segunda-feira, 6 de junho de 2016



MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL... 
Falamos em MEDICALIZAÇÃO quando é um evento médico, mas que adveio de algo não médico, algo inscrito na subjetividade, nos comportamento. O termo se aplica então quando se transforma questões que NÃO são frontalmente médicas, em tais.... Ou seja: o tema não médico, vira médico, no sentido de se passar a usar/ prescrever remédios do tipo psicofármacos para o outro rotulado com alguma categoria de perturbação que envolve comportamentos provocadores da sociedade maioral. Esses diagnósticos são ditos e determinados sem nem mesmo sem questionar, produzir críticas a eles, na maioria das vezes interessados em controlar os comportamento e subjetividades, ou como se diz poeticamente, "controlar corações e mentes".
Na MEDICALIZAÇÃO (não é medicação, que é outro tema) os fenômenos “não médicos” se transformam em tais - repetindo. Descreve-se termos como “doenças”, “transtornos”, “distúrbios”, “síndromes” que tentam desconsiderar questões que tem sua existência no mundo - na dimensão política, social, econômica, cultural etc. Essas dimensões da mundanidade é que também contaminam as pessoas como ser-no-mundo que são-sendo, mas que são desconsideradas nesse mundo, dissociadas dele. Assim, questões sociais/ políticas são tornadas privadas, pessoais, individuais... O responsável por si-mesmo é? Ora, é o si-mesmo (eu, ego, self) e sua família, e dependendo pode-se responsabilizar os seus professores ou outros pequenos focos. Os governos e suas políticas não são responsabilizadas. A “participação social” dos sujeitos como um dos modos de resolução da “possível problemática” nem é pensada, pois perturbaria demais “o social”. Os mais capacitados a ajudar/ cuidar são os médicos, e depois o staff de saúde e depois da educação, e por aí chegaremos a mais, como fonoaudiólogos, psicomotricistas, fisioterapeutas, psicólogos clínicos, terapeutas, psiquiatras, psicanalista etc.
Ao meu sentir/ pensar, por ora, na MEDICALIZAÇÃO haveria um foco nos psicofármacos, e seguindo o princípio focal de manter o efeito do remédio indicado, inúmeras prescrições ou regras educacionais/ pedagógicas são “prescritas” para a intervenção dos profissionais não médicos, prescrições tão detalhadas que gerariam um outro tipo de clima psicossocial de MEDICALIZAÇÃO... Assim, a intervenção ou interferência do psicopedagogo junto ao aluno “índigo” ou "aluno que emite comportamentos de oposição ao estabelecido", por exemplo, associada aos remédios, vinculada a eles, acabaria por legitimar o tema descrito.

Sintetizando: a MEDICALIZAÇÃO:


[1] traz questões caracterizadas como "problemas" do si-mesmo (privados, individuais, singulares apenas), e acaba-se negando variáveis coletivas, sociais, políticas, plurais etc.; ou seja: "o problema é seu, apenas seu, e nada mais do que isso, e não meta o social e o político nisso";

[2] objetiva transformar questões que não são médicas (comportamentos e subjetividades, por exemplo), cujas marcas são de fato sócio-históricas/ políticas, em questões orgânicas/ médicas; ou seja: essa questão não é médica, e mais ela tem marcas do social, mas minhas pesquisas dizem que essa questão é médica sim, precisa de remédio para minorar";

[3] Propõe discutir/ refletir a díade processual saúde-doença centrando-se na pessoa/ indivíduo/ paciente (afastando o social, o histórico, o cultural, o político, o midiático etc.), abordando o fenômeno dentro de uma ação clínica física, orgânica ou biológica, ou seja: tudo é individual, nada grupal, plural, social, político, econômico, o modo como tratamos o meio ambiente, modos de se produzir políticas de saúde pública etc.;

[4] O termo medicalização nos leva a um outro tipo mais simbólico, pois envolve uma outra medicalização como as prescrições de condutas corretas a serem emitidas pelo paciente (listas de lembretes, como para os estudantes rotulados de hiperativos etc.), formação de um determinado profissional da escola como forte ação clínica como foi com os orientadores educacionais de um tempo (década de 70), por ex. O excesso de procedimentos médicos criticados como o parto não natural (com anestesia) também pode estar incluído dentro do que denominamos de medicalização da vida; ou seja: o termo vai além daqueles que nos remetem a remédios (psicofármacos), incluindo aí prescrições comportamentais (típicos da autoajuda; receitas de comportamentos ditos corretos, só que corretos dentro de uma sociedade e história) inclusive usados por psicólogos, médicos, psicopedagogos, pedagogos, fonoaudiólogos, psicomotricistas, filósofos clínicos, professores em geral e outros oficiadores, e procedimentos médicos exaustivamente executados mesmos que criticados como medicalização do existir (parto não natural, como citamos) - propostas que acabam submeter corpos, mentes, almas...


