UM: PAPER 1
A pesquisa fenomenológica do "eu lírico" e "eu do autor real"
O título desse paper científico, refere-se à voz que se manifesta em um poema, expressando sentimentos, emoções e pensamentos - expressões corporais do ser-no-mundo, quando envolve o ser humano como protagonista-personagem, e não necessariamente correspondendo à identidade do autor, mas considerando esse "eu autor", o real do escritor.
Se, nós do Grufei* (Ufes.PPGE) formos usar o método fenomenológico, e sempre o associo com Forghieri (2001), os instrumentos de coleta de dados, que será ora o texto literário ou o artístico, ou poético, TEM que ter tema da Educação Especial numa perspectiva inclusivista na sua relação com a Saúde e Pedagogia Hospitalar, especialmente o sujeito dela - o da Educação Especial, e as provocações que fazemos incluindo sujeitos com quadro graves de saúde, como câncer (grave), pessoa que faz diálise (ou peritoneal ou hemodiálise) etc. Conheço poucas dessas ferramentas ou dispositivos provocadores de nossa descrição e análise fenomenológico-existencial do "ser lírico".
A fenomenologia, nesse contexto, busca compreender como essa voz lírica vivencia o mundo e como sua experiência se relaciona com a realidade, explorando as relações entre o sujeito e o objeto em sua expressão poética.
Como trabalharemos com o real do autor (do nosso instrumento de pesquisa), esse estudo tem muito com os métodos biográfico, psicanalítico existencial e progressivo-regressivo de Sartre, que pode sim acoplar-se, e ou a proposta da professora e psicóloga Yolanda Cintrão Forghieri.
Essa autora, acima citada, propõe em seu livro "Psicologia Fenomenológica" (de Forghieri), um projeto donde o pesquisador se propõe autorizar-se em um movimento de "envolvimento existencial" com a ferramenta da pesquisa (uma poesia, por exemplo), e ao mesmo tempo de um "distanciamento reflexivo" descrevendo o significado e ou sentido do vivido pelo personagem ("eu poiético") e pelo poeta ("eu do autor" ou "eu real").
Essa descrição do significado acaba apontando a "experiência vivida" tanto de um ("eu lírico"), quanto do outro (real poeta). Por sinal, a "experiência vivida", algo da subjetividade na objetividade do mundo, segundo o pedagogo Max Van Manen, é o objeto (fenômeno) de pesquisa (e prática) fenomenológica.
Como sempre comentamos, o método fenomenológico, se bem aplicado e com real motivação e desejo de ser existencialista do investigador científico, é ao mesmo tempo pesquisa e também intervenção, portando uma prática educacional. Mas, porque isso ocorre? Ora, como diz Roberth Carkhuff e Miranda e Miranda (1983) ninguém sai intacto de uma relação humana, seja pra mais, seja pra menos, e a sociedade tem papel nesse processo de ser algo positivo e negativo.
Uma relação interhumana (e intersubjetiva) pra mais (de qualidade), e no caso, advinda de um profissional ético e estudioso, e que se "envolve existencialmente com esse outro", termina por criar, produzir e ou inventar um clima, um estilo e um espírito psicológico e cultural de "educação afetiva fenomenológico-existencial do ser-no-mundo". Essa prática pedagógica pode ter no afeto uma simbólica energia (co)movedora do cognitivo e do corporal do ser-no-mundo, produzindo travessias, ainda que de curta duração, mas o suficiente para provocar, sonhar, criar projetos de ser não refletido, e mesmo projetos conscientes de vida.
Mas, essa afirmativa do método fenomenológico ser de pesquisa e ação educacional são o mesmo, nem sempre é aceita, justo para marca o espaço (no tempo) da pesquisa e da prática educacional fenomenológico-existencial. Principalmente para o cientista iniciante, ele corre o risco de não fazer nenhuma coisa, e nem outra. Entretanto, isso não impede de se aceite algo tão claro: estamos acostumados em não sermos escutados empaticamente, que quando o somos, por um outro qualificado, toda uma percepção do fenômeno ganha mais cores vivas e potentes de vida, de reflexão para evocar possibilidades de mudanças, caso esse seja o desejo do "outro-pesquisado" (sujeito da pesquisa), e ao mesmo tempo de "si-pesquisador" (o cientista).
