domingo, 28 de agosto de 2022

AMOR AO CONHECIMENTO

Podemos consumir o thai-pop e outras artes/literaturas/poesias, só isso, pois a arte não muda concretamente nossas vidas, apenas nos ajuda a comprar coisas, nos torna emocionais por minutos e ou dias - mais nada... kkk No máximo, como disse, pode ser uma ilusão aparentemente mais sólida, nada mais do que isso, repito.
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Ganhei uma bolsa com imagem de uma banda K-pop com os autógrafos de cada membro, comprada em Banguecoque, e agradeço a generosidade (maravilhosa) em lembrar de mim.

Minha paixão pelo pop tailandês (principalmente), coreano, japonês, chinês etc., é isso, ou seja, eu mais o consumo do que o vivo no sentido de expressar novos comportamentos e emoções, cognições, expressões corporais etc. Nada disso, é consumo da arte. Por minutos ou horas, ou dias, podemos nos sentir nas nuvens, mas raramente temos mudanças mais um pouco permanecente quando impactados com uma cultura pop.

O thai-pop que trago em mim é impossível de expressar, ainda que eu tivesse 16 anos de idade, afinal, fui fã do movimentos, que poderiam ter sido denominados brasil-pop kkk ou Br-Pop... kkk Movimentos das canções de protesto, a Jovem Guarda, o Tropicalismo, o Cinema Novo, a moda pret-a-porter etc. Nesses momentos eu apenas consumia - discos (principalmente), escuta das canções no rádio e na TV da época, pedir canções nas rádios, escrever para a Revista InTerValo, ir ao cinema, camisetas, calças, estilo de cabelo, fotos, autógrafos, telenovela como Beto Rockfeker, bonecas e bonecos, show's, festivais etc. Entretanto, quando ia me expressar de modo concreto, e visivelmente observado pela emissão dos meus comportamentos comuns de oposição ao estabelecido na época, não raro, eu era rechaçado de algum modo, ora por "mim mesmo" que tinha "comprado" as censuras dos meus pais (minha família), a religião e o próprio Estado brasileiro, em época de políticas ditatoriais. O Estado é uma poderosa arma pra gente produzir muita censura, dar passos muito pequenos pra gente crescer e aprender...

No máximo, o que eu conseguia era repetir uma moda, ou dizer uma frase nascida do yê-yê-yê ou de um protesto simbólico de Caetano Veloso". Poderia dizer "caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento", não mais do que isso. O fato era que eu andava "a favor do vento", e me cuidada pra "não" esquecer do lenço (pra limpar as lágrimas dos meus olhos) e dos documentos, senão poderia ser detido, na época, pela polícia - 1966, mais ou menos.

Ou seja, a arte-pop é sentida adentro de nós como uma fagulha de possibilidades, sendo assim, é "apenas" uma "esperança", ou "é uma esperança". Evidentemente, a esperança é um valor, mas é uma subjetividade também, mas que é impossível expressá-la concretamente na sociedade, pois aparecerá sempre a proibição, a censura - e olha que isso se alastra no Brasil, nos Estados Unidos, em Cuba, na China, em Israel - vejo isto em obras de arte.

Pode ser até que fôssemos a favor da "ideologia dominante", e só queríamos "amar livremente" - leia-se, transar. Mas, o que é amar livremente? O amor ameaça mais do que mil metralhadoras. Assim, é que "este ato" (o de amar com liberdade) era algo maior, que nos indica que era preciso "insubmetermos ao estabelecido", e isso nem sempre acontecia pela censura interna advinda da censura familiar, até mesmo da religiosa, mas do Estado. O Estado repressor e fascista tema o "amor livre", a liberdade, e especialmente a "liberdade existencial".

Amar livremente nos leva por um caminho de resistência, por isso, muitos jovens da minha idade, na época, e velhos senhores de hoje, são "mantenedores da ordem estabelecida", uns são fascistas e outros são constante questionadores das merdas em que nos meteram, e que nós nos metemos.

