quinta-feira, 11 de agosto de 2022

 [1] Pinel (1998) trabalha os termos espaço e lugar aplicado na Pedagogia Hospitalar onde "o sentido encarnado e quente de lugar se desvela em contrapondo ao frio espaço, ainda que ele (o espaço) seja um total cronometrado, e ele (o lugar)( seja uma porção prenhe da arte do afetar. Parece-nos que tudo dependerá dos significados singulares que cada aluno (e ou aluna) fornece à classe hospitalar. A experiência subjetiva, em interexperiências, pontuam-nos o quão pessoas encarnadas elas são. Os discentes dão ao fenômeno que vivem na carne um sentido de um breve viver de super(ação). Cada estudante apresentam, na maioria das vezes, quadros orgânicos graves, que trazem conseqüências psíquicas. Se o discente consegue mover esse vivido processual pelas mãos de uma professora e ou de um educador, ele poderá entrar em sintonia do ato de aprender (cognição) sempre (co)movido pelo afeto e pela expressão corporal, que implica conflitos e apaziguamentos e conflitos e... O aprender se dá pela paz e pela guerra, pela tristeza e alegria, pelo amor e pelo ódio - sempre algo que move e (co)move. Descrevemos um aprender (e um ensinar) racionalidades, que são movidos pela simbólica "carne do afeto e do corpo", e o ensangüentar compõe esse processo ensinar-aprender, que descrevemos e fazemos sua analítica existencial a partir de nossas pesquisas em Pedagogia Hospitalar. O "afeto-aí" é uma espécie de energia, assim como corpo vivo é também energia - enquanto vivo é. Nas nossas práticas educacionais em ambientes hospitalares podemos perceber e intuir o quão complexo este movimento é, algo que transforma espaço (cronometrado) em lugar de efervescência relacional intersubjetivo (kairós)" (p. 3)


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Este estudante hospitalar pode experienciar algo que possa facilitar o processo inclusivo dele, justo ele, com quadros (graves) de doença que o levou à hospitalização. A gravidade clínica pode, inclusive, mutilá-los física e psicologicamente, um concreto e metafórico "cortar", que de imediato, clama por uma clínica educacional, qual seja, uma clínica não tradicional, mas uma marcada por uma específica escuta empática com o retorno à escolaridade, que por si só, pode significar respirar e viver, todo este processo vivido na relação professor-educador-aluno de modo gradual, pautado pela generosidade, um curvar corporal pelo interesse do que se passa com o outro, impregado pela persistência e perseverança - dois valores atitudinais fundamentais para o profissional da educação especial que aí exerce seu labor. A escola no hospital indica o aluno prosseguindo com sua escolaridade, um ensino-aprendizagem que acontecia na comunidade - "o lá fora" do hospital, agora "aqui dentro" (do hospital). Dentro dessa classe acontece o atendimento educacional (também, ou principalmente o escolar) em ambiente hospitalar. Esses atendimentos, revelados sob forma de práticas educacionais, objeto e fenômeno da Pedagogia, também pode impactar na "prevenção", usando um termo clássico na saúde, das vivências negativas do fracasso acadêmico, assim como da evasão escolar, a não inclusão - dentre outros. . (PINEL, 2021; p. 11).

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Outro aspecto é o que essa classe (hospitalar) traz para a instituição de saúde e para seus profissionais e pacientes como um todo, descrevemos uma espécie do que chamaríamos de "o cá dentro" ("aqui dentro tem do lá fora"). Então, como (...) estamos a descrever que a presença deste espaço educacional costuma provocar uma recordação do "lá fora" (comunidade fora do hospital; a vida cotidiana comum). (...) Descremos também algo advindo na/da criança internada para tratamento da sua saúde: apontamos um "algo" que ela "vivia na comunidade comum" (classe regular inclusiva), talvez provocando-a a perceber o hospital como aquele que também se abre ao mundo "lá fora" (comum do dia-a-dia, do ordinário) que ela conhecia e continua acontecer (...)  o (mundo) "lá fora" trazido para o mundo "cá dentro" do hospital. Essa vivência pode facilitar um possível irromper de um "bem-estar de ser" de estar "ali-dentro" numa dimensão psicológica - e aqui destacamos o afeto, a cognição e a expressão corporal do "ser no mundo". Um estar adentro do hospital, e nele, a classe hospitalar - ainda que a instituição e a escolaridade lhe inspire também sofrimento físico (emocional, cognitivo), mas a comunidade dele está ali dentro esperando-o "como se fosse lá fora". Este lugar chamado escola, especificamente aí, sem dúvida, pode reportá-lo de que "eu demando uma clínica", preciso de cuidados, inclusive da professor para prosseguir com minha vida comum de ser aluno, estudante, discente, educando, orientandos etc. (...) [PINEL, 2021; p. 11].

