quinta-feira, 26 de novembro de 2020

REPRESENTAÇÃO EXISTENCIAL: "O QUE É" E "O COMO É"... - De: Hiran Pinel

REPRESENTAÇÃO EXISTENCIAL - RE, DE PINEL

Na REPRESENTAÇÃO EXISTENCIAL (RE), o termo "interpretação" não é a mesma coisa de um ator representar um personagem, ele falseou, nos enganou. Ele foi um outro diferente de si, ele dicotomizou esse vivido. Depois de ter filmado a série de TV, por ex., o ator pode pensar que retomará "si mesmo" (real), seu "verdadeiro" eu. O ator fingiu ser o personagem, afinal ele não era o personagem representado, "ele era um outro diferente de si". Bem... Não é assim o termo "representação" da existência. A RE pode até se referir à pessoa do ator que representa, ele que acha que finge ser um outro, mas, que no processo, "ele é ele mesmo também", o personagem é humano e tem existência própria no corpo-mente-alma da pessoa que se nomeia profissional ator. Ele se imbrica, ele é esse híbrido, essa mistura - tudo encarnado. Ele pode, num filme, ser um objeto ou um animal etc., mas, esses serão personagens humanizados por ele, se é um automóvel, ele o é também imbricado, encarnado, misturado - um automóvel segundo "sua humanidade" (singular) e a humanidade geral (pluralidade), "ser no mundo".

Para pesquisar a RE uma das possibilidades é observar e conversar com as pessoas do modo como ela percebe (ou percebe o seu representar) o outro que é parte de si próprio e "si mesma". Quando perguntamos a um grupo de professores que lecionam em sala de aula que tem, pelo menos um aluno com síndrome de Down, podemos nos guiar por essa questão:

"Professora, o que e como é, ser aluno da Educação Especial na sua sala inclusiva, tendo ele síndrome de Down, considerando dele suas expressões sexuais neste espaço (e tempo) escolar?"

Temos três situações indissociadas "o si mesmo", o "outro" (e os "outros") e o "mundo". 

Estou desejando saber, de uma pessoa, no caso, uma professora, "o que é" (nascimento do fenômeno, sua nomeação) e a dinâmica desse fenômeno no existir do outro nele, e ao mesmo tempo, escuto dela o outro com os outros, no mundo. Eu posso coletar esse dado via oralização e ou observação informal e livre, e ou outras ferramentas como vídeos/ filmagens, fotografias, desenhos, diário íntimo, e-mails amorosos, página do Facebook etc. 

Minha meta é compreender não apenas "o que é", mas "o como é" ou seja, "como é ser esse outro, no mundo", de que modo dialético, em movimentos diversos que se interligam, se soltam, se contradizem etc. Meu foco é no fazimento, processual - no enquanto "a coisa" (o fenômeno) anda, se processa. Observando uma bordadeira, não quero apenas ver o produto final, o bordado num tecido, mas, especialmente, observar e descrever compreensivamente como "a coisa" foi planejada, sempre avaliada e sempre executada. 

Desejo saber "da professora", dela mesma, a percepção (dela) acerca de um outro (aluno especial). 

Mas, quando eu a escuto empaticamente acerca "desse outro", eu a estou escutando ao modo compreensivo, logo, ao mesmo tempo, estamos escutando a "professora mesma", "ela mesma", sua singularidade, mas de uma singularidade na pluralidade do/no mundo. Mina vontade é descrever compreensivamente o que se denomina de "ser si mesma", pois, ela fala de si, do outro - ambos estão no mundo (mundo pessoal, mundo natural, mundo do outro, mundo ideológico dominante ou não, mundo da economia, mundo da saúde, mundo da justiça, mundo da segurança etc.)... Isso: é ela a pessoa que fala, "ela mesma", mas como ela é "ser no mundo", ela fala de algo encarnado ou que está em vias de encarnamento.

Outro modo de coletar esse dado é simplesmente observando o sujeito no seu cotidiano, onde o pesquisador se coloca silencioso (não mudo) e empático, e dessa experiência de sentido, brota a Representação Existencial (RE). Pode emergir uma RE de um filme, por exemplo, pois arte e realidade se imbricam, uma interliga-se na outra, ou no real, na fantasia, no imaginário etc. A arte também ensina ao real, e real ensina a arte - mas nosso foco é no real da arte, e na fantasia mesma da arte, que ao ser levada a efeito, ela representa a existencialidade encarnada de alguém, no assim denominado mundo real, concreto. Uma arte pode estar desejando atiçar o espectador, que é gente, pessoa existente como sua realidade, fantasias, projetos de ser etc.

O pesquisador da RE está interessado nos modos como o professor representa, e então projeta, pela via perceptiva, no/o/com o aluno com síndrome de Down - e se atenta aos modos como ele expressa sua sexualidade na sala. Poderíamos perguntar ao próprio aluno, sua família etc. O que o professor "diz " sobre o outro (aluno) é ele mesmo (o professor) e é um outro, o aluno. Os personagens estão incrustrados na pele, alma e mente do sujeito pesquisado - logo representar para a Psicologia/ Pedagogia/ Educação Existencial não é algo falso, mas algo que ao ser representado o faz aquilo do real do ser, suas ações concretas, seus sonhos, seus projeto de ser. Tanto aquele que percebe, como aquele que é percebido, estão no mesmo teatro encarnado do cotidiano concreto, todos nós representamos nossa existência, pois, viver encarnado é representar e representar é nossa realidade, teatro e vida real se imbricam, se enriquecem, se provocam. São nossos "modos de existir", mas, nesse sentido, estamos estudando as pessoas consideradas como "ser no mundo", havendo, então, uma troca representacional do encarnado sujeito, o outro, os outros e o mundo (coisas, ideologias, economia, justiça, educação escolar e não escolar etc.) - tudo potente, tudo em "misturança". Conhecer com sentido (consentido) a RE é algo potente e forte, revelando sua importância em desmiuçar essa dinâmica quase sempre em uma rede de tramas nesse teatro da vida, palco da vida. Esmiuçar, desvelar, revelar, esmiuçar, detalhar - mostrar ao mundo os modos "como representamos a existência do outro", o "outro esse que é o nosso si mesmo", e o "si mesmo dele". Descobrir que não somos limpinhos, azulzinhos, rosinhas, nem tristes, alegres, saudáveis e doentes... Somos tudo, e quando achamos que representamos como algo falso, estamos, de fato, existindo com a gente mesma, o outro, os outros e o mundo - tudo é carne, e o teatro é o teatro enfiado adentro a nós e a representação é a carne, logo não é algo falso - real que é. O teatro e a realidade se imbricam, se misturam complexificam o existir. Ficção e realidade interligadas, e ambas produzem alegrias, tristezas no nosso cotidiano vivido.

[Hiran Pinelautor, 2020].