Há exceção? Sim, mas este não foi eu - 'eu não fui", tanto que me transformei em "bom mocinho" onde minha área nunca foi a do "amor sexual", mas a do "amor ao conhecimento", ainda que o "ato sentido de conhecer" implica também em amar. O "ato sentido de conhecer" é impulsionado por uma energia amorosa, que dá ao corpo novos significados de um existir total como "ser-no-mundo", implicando em "ser-com". 

[Hiran Pinel - autor - 23.04.2022] 

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

TEXTO DIDÁTICO

CITANDO, REFERENDAR

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O MÉTODO PROGRESSIVO-REGRESSIVO DE JEAN-PAUL SARTRE

Hiran Pinel, autor deste texto didático

Sem dar os passos ou os procedimentos, pois não seria totalmente possível podemos nomear algumas ações que o investigador faz ou pode fazer quando recorre ao "método progressivo-regressivo" de Jean-Paul Sartre.

O método sartreano foi publicado em dois textos dele, e que são complementares: a) "O Ser e o Nada" (1943) - onde ele nos fala de um método para a psicologia, que ele intitula de "Psicanálise Existencial"; b) "Questão de Método", quando ele publicas as técnicas que norteiam o método, isso na introdução da "Crítica da Razão Dialética" (1960)[1].

Para levantarmos esses "passos" descritos de modo não clássico, não por etapas, nos inspiramos em um artigo de Schneider (2007), e destacamos de que ela não objetivou no seu texto tal proposição. Recomendamos ler os originais da autora, e o (artigo) citado ao final, nas referências.

O que propusemos não é algo simplista, mas um texto didático que não pode ser aplicado rigidamente, é preciso atitudes existencialistas considerando obras de Sartre. 

Descrevemos o método de investigação progressão-regressão descrito por Sartre. Isso significa que achamos indispensável que o estudante que começa com o método, e que se diz "perdido", vá direto ao artigo e outros (inclusive livros) da autora  (SCHNEIDER), que se dedica "trabalhar" com Sartre.

Após a elaboração da lista recorremos a mais autores, mas sempre tendo por base o texto recorrido (SCHNEIDER, 2007): Cerbone (2012), Bertolino (1996), André (2008) recomendo a leitura de como ela trabalha com o método; Erthal (1994, 1990), Gobbi et al. (2002).

Levantamos 24 procedimentos, que sem dúvida, podem estar em um exercer um vaivém, sem nenhuma linearidade. Claro está que é apenas um texto didático, pois para produzir conhecimento por este método é preciso estudar Sartre, conhecer pesquisas que recorrem ao método.

Quando eu falo de 24 procedimentos, não falo que eles podem ser "praticados" assim-assim, não - eles necessitam ir até a teorização do criador desta abordagem. Ou seja, Sartre não pode ser reduzido a procedimentos, eles funcionam como estimulo ao pesquisador ir fundo na proposta do autor original (Sartre). 

Então, o que "mostro" aqui-agora não são nem regras ou procedimentos, antes, são posturas existencialistas do Sartre de "Ser e Nada" e de "Crítica da Razão Dialética".

Dito isso, eis os "procedimentos" (atitudes/ clima/ estilo) do método de pesquisa progressivo-regressivo de Sartre:

1. Investigar a dimensão de ser do sujeito humano, compreendido enquanto ser-no-mundo, como ser-em-situação, um singular/universal, partindo dos aspectos concretos de sua vida (comportamentos, gostos, gestos, emoções, raciocínios do sujeito concreto), ou seja, as diferentes dimensões da vida de relações.

2. Processar a unificação do conjunto, que é o ser do sujeito, ou seja, seu projeto original, entre diferentes aspectos e dimensões

3. Fazer movimentos dialéticos (em vaivém, na dimensão universal/singular ou coletiva/individual) progressivos (objetividade do mundo) e regressivos (subjetividade) do ser humano, tendo por base sua biografia ou autobiografia.

4. Procurar construir uma investigação dos projetos empíricos ou das estratégias para realizar o projeto de descobrir a maneira original com que cada sujeito se escolhe, ou seja, a unificação de seu ser, familiarizando-o com suas paixões;

5. Efetuar um método compreensivo ou sintético no estudo de uma história, biografia;

6. Partir nunca de fatos isolados, mas sim de fenômenos, quer dizer de um conjunto articulado de ocorrências objetivas.

7. Compreender que diferentes aspectos de uma vida sempre se dão em conjunto, são tecidos uns nos outros; alterando um, modifica-se o outro, e vice-versa.