Em outras palavras, a fenomenologia, ao analisar um poema, não se preocupa apenas com o significado literal das palavras, mas com a experiência subjetiva por trás delas, como o "eu" do poema vivencia o mundo e como essa vivência se manifesta na linguagem.
Diferenças entre o "eu lírico" e o "eu do autor":
- Eu lírico: É a voz que fala no poema, um recurso literário que pode ou não refletir a personalidade do autor.
- Eu do autor: É a pessoa real, o escritor, que cria o poema.
A análise fenomenológica da poesia busca compreender a experiência do "eu lírico" em relação ao mundo, explorando como a disposição anímica do sujeito se manifesta na criação poética e como essa experiência se relaciona com a linguagem e a construção do poema.
A pergunta do pesquisador fenomenológico do "eu lírico" pode ser, de modo clássico: O "que é", "como é" o significado vivido do "eu lírico" e o "eu do autor"? No caso, o cientista descreve e compreender (analisa ou interpreta) e descreve o autor, também analisando-o algo do real, disponível ao pesquisador ou investigador científico.
Exemplo em Educação Especial numa perspectiva inclusiva
Vamos esboçar uma ação nesse tipo de pesquisa sugerindo a descrição e nesse caso, o pesquisador deve colocar na pesquisa o texto inteiro, se assim for; ou trechos, trabalhando só com partes. Depois de descrever, analisar fenomenológico-existencial o personagem, e depois associar com o autor real (concreto): o texto representa o autor ou não? O que é isso? Como é? Qual o significado vivido por ambos, personagens e autor real? - dentre outras questões.
Vamos pegar um dos nossos temas na tocante "Carta da Corcunda para o Serralheiro" é um texto pungente, cheia de autocompaixão, baixa estima por si, mas com uma vontade alegre e prazerosa da sensualidade romântica e sexual. Um texto onde podemos perceber uma elegância que nos toca pela impossibilidade, pois é um desvelar sincero da personagem protagonista.
Bem, vejam que complexo essa pesquisa, o texto nos fala de uma jovem deficiente e suas agruras e desejos de ser amada sensual e sexualmente (inclusive, romanticamente). O texto é de uma autora portuguesa chamada Maria José, mas esse é um nome que o poeta (famoso) Fernando Pessoa criou para si, o único feminino, pois outros inventados por ele são masculinos.
A alma de Pessoa na pessoa feminina, carente de sexo e paixão, mas com uma vergonha imensa do corpo, um corpo "aleijado" que a sociedade tem piedade, compaixão. Ao mesmo tempo, Pessoa aponta a falta que fazia, na época, a presença feminina como escrito ficcional.
Mas, a personagem deseja ser "com+paixão".
A protagonista Maria José também pode ser inserida na nossa seara da Pedagogia Hospitalar, pois é tuberculosa, em um tempo sem tratamento e cura, com um sofrimento final intenso com vômitos de sangue, por exemplo. Para se ter uma ideia, podemos citar um autor que gostamos, que morreu assim: Vigotski, psicólogo educacional escolar.
A essência do texto poético-literário percebemos: "(...) eu tenho direito de gostar mesmo que não gostem de mim"
Em um poema que fala sobre a falha na estima de si, de um ser-no-mundo Maria José, um único heterônimo feminino de um homem, o renomado modernista Fernando Pessoa. Maria José é um ter piedade de si, mas um um mundo concreto das exclusões de humanos que ousam fugir a uma estética mas média, oficial, comum, moda.
Maria José, no tentando, tem outro "eu lírico" pautado pela assunção de um corpo que clama por sexo: clamor por sexo carnal, mas também sensualidade e romance. Ela expressar uma estima baixa por si, permeada por uma tristeza infinda, trazendo à lume sua forma lírica de ser densa, tensa e intensa.