  "práticas educacionais-Sorge" (PINEL, 2019; p. 1):

O cuidado-Sorge, de cura pelo cuidado, acaba tornando mais um tema que é ensinado na classe hospitalar - de um modo ou de outro, querendo ou não. O mestre vivencia algo do eu ser escuta(dor), isto se considerarmos um vivenciar prenhe de (pré)sença (da morte) no currículo, entre o oficial e o não oficial, pois, o estar-ali dela é forte. Neste processo sentido achamos que o educa(dor)/professora precisa de uma formação continuada, uma também pautada pela escuta empática dela, do seu sofrer com o outro, compreendendo o motivo do "seu" currículo ser (e estar) além do prescrito pela cultura e legitimado pelo Estado - isso exige consciência advinda da intencionalidade pedagógica em planejar, executar e avaliar com os alunos o tema da morte e do morrer. Ao "ganhar" alta, por exemplo, e se "ganhar", a criança poderá voltar, talvez, a frequentar a sua escola regular, "o lá fora" que lhe traz a escola comum - o que chamamos "modos de ser" do "ser no mundo" comum e ordinário. Neste contexto de experiências de ser estudante, "o lá fora" se imbrica com "o aqui dentro", evocando o que isto tem de positivo, negativo e ou ambos aspectos, pois quando a morte simbólica ou concreta aparece, a vida parece pedir humildemente: " - Salva-me!" Inclusive um misterioso real: "Aalva-me de mim?" (...) (PINEL, 2021; p. 11/12).

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O uso do termo alemão Sorge é utilizado de Heidegger, que ganha conotação de termo científico. Procuramos, a bem da verdade sentida, atuar em um processo, fazendo uma possível e delicada (e rigorosa) transposição da Filosofia (heideggeriana) para a Pedagogia que tem como objeto de pesquisa e intervenção as "práticas educacionais". Do latim Sorge é advindo de dois termos: "cura" e "sollicitudo". Cura, no original. Cura em latim não tinha só o sentido contemporâneo de "salvar", de "curar", pois foi sendo utilizado pelos cientistas da esfera biomédica, tornado-se um "definitivo e sólido": "está curado", pode voltar para a casa. Porém, no latim, a palavra "cura" provém de "quaero" que significa "procurar", que dá o sentido da pessoa ter "empenho" com alguma coisa vivida, ter a disposição para fazer algo: "(pró)curar, ou seja, ser defensor ou a favor deste ato intencional de cuidar, aqui-agora no sentido específico de prática educacional prenhe do ajudar, cuidar, curar no sentido de preocupar pelos cuidados de ser humano - do ser-aí (Dasein)" (PINEL, 2019; p. 1). 

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Pinel (2021), então, dentre outros, destaca o escolar e o não escolar que acontece na classe hospitalar pela via dos atendimentos educacionais em ambientes hospitalares, e as benesses para a aprendizagem e desenvolvimento do educando.