8. Descrever esse entrelaçamento, esse significado comum que deve ser perseguido, a fim de elucidar a história pessoal (singular) e coletiva (na pluralidade de ser).

9. Compreender de modo contextualizado a situação histórica (de vida) estudada.

10. Desvelar, entre os diferentes aspectos e dimensões da biografia humana, aquilo que processa a "unificação do conjunto", que é o ser do sujeito, ou seja, seu projeto original (seus projetos, sonhos, perspectivas, esperanças, o que sonha pra si). 

11. Decifrar o “projeto de ser” (sonhos, projeto original) do indivíduo estudado (ou de cada um deles), onde ele se definirá o que é e para onde se encaminha nos diferentes movimentos como pessoa no mundo.

12. Tomar o indivíduo em sua singularidade, ou seja, no movimento pelo qual ele se fez sobre a base do que se fez dele, compreendendo-o.

13. Encontrar o homem por inteiro em todas as suas manifestações, a maneira de se lançar no mundo, as posturas morais e políticas, os valores, a sua corporeidade etc., que o remete sempre ao projeto de ser, que é fruto das determinantes materiais, sociais, históricas em que ele está inscrito (objetivo) e da apropriação ativa por parte do sujeito (subjetivo). 

14. Compreender a realidade humana que passa pelo movimento dialético entre o objetivo e o subjetivo.

15. Chegar à singularidade do sujeito humano, sempre compreendido como produto e produtor do seu contexto e de sua história.

16. Fazer uma análise compreensiva a partir das significações das diversas situações que são engendradas nessa relação entre o objetivo (progressivo) e o subjetivo (regressivo) e que se expressam através do projeto de ser de cada sujeito.

17. Recorrer sempre à Psicanálise Existencial como um pólo mediador entre o homem, em sua singularidade, e o contexto histórico do qual ele faz parte como construtor, produtor, inventor, criador.

18. Compreender o ser do nosso sujeito que colabora com nossa pesquisa, "olhando-o de sentido", ou seja, reconhecendo que ele é circunscrito no mundo, isto é, a partir da relação com os outros, com a cultura que o cercou, com a mediação dos valores sociais e religiosos, com a materialidade que ele teve disponível.

19. Entender o que se passou com a pessoa que colaborou com nossa pesquisa, desvelando o que engendrou seu ser, afinal "ser no mundo", abandonando assim a noção tão poderosa, de que uma individualidade é encerrada em si mesma, afinal o o eu não é uma entidade psíquica e nem é uma caixa-preta a ser desvendada, simplesmente jogado no mundo, ele é esse mundo também, essa dialética entre o si mesmo (regressivo) e esse mundo progressivo).

20. Descrever o homem concreto, com suas relações com o corpo, com os outros, com os objetos, que definem as possibilidades de ser de alguém, pois afinal, ser é unificar-se no mundo, imbicar-se nele, ir (si) e vir (mundo), uma personalidade/ subjetividade que não está encerrada dentro dele mesmo (homem), nem em sua consciência que não é inacessível para os outros e para ele mesmo, pois ele está no mundo, reconhecível em seus gestos, atos, palavras, pensamentos, em suas obras (ações, produtos, produções diversas como desenhos, uma cadeira que ele fabricou, um livro produzido etc.).

21. Compreender de modo rigoroso e objetivo, a personalidade humana pela ação dialética progressão-regressão.

22. Fazer de modo explícito os movimentos regressivos (subjetivos; singularidade; o individual) e progressivos (mundo concreto, real, econômico, político, sociedade de classes etc.), sempre revelando também a dinâmica da subjetividade, e assim, não negando a conjuntura econômica, política e cultural em que os fenômenos humanos se desenvolvem, sem jamais negar que estes são realizados por pessoas concretas, sujeitos que se apropriam de sua situação, fazem algo dela, e que portanto, a dimensão subjetiva é também determinante da realidade.

