz com rosto denso, tenso e intenso, mas não raro, o faz ao estilo interpretativo canastrão. Ela não se dispõe a ensinar criticamente os conteúdos escolares propostos pela cultura, se propõe sentir dó: "eu não choro na frente, vou ao banheiro", ela interpreta. Ao destacar o sentimentalismo, algumas vezes, "bem baratinho", parece que ela quer dizer que o ato de ensinar conteúdos na classe hospitalar é algo opositor à alegria e ao prazer de aprender - ela torna secundário ensinar conteúdos, justo eles que deveriam trazer na classe, algo da comunidade da criança, algo da vida - dar vida. Então, o que descrevemos, por é o que percebemos na carne, é a professora optando pelo brincar por brincar em um eterno e interminável lúdico, onde a criança faz o que deseja, dentro das ordens médicas dadas (PINEL, 2019; p. 7).

A professora, ela mesma, compra brinquedos com seu próprio dinheiro e o faz compulsivamente. Ela deseja os mais bonitos, alegres - e nem sempre esse é seu papel, mas ela o faz como heroína que acha que é - "se acha". "Os brinquedos lindos amenizam a dor e morte", mas ele não se autoriza pensar isso. (...) Ao executar suas tarefas escolares, ela não quer analisar a produção dessas mortes, ela "não quer" (ou não deseja) questionar a qualidade dos serviços de saúde. (...) É claro que o ato de brincar tem lá sua potencia forte, e defendemos ardorosamente seu benéfico impacto, mas ele nem sempre corresponde às propostas mais vitais da Educação Especial Escolar, que é o ensino-aprendizagem dos conteúdos apregoados pela cultura. Essa escolaridade precisa acontecer de modo concreto e repetido na classe hospitalar. (...) Aquele lúdico é vital sim, numa Educação Especial Não Escolar, que pode até (também) acontecer na classe hospitalar, mas (também) em outros espaços do hospital, como nas brinquedotecas, nos leitos, nos corredores, no "lá fora" etc. Por sinal, a escolaridade pode acontecer nesses espaços todos (também). (...) O que parece faltar é a mediação do tempo (e espaço) que demanda (e precisa) ser dedicado ao escolar. (...) Isso que estamos a descrever, pode ser traduzido de ações de legitimação da necropolítica do Estado, levando (também e paralelamente) à psicopolítica (que também pode ser de Estado) de subjetividades "aparentemente levíssimas (e alienadas)", apesar as exigências de ser professora escolar (...) tudo pode ser (co)movido com alegria, cumprindo as suas tarefas de ofício de ser professora (PINEL, 2009; p.7-8).



segunda-feira, 19 de agosto de 2019



(...) A Psicologia Fenomenológico-Existencial apregoa, que na produção do conhecimento, deva existir dois movimentos vitais e potentes, que são vividos indissociadamente. São movimentos incrustados na pele/ alma/ mente do pesquisador/ cientista, que podem ser descritas como atitudes/ posturas do ser (sendo) com ao outro, no mundo do ser investigador (...) será isso que o legitimará ao profissional da ciência dizer: "- Trabalhei com o método fenomenológico" (...) São esses os dois movimentos vitais, centrais, focais que estamos a descrever até agora: [*] o envolvimento existencial (...); [2] o distanciamento reflexivo[1] (...) Mas há mais movimentos que acompanham esses dois centrais: (...) [3] (...) valoriza a descrição do vivido, sua compreensão - no aqui-agora. (...) Trata-se uma coisa advinda da relação pesquisador e pessoa que colabora com a pesquisa (...) "falamos" da descrição do imediato, do inequívoco e claro aos sentidos (...) [4] há mais características (...) sempre em movimentos dialéticos e ao mesmo tempo mestiços, híbridos, indissociados (...), [5] na riqueza do existir concreto do ser humano, que colocado no mundo, sem a sua anuência, trata agora de escolher, responsabilizar-se por isso (pela escolha) e cuidar de si e do outro, bem como descuidar (...) [6] foca na subjetividade experiencial do outro, considerando isso como “modo de ser” no mundo – “ser no mundo” da experiência (...) [7] considerando sempre que a essência existencializada do sujeito concreto acontece no mundo - na história (tempo), na geografia (espaço/ lugar) (...) o ser impactado pela economia, mídia, sistemas judiciais e de segurança, escolaridade, políticas, fascismos etc. - "ser no mundo"; [8] sujeito e objeto são indissociados, poderíamos falar que o que acontece é uma relação "pessoa-pessoa"; [9] a “suspensão” (ou o envolvimento existencial) é relativa, ou seja, nunca é total, isso devido o pesquisador ir a campo com o outro,  o mundo em si e o outro e as coisas do mundo [**] (p.17).