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Entre o "lá fora" (escola da comunidade) e o "aqui dentro" (classe hospitalar), é-nos fácil perceber o fenômeno que tece uma forma especial de atendimento pedagógico-educacional [*em ambiente hospitalar - texto acrescentado em 2021] cuja tessitura se mostra através de práticas educacionais que consideram os limites de todos e de todas nomeados como "ser no mundo" sempre diante do outro, dos outros e um mundo de coisas objetais. Esse "como é" fenomenológico, pode ser descrito como um movimento pedagógico que passa a considerar um planejamento escolar (ou não) especialmente criado pelo professor e ou educador visando estes sujeitos do ensino-apredizagem. As práticas educacionais levam em conta estas problemáticas dos alunos e das alunas, dentro de um determinado contexto social e cultural - e histórico, e que indica sua (pré)sença no próprio espaço-tempo de uma instituição de saúde (PINEL, 2017; p.7).

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Uma poesia advinda do "concreto vivido" pela professora da/ na classe hospitalar, no seu cotidiano educacional, é a de que a morte é uma mestra que nos ensina. Essa mestra cria um processo ensino-aprendizagem do viver tão bem quanto possível, tão alegre, tão energético, tão resiliente etc. Ela também nos ensina o tão resistente podemos lutar para ser, nos opondo a tudo de concreto e simbólico que se opõe à vida e o viver, ao respirar livre e solto, seja numa dimensão individual ("minha" saúde), grupal, institucional, nacional. Tão tanta coisa boa há aí nestes "experienciares", ainda que haja sempre o outro lado finito, o mais doloroso, e por ser também um real, nunca deve (ou deveria) ser negado na escola e especialmente na classe hospitalar. O tema o tema da morte demanda uma "clínica pedagógica da escuta empática" que pode ser praticada pela vivência com um modo didático-educacional "implícito-sutil-cuidadoso-delicado-empático". A morte não deve ser desaparecida da ou em cena, pois ela compõe a vida, e é a vida que devemos sempre desejar, é a vida que compõe a sala de aula que é a classe hospitalar, a alegria transita aí e de modo potente, mas, a morte (concreta e simbólica) adentra a classe hospitalar, e ela poderia ser vivida como um alerta para que vivamos densa, tensa e intensamente. Ora, o próprio nome "classe hospitalar" nos leva ao hospital e ao sentido de uma "outra clínica" - a pedagógica. A classe hospitalar, ainda mais ela, é um lugar de onde uma (morte) pode chegar podendo cessar a outra (vida). A clínica mesma aparece, quer dizer, seu aparecimento de dá quando a professora desta classe a pratica pelo escutar empaticamente quem sofre. Nesse sentido, a professora da classe hospitalar não pode negar a clínica. Então, podemos destacar, enquanto profissionais que trabalham com Pedagogia Hospitalar, que como na vida, estamos jogados no mundo sem nossa anuência, e nosso papel é responsabilizarmos por isso, pela vida, deixando penetrar em nós as experiências positivas, bem como as negativas inevitáveis, e o inevitável pode ser um quadro clínico grave ou gravíssimo, que a ciência propõe paliativos e cuidados, mas nem sempre o que pensamos ser a cura. É o que temos para hoje no espaço e no tempo hospitalar escolar onde a vida aparece potente e poderosa, mas há a clínica, vamos dizer uma Pedagogia clínica, uma prática educacional-Sorge que cuidadosamente não a nega, e não negar a morte não é morrer, mas (pró)curar viver (PINEL, 2017; p. 1).

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, em Ferreira, Pinel e Bravin (2021) já encontramos:

(...) buscamos mostrar como a fenomenologia nasce na filosofia como novo olhar sobre o mundo vivencial do sujeito, rompendo com a tradição positivista e objetivista que distanciava sujeito e objeto; apresentamos a maneira própria da psicologia, no uso da fenomenologia, como forma de descrever o sujeito em sua relação com esse mundo, ao propor uma redução fenomenológica compreensiva; ao apontar para uma fenomenologia da educação à brasileira (p. 787) buscou trazer um debate ainda em aberto para a pesquisa fenomenológica da educação. Entendemos que seja preciso desenvolver e ampliar os pontos aqui apresentados. A pesquisa fenomenológica foi sendo estendida e entendida sob diferentes formas ao longo de um espaço pequeno de tempo e deixa em aberto um vasto campo de investigação que perpassa suas origens, suas diferentes aplicações e maneiras próprias de se fazer em diferentes esperas epistemológicas (p. 788).