23. Mostrar a potencia entre objetividade e subjetividade, pois é nela que está a cerne da realidade humana, estabelecendo o movimento progressivo-regressivo, que faça aflorar à compreensão os dados constitutivos dessa realidade múltipla, cultural, social, mas sem dúvida, singular, individual.

24. Elucidar o homem como ser-no-mundo através da história de seus "personagens", o fato de que não estamos fechados dentro de nós mesmos, mas que somos objeto do mundo, somos no mundo, com o outros homens.

25. Entendida a personalidade/ subjetividade como uma construção humana, que se dá partir das relações concretas do sujeito com o contexto que o cerca.

 

REFERÊNCIAS

SARTRE, J-P. L’Être et le Néan; essai d’ontologie phénoménologique. Paris: Gallimard, 1943.

SCHNEIDER, Daniela Ribeiro. O método biográfico em Sartre; contribuições do Existencialismo para a Psicologia.  Sítio:  [Capturado em 21 de novembro 2019].

GOBBI, Sérgio Leonardo Gobbi et al. Sartre, Jean-Paul.  In: GOBBI, Sérgio Leonardo Gobbi et al. Vocabulário e noções básica da abordagem centrada na pessoa. São Paulo: Vetor, 2005. p. 136-138.

CERBONE, David R. Fenomenologia. Petrópolis: Vozes, 2012.

ANDRÉ, Maria da Consolação. O ser negro; a construção da subjetividade em afro-brasileiros. Brasília: Estações, 2008.

ERTHAL, Tereza Cristina. Treinamento em psicoterapia vivencial. Petrópolis: Vozes, 1994.

ERTHAL, Tereza Cristina. Terapia vivencial; uma abordagem existencial em psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1990.

SARTRE, J-P. Critique de la Raison Dialectique (précédé de Question de Méthode). Paris: Gallimard, 1960.

SARTRE, Jean Paul. Questão de Método. Tradução: Rita Guedes, Luiz Forte e Bento Prado Jr. In. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1987.

SARTRE, Jean Paul. Crítica da Razão Dialética. Trad. Guilherme João de Freitas Teixeira. Rio de Janeiro RJ: Ed. DP&A editora, 2002.

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NOTA: Este artigo foi escrito em 1999 como uma tarefa acadêmica proposta por uma professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, SP. Em 2020 foi lido outra vez, e sofreu mudanças no texto propriamente, especialmente após leitura de Schneider e André (ver referência). Lendo estas duas autoras, percebi a possibilidade (ousada) de descrever procedimentos, tendo em vista orientandos que se dizem "perdidos"; agora eles vão se encontrar, para depois se autorizam perder novamente, pois "só se perde quem se acha" (mudei o ditado).

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[1] In: Schneider (2007).




quinta-feira, 18 de agosto de 2022

  • ARTE E REALIDADE NAS PESQUISAS FENOMENOLÓGICAS
  • Hiran Pinel, autor
  • A arte, assim como a literatura e a poesia, tem sido utilizada, por nós no Grufei, Grupo de Fenomenologia, Educação (Especial) e Inclusão, do UFES/PPGE, com o finco de produzir pesquisas científicas na área da Educação, especialmente Educação Especial, Pedagogia  Hospitalar, Pedagogia Social, Psicologia Educacional (e Clínica) etc. Temos experiência de uma obra de arte ser o único dispositivo para coletar e a analisar existencialmente o "fenômeno da investigação". (...) Todo esse movimento com o objetivo de descrever compreensivamente o "que é" e o "como é" ser nos seus "modos de ser" de "ser no mundo" da ficção de impacto na realidade. (...) Então, atuamos na indissociacão de  uma (ficção) e outra (realidade). Podemos escrever que a "realidade-e-ficção" se retroalimentam, se interligam em graus e energias potencialmente diferenciadas, ainda que ambas, claramente, se distinguem uma da outra. Devido ao motivo de indissociar é que reconhecemos as características próprias de cada uma, as diferenciações, suas semelhanças, e até igualdades e suas completudes e hibrismos, repetimos. (...) Na pesquisa isso é vivido pelo cientista que sente-pensa-age em um movimento monista de "envolvimento existencial" e "distanciamento reflexivo". (...) A arte ensina a realidade, e a realidade também ensina a arte, uma não vive sem a outra. Ambas se educam, e fazem isso de diversos modos de ensinar-e-aprender, donde destacamos nossos estudos pedagógicos sobre a produção de "práticas educacionais" sempre (co)movidas pelas abordagens fenomenológico-existenciais.

