sexta-feira, 10 de outubro de 2025

 

A FENOMENOLOGIA-EXISTENCIAL DO CASO “SENHOR JOSÉ-J”: UM ALUNO UNIVERSITÁRIO EM TRAVESSIA DE SER DAS ALTAS HABILIDADES/ SUPERDOTAÇÃO PARA O DECLÍNIO COGNITIVO SUBJETIVO, DEPOIS LEVE COM TENDÊNCIA AO ALZHEIMER

Hiran Pinel, autor

RESUMO

Senhor José-J, desde jovem, traz em si, com orgulho, a avaliação escolar que o indicou. em 1961, ser uma aluno com Altas Habilidades/ Superdotação, mas agora, em 2018, já idoso (70 anos de idade), estando fazendo seu segundo curso superior (o de Filosofia), ele recebeu o diagnóstico para o Declínio Cognitivo subjetivo (que chegará ao leve) tendendo à doença de Alzheimer. Ele tomou a decisão de prosseguir frequentar com o referido curso em um Faculdade privada, e veio procurar ajuda educacional especial no/do Grufei, Grupo [de estudos, pesquisas e práticas educacionais] de Fenomenologia, Educação (Especial) e Inclusão, ligado à linha de pesquisa “Educação Especial e Processos Inclusivos”, do PPGE, Programa de Pós-Graduação em Educação pela UFES, Universidade Federal do Espírito Santo. Esse paper científico tem por objetivo descrever compreensivamente a narrativa do Senhor José-J acerca de suas revelações de ser o “que é”, o “como é” e o “significado vivido” dessas atuais experiências de ser-no-mundo. Para isso efetuamos uma pesquisa fenomenológica em Forghieri, principalmente. Senhor José-J aponta em sua fala: “De um lado, a minha potência de saber, dentro da minha consciência do que sou - e do que serei de esquecido, e do outro, o mistério de me perder, desmemoriar-me do que sou e serei: “lembrar para não esquecer”, “lembrar de não esquecer” e “esquecer de ficar lembrando ‘pra não esquecer’ e tornar-me um obsessiva-compulsivo, nisso de viver entre recordar e ‘desrecordar’” insistente e que me atormenta.

Unitermos: fenomenologia-existencial, aluno: Altas Habilidades/ Superdotação, Cursos superiores, Declínio Cognitivo: Subjetivo: Leve: Alzheimer: Travessias.

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Atualmente (em 2018) com 70 anos de idade, formado em Educação Física, e com isso, estando na velhice (terceira idade; ser idoso), e aluno do seu segundo curso superior: na juventude com Altas Habilidades, na terceira idade (ser idoso) com Declínio Cognitivo (subjetivo, por ora, mas chegará ao leve) para Alzheimer, e sempre matriculado em um curso, agora o segundo (curso) superior.

DECLÍNIO COGNITIVO SUBJETIVO (DCS): o paciente (aluno) se sente tendo problemas de memória, raciocínio - ou cognitivos, mas o desempenho em testes ainda é normal (ou comum para sua idade, continua elaborando os pensamentos com seus raciocínios e reflexões racionais (encarnados - leia-se: o corpo expressivo) acompanhados dos seus sentimentos, desejos,  emoções que são energias simbólicas e ao mesmo tempo metafóricas que (co)movem o saber, seja pra baixo ou para cima etc., assim, dependendo do teor da tristeza, pode a decair, dependendo do teor da alegria pode o contrário, amor e ódio etc. Mas, no declínio cognitivo esse experienciar pode ser vivido de modo denso, tenso e intenso, pois o diagnóstico, por si mesmo, traz recordações de possibilidades nefastas, um prognóstico deplorável; produz uma ansiedade mesma de memorizar para não esquecer, o que fica evidenciado em muitos casos quando assim descritos - e o exemplo pode ser o caso clínico educacional do Senhor José-J descrito por Pinel (2025). Nesse momento tem ainda as pressões de uma sociedade e cultura despreparada, ainda, para lidar com o esquecimento de origem orgânica, por ora, sem condições de reverter oq quadro clínico - uma inabilidade para lidar com o diferente, daquilo que escapa à ideologia dominante, uma sensação, inclusive, de apatia, por também estar associado ao fim da vida, ao fim literal e explícito da História. Trata-se de uma experiência subjetiva (interior e ou interiorizada) do ser-no-mundo, e o indivíduo ainda consegue manter sua rotina sem ajuda, como toda autonomia: ser da autonomia diante do outro. O risco maior é de que pessoas com DCS têm um risco maior de desenvolver comprometimento cognitivo leve (CCL) e chegar à demência. 