Maria José vai além dessas vivências, ela é a própria dramaticidade dela ser (no mundo) que nos provoca a nos interrogar de diversos e "múltiplos modos existenciais": Há hoje em dia alguém como Maria José? Eu sou amado? Na minha idade e na decrepitude do corpo tenho desejos sexuais por alguém, e esse alguém me sacia ou me rejeita pela feiura que sou? Será que eu tratando bem esse alguém, protegendo-o e até pagando como um puto, esse alguém me deliciaria com sexo, puramente isso, sexo? - dentre outras perguntas.
Nem que se proponha um sexo mais leve possível, o outro não deseja... O "eu poético", entregue a desesperança, desvela uma Maria José que pode ser "meu eu", "nosso eu" - um desejo nunca saciado na juventude pela autoestima baixa de um corpo deplorável, mas que hoje percebido tê-lo sido belo, sem nenhum "defeito" (?) explícito como da "coitada" (?) da Maria José - coitado de mim.
O que o "eu poético" dessa deusa de linda carta de amor sexual nos ensina, é que todos temos o direito de amar uma pessoa, ainda que elas não nos ame, e mais ainda: amar uma pessoa que nem sabe desse nosso amor, e nem nos conhece, pois o vemos e sentimos apenas pela "janela lateral do quarto de dormir", cantava Milton Nascimento. Maria José é amor unilateral, pois nem desprezá-la o senhor António o faz, ao contrário, pois um dia a olha na janela, como Carolina na janela, parafraseando Chico Buarque.
No caso, para prosseguir precisaria de conhecer a biografia "real" (ele é um e muitos) de Fernando Pessoa. O que eu sei, de modo vulgar, é que ele era homossexual, mas dando apenas uma consulta em sites sérios, verificamos que isso não tem prova real (científica positivista), mas que sem dúvida podemos inferir, ou seja, um caminhar "indo por dentro", (in) acerca do poeta e de obra de arte literária.
O "inferir" acontece com nossas análises, que entretanto pode pontuar o "eu real do poeta" - no caso, explicitamente alguns "eus líricos" na "misturança híbrida" com o real Pessoa, e esse fato é muito chuva criadeira.
Ao, mesmo tempo, já que dados reais de "Pessoa na pessoa" (Caetano Veloso) não temos, na nossa paixão pelo escritor e poeta, podemos criar a partir desse ego real do autor, com os outros "eus líricos".
Esses "eus" (poético e real) se lidos podem nos (pró)(é)vocar a refletir sobre o existir de nossos corpos, todos eles feitos para o prazer: e porque ele não é saciado pelo outro? Por que só nós mesmos podemos saciá-lo no onamismo? O que estamos fazendo com o que fizeram com o nosso "corpo-mente-alma afecta-espírito?
A análise fenomenológica buscaria descrever e compreender como essa autopiedade e essa vida vívida de um corpo que corre sangue nas veias, um corpo-encarnado-vida: "(...) eu tenho direito de gostar mesmo que não gostem de mim".
É vivenciado pelo "eu lírico" e como ele se manifesta em sua relação com o mundo. Maria José, que é também Fernando Pessoa, como é um e outra, se desvela através da linguagem e das imagens de um corpo prenhe de desejos pelo outro, então um belo corpo, mas não assim apreendido por ela.
Maria José precisava, quem sabe, fazer escolhas a favor dela, ainda que a repressão social e cultural daquele Portugal histórico, não fosse uma flor cheirosa para os oprimidos, marginalizada, pessoas com deficiência, clamando por inclusão.
*Grufei - Grupo de Fenomenologia, Educação (Especial) e Inclusão, coordenado pelo professor titular Hiran Pinel.
.
.
Hiran Pinel, autor (2024), ampliado em 2025, e assim postado nesse blogspot, Em citando favor referendar.
Como é um paper, estou dando um tempo para incluir outros autores, e referenciá-los.