  • [Hiran Pinel, autor; texto já publicado em livro]

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

 [1] Pinel (1998) trabalha os termos espaço e lugar aplicado na Pedagogia Hospitalar onde "o sentido encarnado e quente de lugar se desvela em contrapondo ao frio espaço, ainda que ele (o espaço) seja um total cronometrado, e ele (o lugar)( seja uma porção prenhe da arte do afetar. Parece-nos que tudo dependerá dos significados singulares que cada aluno (e ou aluna) fornece à classe hospitalar. A experiência subjetiva, em interexperiências, pontuam-nos o quão pessoas encarnadas elas são. Os discentes dão ao fenômeno que vivem na carne um sentido de um breve viver de super(ação). Cada estudante apresentam, na maioria das vezes, quadros orgânicos graves, que trazem conseqüências psíquicas. Se o discente consegue mover esse vivido processual pelas mãos de uma professora e ou de um educador, ele poderá entrar em sintonia do ato de aprender (cognição) sempre (co)movido pelo afeto e pela expressão corporal, que implica conflitos e apaziguamentos e conflitos e... O aprender se dá pela paz e pela guerra, pela tristeza e alegria, pelo amor e pelo ódio - sempre algo que move e (co)move. Descrevemos um aprender (e um ensinar) racionalidades, que são movidos pela simbólica "carne do afeto e do corpo", e o ensangüentar compõe esse processo ensinar-aprender, que descrevemos e fazemos sua analítica existencial a partir de nossas pesquisas em Pedagogia Hospitalar. O "afeto-aí" é uma espécie de energia, assim como corpo vivo é também energia - enquanto vivo é. Nas nossas práticas educacionais em ambientes hospitalares podemos perceber e intuir o quão complexo este movimento é, algo que transforma espaço (cronometrado) em lugar de efervescência relacional intersubjetivo (kairós)" (p. 3)


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Este estudante hospitalar pode experienciar algo que possa facilitar o processo inclusivo dele, justo ele, com quadros (graves) de doença que o levou à hospitalização. A gravidade clínica pode, inclusive, mutilá-los física e psicologicamente, um concreto e metafórico "cortar", que de imediato, clama por uma clínica educacional, qual seja, uma clínica não tradicional, mas uma marcada por uma específica escuta empática com o retorno à escolaridade, que por si só, pode significar respirar e viver, todo este processo vivido na relação professor-educador-aluno de modo gradual, pautado pela generosidade, um curvar corporal pelo interesse do que se passa com o outro, impregado pela persistência e perseverança - dois valores atitudinais fundamentais para o profissional da educação especial que aí exerce seu labor. A escola no hospital indica o aluno prosseguindo com sua escolaridade, um ensino-aprendizagem que acontecia na comunidade - "o lá fora" do hospital, agora "aqui dentro" (do hospital). Dentro dessa classe acontece o atendimento educacional (também, ou principalmente o escolar) em ambiente hospitalar. Esses atendimentos, revelados sob forma de práticas educacionais, objeto e fenômeno da Pedagogia, também pode impactar na "prevenção", usando um termo clássico na saúde, das vivências negativas do fracasso acadêmico, assim como da evasão escolar, a não inclusão - dentre outros. . (PINEL, 2021; p. 11).