[*] Esses dois movimentos que são a alma do método fenomenológico, Pinel (2018) credita à Forghieiri (1997) que foi sua professora no doutorado que fez no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

[**] Na Terapia Existencial, Pinel (2018)  acrescenta "(...) a atitude de valorizar tudo que é dito (ou não) e expressado (ou não) pelo sujeito que procura ajuda clínica, procura cuidados para a sua saúde mental. Nessa percepção, um clínico, deve agir assim, cuidadosamente, sendo permissivo em que tudo seja considerado ali no 'setting clínico', onde tudo é vital, tudo é potente, um detalhe, um gesto, uma palavra repetida ou a não dita, uma palavra dita uma única vez, um gesto inacabado, uma lágrima, um sorriso, uma drama, uma comédia etc. O terapeuta nada interrompe, deve lutar e (pró)curar estar sempre atento e em posição empática (compreensiva), e com forte disposição ou desejo de estar ali, descrevendo 'o que é' e 'o como é' ser" (p. 19).

* * * 
NOTA: Em citando, favor referendar...

PINEL, Hiran. Como eu faço pesquisa (e intervenção) fenomenológico-existencial. Vitória: Ensaio do Autor, 2018.

O MÉTODO FENOMENOLÓGICO NA FORMAÇÃO DO ATOR 


Hiran Pinel, autor.

FILME A SER COMPREENDIDO:

"Método/ Method/ 메소드" (Coreia, 2017, diretora Bang Eun-jin).

Sinopse e apreciação:

O ator Jae Ha (Park Sung Woong) está no elenco de uma peça de teatro chamada "Unchain" ("Libertar-se"). Também atuando na mesma peça está o ídolo k-pop Young Woo (Oh Seung Hoon).

Young Woo não está entusiasmado para subir no palco, depois de um período no hospital, acidentado e ele quer voltar à vida profissional "mais artista", e trabalhar com Jae Ha é status devido ser um ator respeitado, maduro, premiadíssimo.

Em primeiro momento, Jae Ha e Young Woo não se dão bem. Woo é desligado, arrogante, temperamental, sem talento aparente. Ha é controlado, sabe teatro, pois estudou e é uma anti-estrela.
Mas, à medida que ficam mais imersos nos personagens gays que eles interpretam em "Unchain", os dois desenvolvem sentimentos inesperados, pois a formação de teatro (o tal do "Método") de Ha é realista/concreto e fenomenológico-existencial, se envolvendo com o personagem enquanto durar a peça. Ele ensina isso a Woo, que leva a sério a proposta de um teórico de teatro, em um livro de Ha lhe dá de presente.
Enquanto isso, Hee Won (Yoon Seung Ah) a namorada de Jae Ha, tem uma sensação estranha sobre a relação entre Jae Ha e Young Woo. Ela sabe que Há sempre foi assim, se envolveu com o personagem sempre, e se perdeu - por isso ganha sempre todos os prêmios de melhor ator, é nacionalmente renomado, sério, compenetrado, e uma pessoa simples, que não gosta do estrelato.
O filme é uma aula de ser ator, a relação professor-aluno, relação de uma experiente com um inexperiente. Havendo uma mistura: há uma peça de teatro (ficção) sendo ensaiada (de tema gay) e há dois atores héteros (vida real) que, por causa dos personagens, se envolvem ardentemente, afinal, se vão viver dois personagens, que saibam (e sintam) na carne quem é que vive como ser no mundo.
O título do filme (Método) e da peça de teatro ("Desacorrentar-se", "Libertar-se") se mesclam, e produzem mais sentidos e significados.
O filme, na minha percepção, descreve compreensivamente o "que é" e "como é"  o método fenomenológico-existencial aplicado na formação dos atores. Um método cujo procedimento é fundamentalmente envolver-se existencialmente com um outro (o personagem), bem como os dois atores devem, então, ceder seus corpos/ mentes/ almas pra que isso se concretize. Eles se dispõem a isso, no ofício de pesquisar os personagens. Só que eles precisam  desacorrentarem-se do método, livrarem-se dele, é a regra desse método, mas, de modo complexo, para que isso ocorra, eles precisam ceder ao aprisionamento "dos outros" neles mesmos, como "ser no mundo". E quem são esses "dos outros"? São os personagens, mas são eles mesmos, os reais. O fenômeno é da mestiçagem, do híbrido, da ligação, da associação, e ao mesmo tempo, manterem-se intactos "si mesmos". Que provocante, não? Mas, "que é" e "como é" isso mesmo? O filme tenta resolver, ao final. Mas, tudo é tão complexo, que o fenômeno é "isso-aí", e se, por um lado, ele pede esclarecimento, por outro, ele se esconde, e na coxia. 

Síntese: obra de arte pelas interpretações que nos envolve, a iluminação (é o ganho do filme), as música, o enredo, a direção etc.

NOTA: O filme tem muito a ensinar ao pesquisador fenomenológico em Psicologia, Educação/ Pedagogia. O mergulho no outro, como parte de si, tem que ser total, "olhar de sentido, prenhe do envolvimento existencial", porém, mantendo "intacta retina", diria Caetano Veloso em "Cajuína".