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O uso do método fenomenológico de pesquisa, bem como dos filósofos desta seara por pedagogo e educadores, tem sido alvo de discussões, bem como do nosso exercício em criar sendas feitas quando procuramos o sentido e o significado dessas tentativas. Os cientistas da Pedagogia e da Educação procuram fazer isso - usar a Fenomenologia na Pedagogia, mas isso impõe ao nosso "ser cientista" refletindo nos "modos de ser" humildes não-submissos, reconhecendo nossa fragilidade em "aplicar", de modo total, a Filosofia nesse outro campo (o da Pedagogia e da Educação). Não se trata de simplesmente trazer a Filosofia, em sua plenitude, para a Pedagogia, se trata sim de se encantar com aquela  (Filosofia), para criar esta (Pedagogia). Mas, o que é esse sentimento não-submisso? É reconhecer nossas dificuldades cognitivas e afetivas e ao mesmo tempo nossa criatividade de invenções, em fazer esse caminhar homeostático de trazer um para outro. (...) o contexto desta nossas dificuldades, como estando descrevendo, nos aponta ao mesmo tempo, ter a consciência de que iremos criar algo ligado à origem, mas que será outra coisa, outro fenômeno - ainda que veremos a Filosofia na Pedagogia. Mas, é outra coisa da mesma (coisa). Trata-se de toda uma invenção complexa, potente e criadora, de uma Pedagogia Fenomenológica, Fenomenológico-Existencial e ou Humano-Existencialista              (p. 17).

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Reforçamos aqui-agora a ideia de que precisamos identificar que há uma travessia de um saber que partiu do seu lugar de origem, a do conhecimento (Filosofia) para um outro espaço que é o da Pedagogia, uma ciência híbrida interessada em criar práticas educacionais que favoreçam positivamente o ensino-aprendizagem de conteúdos oficiais escolares e não escolares, e no nosso caso, para a Pedagogia Hospitalar [*como parte dos Atendimento Educacionais em Ambientes Hospitalares e Domiciliares - texto acrescentado em 2021]. Essa passagem de um estado filosófico para um (estado) pedagógico traz um certo brilho revelando o modo esclarecido uma complexodade, que indica um envolver comprometido do cientista com esta experiência de criar atravessamentos nestes dois lugares de sentido. (...) [Descrevemos um pesquisador fenomenológico na Pedagogia] que assume que é possível sentir-pensar-agir a Filosofia, reconhecendo-a como um saber que "apenas inspirará" nossa produção científico-pedagógica, e não ocorrerá a replicação literal (ou "ipsis litteris") de um saber filosófico para o campo pedagógico e das práticas educacionais. Mas, como se diz, nada impede que exista um esforço de aplicar a "totalidade" da Filosofia na Pedagogia, ainda que se reconheça ser uma tarefa árdua e sutil, ou mesmo algo impossível, mas essa preocupação do pesquisador pode traduzir o compromisso tanto com um e outro saber, fazer e sentir, uma luta pelo rigor científico, ou uma aproximação a este rigor revelado pelas descrições compreensivas (PINEL, 2010; p. 11). 

 

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 "A professora que atua com o currículo não-escolar, nos atendimentos educacionais em ambientes hospitalares, ela demanda esperar pelos conteúdos a serem iluminados pelo outro que da sua exasperada doença tem mais força e fonte pra dizer que veio na dor. Trata-se assim do surgir a Pedagogia da Espera no/do ser-com. Tal experiencar faz a mestra inventar uma árdua e sútil  Pedagogia, focada na espera cuidadosa do outro que traz consigo conhecimentos que demandam ser trabalhados. E é isso que compõe a prática educacional revelada por ela, nos espaços (e lugares) hospitalares, onde tudo se espera: a vida se espera prosseguir, e a morte se espera chegar, algo de todo ser humano em todo lugar, mas que nas instituições clínicas se mostram como um retrato que esclarece uma realidade vivida, tudo é muito frágil, no mundo tudo passa" (PINEL, 1998; atualizado em 2021; p. 4)


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