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Outro aspecto é o que essa classe (hospitalar) traz para a instituição de saúde e para seus profissionais e pacientes como um todo, descrevemos uma espécie do que chamaríamos de "o cá dentro" ("aqui dentro tem do lá fora"). Então, como (...) estamos a descrever que a presença deste espaço educacional costuma provocar uma recordação do "lá fora" (comunidade fora do hospital; a vida cotidiana comum). (...) Descremos também algo advindo na/da criança internada para tratamento da sua saúde: apontamos um "algo" que ela "vivia na comunidade comum" (classe regular inclusiva), talvez provocando-a a perceber o hospital como aquele que também se abre ao mundo "lá fora" (comum do dia-a-dia, do ordinário) que ela conhecia e continua acontecer (...)  o (mundo) "lá fora" trazido para o mundo "cá dentro" do hospital. Essa vivência pode facilitar um possível irromper de um "bem-estar de ser" de estar "ali-dentro" numa dimensão psicológica - e aqui destacamos o afeto, a cognição e a expressão corporal do "ser no mundo". Um estar adentro do hospital, e nele, a classe hospitalar - ainda que a instituição e a escolaridade lhe inspire também sofrimento físico (emocional, cognitivo), mas a comunidade dele está ali dentro esperando-o "como se fosse lá fora". Este lugar chamado escola, especificamente aí, sem dúvida, pode reportá-lo de que "eu demando uma clínica", preciso de cuidados, inclusive da professor para prosseguir com minha vida comum de ser aluno, estudante, discente, educando, orientandos etc. (...) [PINEL, 2021; p. 11].

  "práticas educacionais-Sorge" (PINEL, 2019; p. 1):

O cuidado-Sorge, de cura pelo cuidado, acaba tornando mais um tema que é ensinado na classe hospitalar - de um modo ou de outro, querendo ou não. O mestre vivencia algo do eu ser escuta(dor), isto se considerarmos um vivenciar prenhe de (pré)sença (da morte) no currículo, entre o oficial e o não oficial, pois, o estar-ali dela é forte. Neste processo sentido achamos que o educa(dor)/professora precisa de uma formação continuada, uma também pautada pela escuta empática dela, do seu sofrer com o outro, compreendendo o motivo do "seu" currículo ser (e estar) além do prescrito pela cultura e legitimado pelo Estado - isso exige consciência advinda da intencionalidade pedagógica em planejar, executar e avaliar com os alunos o tema da morte e do morrer. Ao "ganhar" alta, por exemplo, e se "ganhar", a criança poderá voltar, talvez, a frequentar a sua escola regular, "o lá fora" que lhe traz a escola comum - o que chamamos "modos de ser" do "ser no mundo" comum e ordinário. Neste contexto de experiências de ser estudante, "o lá fora" se imbrica com "o aqui dentro", evocando o que isto tem de positivo, negativo e ou ambos aspectos, pois quando a morte simbólica ou concreta aparece, a vida parece pedir humildemente: " - Salva-me!" Inclusive um misterioso real: "Aalva-me de mim?" (...) (PINEL, 2021; p. 11/12).

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O uso do termo alemão Sorge é utilizado de Heidegger, que ganha conotação de termo científico. Procuramos, a bem da verdade sentida, atuar em um processo, fazendo uma possível e delicada (e rigorosa) transposição da Filosofia (heideggeriana) para a Pedagogia que tem como objeto de pesquisa e intervenção as "práticas educacionais". Do latim Sorge é advindo de dois termos: "cura" e "sollicitudo". Cura, no original. Cura em latim não tinha só o sentido contemporâneo de "salvar", de "curar", pois foi sendo utilizado pelos cientistas da esfera biomédica, tornado-se um "definitivo e sólido": "está curado", pode voltar para a casa. Porém, no latim, a palavra "cura" provém de "quaero" que significa "procurar", que dá o sentido da pessoa ter "empenho" com alguma coisa vivida, ter a disposição para fazer algo: "(pró)curar, ou seja, ser defensor ou a favor deste ato intencional de cuidar, aqui-agora no sentido específico de prática educacional prenhe do ajudar, cuidar, curar no sentido de preocupar pelos cuidados de ser humano - do ser-aí (Dasein)" (PINEL, 2019; p. 1). 

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Pinel (2021), então, dentre outros, destaca o escolar e o não escolar que acontece na classe hospitalar pela via dos atendimentos educacionais em ambientes hospitalares, e as benesses para a aprendizagem e desenvolvimento do educando.