[4] Inventa-se diagnósticos e com isso prescrições... Medicaliza o psicológico ou o psicossocial; diagnósticos,principalmente na esfera da saúde mental (mas não só),que passa para a escola de modo "natural", acolhido por professores, pedagogos, gestores e outros profissionais da escola, como se fossem verdades inquestionáveis, universais, que acabam legitimando ao mestre suas dificuldades em ensinar e produzir aprendizagens. O professor é um ofício autônomo, não dependendo do diagnóstico médico e psicológico, principalmente se for para legitimar o que estamos a denominar de medicalização.

Acho.
NOTAS:
1 - Quando as questões são médicas e prescritas nesse parâmetro, não se fala em MEDICALIZAÇÃO. Pode ser medicação, por exemplo. Ou seja, não estamos contra a medicação ou o que seja isso na Medicina, que não é nossa seara, mas contra a MEDICALIZAÇÃO, que traz também um clima que podemos falar em MEDICALIZAÇÃO da vida. Assim, criança agitada, rotulada de hiperatividade, não é pensada numa sociedade vídeo-clipiana, consumista e altamente competidora, mas classificada em uma “doença” ou um “transtorno” que precisa ser tratado como psicofármados, que ao amortecer o sujeito, o abafa, e cria sobre-vida – e o torna capaz de obedecer às prescrições de mudanças comportamentais/ subjetivas.
2 - Não pretendemos aqui-agora, nesse post, ser donos de alguma verdade. Nosso objetivo é apenas de produzir reflexões, mais comentários, posicionamentos baseados em mais leituras. O tema MEDICALIZAÇÃO é muito rico e pegamos um único veio, mas tem outras e significativas variáveis que não vieram à lume quando pretendemos definir o termo, descrevê-lo para utilizá-lo corretamente. Há, por exemplo, o existir tóxico por MEDICALIZAÇÃO, que é diferente de usar drogas (adicção) ilícitas. Eu acho é que precisamos ler e estudar os textos indicados, e adentrarmos ao tema. Eu acho também que não estou determinando algo, pelo menos por ora, por mais que foi essa a ideia que resolvi pegar para refletir nesse post sobre o tema.
3 - Vou corrigindo, ampliando ou reduzindo o texto à medida das conversas e de minhas reflexões.

4 - texto inconcluso, incompleto, aberto - é um rápido esboço de uma ideia.


5 - Muitas críticas são feitas contra os diagnósticos que se tornam rótulos e com isso solidificando preconceitos/ estigmas e discriminações. Algumas vezes, inclusive, esses diagnósticos, pela rapidez com que são realizados, não cumprem o papel rigoroso de trazer à metafórica luz do dia um conhecimento de sentido acerca do outro – “dia” (claridade, evidência) + “gnose” (conhecimento). Quando as deficiências são físicas, isso nos parece ser mais tranquilo, mas as mentais/ intelectuais, por exemplo, são temas de muitas delicadezas, que exige mais tempo, e uma equipe interessada e especializada no tema. Outra crítica é de que há uma tendência de um diagnóstico gerar uma prescrição de remédios, do tipo psicofármacos, além de acabar servindo e rotulação, como dissemos – “um diagnóstico vira rótulo, e o rótulo toma o lugar/ tempo do nome próprio do sujeito, que passa a ter outra nomeação, que atinge sua identidade, havendo uma substituição (des)autorizada” (PINEL, 2015; p. 22). 

Há, por exemplo, a denúncia de prescrição de remédios, do seu exagero, quando da nomeação de que a pessoa tem Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH, com a consequente indicação do uso de Ritalina. TDAH passou ser uma rotulação da moda, tornando-se até chique ingerir ritalina para enfrentar o mundo capitalista selvagem marcado pela consumismo e competição desenfreados. Pinel (2015) por exemplo descreve fenomenologicamente um jovem do ensino médico, com Síndrome de Down, “com os problemas cardíacos relacionados ao Down” (p. 21), e que teve prescrito tomar Ritalina em épocas de provas para que suas notas não ficassem abaixo da média, “obtendo sucesso, mas a que risco” (p. 22), reflete o autor. Metilfenidato é o nome científico da Ritalina, e é uma substância química utilizada como fármaco, estimulante do sistema nervoso central, com mecanismo de ação ainda não tão bem elucidado, estruturalmente relacionado com as anfetaminas. Usada no tratamento dos casos de TDAH, narcolepsia e hipersonia idiopática do sistema nervoso central (SNC). Dentre os efeitos coletareis, no caso de o paciente ter problemas cardíacos, podemos elencar: angina, arritmia cardíaca, taquicardia, alteração da pressão e dos batimentos cardíacos (aumento ou redução), ataques de ansiedade ou pânico etc.

