quarta-feira, 30 de outubro de 2019

"Coringa" (2019, de Todd Phillips) é um filme fascinante que aborda a doença mental que "pode" (ou não) nascer na família e ao mesmo tempo indissociada de uma sociedade perversa, consumista e competidora ao extremo, onde se reserva o pior aos empobrecidos pelos diversos "jogos do sistema econômico" - péssimo atendimento à saúde, desemprego, fome, miséria, injustiças etc. Mas, no filme, parece não haver uma determinação da origem do sofrimento psicológico (e orgânico) do Coringa - mas, fica evidente que é um ser experienciando uma vida familiar infeliz e desamparada, penetrado por uma sociedade desumana, injusta, violenta, que privilegia uns (os ricos) em detrimento dos outros etc. O problema do Coringa "está aí" no seu existir como "ser no mundo". A dor é dele, porém, outros sujeitos poderão tomar caminhos diferentes, tudo parece depender do modo como cada pessoa resolve ou vivencia os conflitos existenciais, mas esse todo é uma mistura complexa do ser com o outro, no mundo. O filme nos fala explicitamente do descompromisso dos ricos com o povão. Denuncia os discursos perversos dos candidatos, e como ele escamoteia a realidade recorrendo à autoajuda. Para esse tipo de político, o sucesso será apenas daqueles cidadãos que tem mérito, entendido isso de acordo com as determinações vindas do dominador. Também, tais políticas defendem a violência contra o cidadão comum - e esses mesmos cidadãos parecem acreditar que essa é a saída, por sinal, uma saída contra eles mesmos. A Prefeitura (Estado) corta verbas até contra os programas sociais de aconselhamento psicológico - pode? O mínimo e o mais barato - e útil, Coringa diz: "Com quem eu vou falar agora?" Gotham corta tudo para os pobres. É um filme de profundo e significativo impacto psicológico e social, um filme político - contra as repressões e discursos cínicos de quem tem dinheiro, um filme contra as mães perversas (mesmo que doentes) e contra os pais ausentes e irresponsáveis. Um filme contra os sistemas fechados de tratamento mental, contra nossa hipocrisia diante da morte física e psicológica do outro, e do quanto, alguns de nós "douramos pílulas" (buscamos a alegria e negamos a tristeza, mas ela está aí) etc. O filme "fala" inclusive sobre nossos sonhos idealizados acerca da escola e da escolarização - quando Coringa narra a mãe dando-lhe conselhos para ser alguém na vida. Tem ainda o tema do "clown" (Coringa) na enfermaria com crianças e adolescentes com câncer - que cena maravilhosa, dá uma tese a queda do revólver que ele traz na cintura. Dá muitas análises essa obra de arte... Um filme (arte) pode ensinar à (nossa) realidade: precisamos ser empáticos com o outro, escutar sua dor e estimulá-lo a resistir contra o que vai opor-se psicossocialmente ele etc. Precisamos encontrar alguém que também nos escute, para então a "gente mesma" nos escutar e escutar ao outro - e partir desse vivido, pensar-sentir-agir contra o que está aí estabelecido como verdade única e universal, contra o que não se pode questionar, contra todo aquele que impede o diálogo.