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Entre o "lá fora" (escola da comunidade) e o "aqui dentro" (classe hospitalar), é-nos fácil perceber o fenômeno que tece uma forma especial de atendimento pedagógico-educacional [*em ambiente hospitalar - texto acrescentado em 2021] cuja tessitura se mostra através de práticas educacionais que consideram os limites de todos e de todas nomeados como "ser no mundo" sempre diante do outro, dos outros e um mundo de coisas objetais. Esse "como é" fenomenológico, pode ser descrito como um movimento pedagógico que passa a considerar um planejamento escolar (ou não) especialmente criado pelo professor e ou educador visando estes sujeitos do ensino-apredizagem. As práticas educacionais levam em conta estas problemáticas dos alunos e das alunas, dentro de um determinado contexto social e cultural - e histórico, e que indica sua (pré)sença no próprio espaço-tempo de uma instituição de saúde (PINEL, 2017; p.7).

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Uma poesia advinda do "concreto vivido" pela professora da/ na classe hospitalar, no seu cotidiano educacional, é a de que a morte é uma mestra que nos ensina. Essa mestra cria um processo ensino-aprendizagem do viver tão bem quanto possível, tão alegre, tão energético, tão resiliente etc. Ela também nos ensina o tão resistente podemos lutar para ser, nos opondo a tudo de concreto e simbólico que se opõe à vida e o viver, ao respirar livre e solto, seja numa dimensão individual ("minha" saúde), grupal, institucional, nacional. Tão tanta coisa boa há aí nestes "experienciares", ainda que haja sempre o outro lado finito, o mais doloroso, e por ser também um real, nunca deve (ou deveria) ser negado na escola e especialmente na classe hospitalar. O tema o tema da morte demanda uma "clínica pedagógica da escuta empática" que pode ser praticada pela vivência com um modo didático-educacional "implícito-sutil-cuidadoso-delicado-empático". A morte não deve ser desaparecida da ou em cena, pois ela compõe a vida, e é a vida que devemos sempre desejar, é a vida que compõe a sala de aula que é a classe hospitalar, a alegria transita aí e de modo potente, mas, a morte (concreta e simbólica) adentra a classe hospitalar, e ela poderia ser vivida como um alerta para que vivamos densa, tensa e intensamente. Ora, o próprio nome "classe hospitalar" nos leva ao hospital e ao sentido de uma "outra clínica" - a pedagógica. A classe hospitalar, ainda mais ela, é um lugar de onde uma (morte) pode chegar podendo cessar a outra (vida). A clínica mesma aparece, quer dizer, seu aparecimento de dá quando a professora desta classe a pratica pelo escutar empaticamente quem sofre. Nesse sentido, a professora da classe hospitalar não pode negar a clínica. Então, podemos destacar, enquanto profissionais que trabalham com Pedagogia Hospitalar, que como na vida, estamos jogados no mundo sem nossa anuência, e nosso papel é responsabilizarmos por isso, pela vida, deixando penetrar em nós as experiências positivas, bem como as negativas inevitáveis, e o inevitável pode ser um quadro clínico grave ou gravíssimo, que a ciência propõe paliativos e cuidados, mas nem sempre o que pensamos ser a cura. É o que temos para hoje no espaço e no tempo hospitalar escolar onde a vida aparece potente e poderosa, mas há a clínica, vamos dizer uma Pedagogia clínica, uma prática educacional-Sorge que cuidadosamente não a nega, e não negar a morte não é morrer, mas (pró)curar viver (PINEL, 2017; p. 1).

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, em Ferreira, Pinel e Bravin (2021) já encontramos:

(...) buscamos mostrar como a fenomenologia nasce na filosofia como novo olhar sobre o mundo vivencial do sujeito, rompendo com a tradição positivista e objetivista que distanciava sujeito e objeto; apresentamos a maneira própria da psicologia, no uso da fenomenologia, como forma de descrever o sujeito em sua relação com esse mundo, ao propor uma redução fenomenológica compreensiva; ao apontar para uma fenomenologia da educação à brasileira (p. 787) buscou trazer um debate ainda em aberto para a pesquisa fenomenológica da educação. Entendemos que seja preciso desenvolver e ampliar os pontos aqui apresentados. A pesquisa fenomenológica foi sendo estendida e entendida sob diferentes formas ao longo de um espaço pequeno de tempo e deixa em aberto um vasto campo de investigação que perpassa suas origens, suas diferentes aplicações e maneiras próprias de se fazer em diferentes esperas epistemológicas (p. 788).