O uso exagerado e inadequado de psicofármacos, do tipo Ritalina, tornou-se um tema que ora se discute chamado de “medicalização”. Para Pinel (2016) quando falamos de medicalização estamos descrevendo um evento médico, mas que de fato ele veio de algo não médico. Explicando melhor: O “evento”, não prestar atenção em determinada coisa, por exemplo, é diagnosticado e prescrito com remédio, mas a base disso é muitas vezes algo inscrito na subjetividade, nos comportamentos interpessoais e intrapessoais do sujeito como ser-no-mundo, mas como o mundo não se recria e “adora” manter a ordem estabelecida da ideologia dominante, cria-se remédios para controlar os sujeitos, submeter seus corpos. Remédios dessa composição, costuma tornar pessoas subservientes as que eram de fato criativas, mas que aos olhos da sociedade eram rebeldes sem causa. Assim, um fenômeno de origem essencialmente social e ou psicossocial é transformado em médico, com prescrições de remédios que controlam corações, mentes, almas, emoções, sentimentos, pensamentos, modos de raciocínios, psicomotricidade, afetos etc. A medicalização, o seu clima psicossocial, pode ser encontrado na autoajuda e a mania de prescrição de mudança controladíssimas de comportamentos. A medicalização tem, pois, uma ideia de hiper-controle para algo que é comum (regular) e até inédito (inventivo). Como ser atento a uma sociedade videoclipiana, movimentada, onde nada merece atenção, e tudo merece também? Numa sociedade competitiva, com concursos vestibulares concorridíssimos? São comportamentos e subjetivações comuns que compõem o mosaico complexo da nossa sociedade tal qual ela está posta aí. Não se pensa em mudar essa sociedade, mas as pessoas, nas suas individualidades – o mal-estar tem um locus que demanda controle, o eu/ ego/ self de uma ou várias pessoas, e não no todo, no maior, no macro contexto, no político, no econômico, no social, na história, na cultura.


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Recomendação para iniciantes:

MENEZES, ARMANDO, VIEIRA. Medicação ou medicalização? Ed. Primavera. 2014.

Moysés, M. A. A. (2001). A institucionalização invisível - crianças que não-aprendem-na-escola. Campinas, SP: FAPESP/ Mercado de Letras.

Collares, C. L., & Moysés, M. A. A. (1982). Desnutrição e fracasso escolar: uma relação tão simples? Revista da ANDE (5), 56-62. 

CONSELHO Regional de Psicologia SP. Medicalização de crianças e adolescentes. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Eidt, N. M., & Tuleski, S. C. (2007b). Repensando os distúrbios de aprendizagem a partir da psicologia histórico-cultural. Psicologia em Estudo 12(3), 531-540.
FREITAS, AMARANTE. Medicalização em Psiquiatria. Ed. Fiocruz
Collares, C. L., & Moysés, M. A. A.(1996). Preconceitos no cotidiano escolar - ensino e medicalização. São Paulo: Cortez Editora. 
VIÉGAS. Medicalização da educação e da sociedade; ciência ou mito?
Collares, C. L., & Moysés, M. A. A. (1992). A história não contada dos distúrbios de aprendizagem. Caderno Cedes (28), 31-48.  
Collares, C. L., & Moysés, M. A. A. (1994). A transformação do espaço pedagógico em espaço clínico (A Patologização da Educação). Série Ideias (23), São Paulo, FDE, 25-31.  
Bourdieu, P. (1997). A miséria do mundo (3a ed.). Rio de Janeiro: Editora Vozes. NOTA: Para pensar o mundo que contém/ aceita/ nega a medicalização
 
MEIRA. Por uma medicalização na educação. Publicado in scielo.
FREIRE. Pedagogia do Oprimido. NOTA: Para pensar a educação escolar e não escolar que contém, aceita (ou nega) a medicalização 

MOYSÉS; COLLARES. Medicalização; elementos de desconstrução dos direitos humanos. Disponível no sítio crprj.org.