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O uso do método fenomenológico de pesquisa, bem como dos filósofos desta seara por pedagogo e educadores, tem sido alvo de discussões, bem como do nosso exercício em criar sendas feitas quando procuramos o sentido e o significado dessas tentativas. Os cientistas da Pedagogia e da Educação procuram fazer isso - usar a Fenomenologia na Pedagogia, mas isso impõe ao nosso "ser cientista" refletindo nos "modos de ser" humildes não-submissos, reconhecendo nossa fragilidade em "aplicar", de modo total, a Filosofia nesse outro campo (o da Pedagogia e da Educação). Não se trata de simplesmente trazer a Filosofia, em sua plenitude, para a Pedagogia, se trata sim de se encantar com aquela  (Filosofia), para criar esta (Pedagogia). Mas, o que é esse sentimento não-submisso? É reconhecer nossas dificuldades cognitivas e afetivas e ao mesmo tempo nossa criatividade de invenções, em fazer esse caminhar homeostático de trazer um para outro. (...) o contexto desta nossas dificuldades, como estando descrevendo, nos aponta ao mesmo tempo, ter a consciência de que iremos criar algo ligado à origem, mas que será outra coisa, outro fenômeno - ainda que veremos a Filosofia na Pedagogia. Mas, é outra coisa da mesma (coisa). Trata-se de toda uma invenção complexa, potente e criadora, de uma Pedagogia Fenomenológica, Fenomenológico-Existencial e ou Humano-Existencialista              (p. 17).

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Reforçamos aqui-agora a ideia de que precisamos identificar que há uma travessia de um saber que partiu do seu lugar de origem, a do conhecimento (Filosofia) para um outro espaço que é o da Pedagogia, uma ciência híbrida interessada em criar práticas educacionais que favoreçam positivamente o ensino-aprendizagem de conteúdos oficiais escolares e não escolares, e no nosso caso, para a Pedagogia Hospitalar [*como parte dos Atendimento Educacionais em Ambientes Hospitalares e Domiciliares - texto acrescentado em 2021]. Essa passagem de um estado filosófico para um (estado) pedagógico traz um certo brilho revelando o modo esclarecido uma complexodade, que indica um envolver comprometido do cientista com esta experiência de criar atravessamentos nestes dois lugares de sentido. (...) [Descrevemos um pesquisador fenomenológico na Pedagogia] que assume que é possível sentir-pensar-agir a Filosofia, reconhecendo-a como um saber que "apenas inspirará" nossa produção científico-pedagógica, e não ocorrerá a replicação literal (ou "ipsis litteris") de um saber filosófico para o campo pedagógico e das práticas educacionais. Mas, como se diz, nada impede que exista um esforço de aplicar a "totalidade" da Filosofia na Pedagogia, ainda que se reconheça ser uma tarefa árdua e sutil, ou mesmo algo impossível, mas essa preocupação do pesquisador pode traduzir o compromisso tanto com um e outro saber, fazer e sentir, uma luta pelo rigor científico, ou uma aproximação a este rigor revelado pelas descrições compreensivas (PINEL, 2010; p. 11). 

 

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 "A professora que atua com o currículo não-escolar, nos atendimentos educacionais em ambientes hospitalares, ela demanda esperar pelos conteúdos a serem iluminados pelo outro que da sua exasperada doença tem mais força e fonte pra dizer que veio na dor. Trata-se assim do surgir a Pedagogia da Espera no/do ser-com. Tal experiencar faz a mestra inventar uma árdua e sútil  Pedagogia, focada na espera cuidadosa do outro que traz consigo conhecimentos que demandam ser trabalhados. E é isso que compõe a prática educacional revelada por ela, nos espaços (e lugares) hospitalares, onde tudo se espera: a vida se espera prosseguir, e a morte se espera chegar, algo de todo ser humano em todo lugar, mas que nas instituições clínicas se mostram como um retrato que esclarece uma realidade vivida, tudo é muito frágil, no mundo tudo passa" (PINEL, 1998; atualizado em 2021; p. 4)


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AO CITAR FAVOR REFERENDAR... SEMPRE...