DECLÍNIO COGNITIVO LEVE (CCL): É um estágio intermediário entre o envelhecimento normal e a demência, já escapando da ideia de DC subjetivo. Parece um estágio intermediário entre o envelhecimento normal e a demência, onde há um declínio cognitivo objetivo maior que o esperado para a idade.  Como características:  O declínio é notável em testes cognitivos, mas a pessoa ainda consegue realizar suas atividades diárias, embora possa levar mais tempo para tarefas complexas.  Já o prognóstico pode evoluir para demência, permanecer estável ou até mesmo melhorar, dependendo da causa. Algumas causas reversíveis incluem deficiências vitamínicas, apneia do sono e depressão. 

DEMÊNCIA: trata-se de um declínio cognitivo mais grave que prejudica significativamente o funcionamento diário, interferindo em atividades como tomar banho, se vestir ou cozinhar.  Eis algumas características: Perda significativa das capacidades cognitivas, como memória, linguagem, atenção e raciocínio, que afeta a independência da pessoa.  Exemplo de demência: Doenças como o Alzheimer são causas comuns de demência. 

Essa descrição de uma narrativa veio a lume de uma conversa profissional entre o pesquisador fenomenológico-existencial (Hiran Pinel) com o Senhor José-J (sujeito da pesquisa e educando, 70 anos de idade, em 2018; nasceu em Minas Gerais, em 1948).[i]

Escrevo o termo “educando”, por dois motivos:

[1] primeiro, defendo que toda pesquisa fenomenológica, tal qual a praticamos Forghieri (2007; 2014) é também uma prática educacional, no caso de Senhor José-J, um “tipo” não escolar de “prática educacional especial inclusiva[ii] (via “tipo” Atendimentos Educacionais Especializados[iii], AEE’s) de inspiração fenomenológico-existencial; logo a aplicação do método é também uma Pedagogia e no caso, Especial;

[2] segundo, porque efetivamente, Senhor José-J foi nosso discente ou educando, visto ter participado de uma série, bem extensa e grande, de “práticas educacionais especiais inclusivas fenomenológico-existenciais” durante dois semestres de cada ano que foram: os de 2018 (além da entrevista, uma manhã e tarde - que deu origem a esse paper científico sob a forma de uma “narrativa de si”), os de 2019 e dois meses, janeiro e fevereiro de 2020 em apenas dois meses, janeiro e fevereiro, interrompidos devido à pandemia da Covid-19. Em 2020 publicamos o primeiro artigo com o mesmo objetivo desse de 2025. Era risco para o Senhor José-J e para o pesquisador, ambos idosos e com diabetes, sendo que o primeiro foi, ao longo dos atendimentos educacionais inclusivos para minimização do declínio cognitivo, tendo seu quadro orgânico em processo de consolidação, só não mais, segundo os médicos, devido nossa intervenção pedagógica – que obviamente consideramos como encontrado limites na organicidade.[iv]

Senhor José-J, em 2018, já professor de Educação Física (licenciado e bacharel) aposentado em dois vínculos do Estado, viúvo, 3 filhos adultos, os três graduados (enfermeiro, médico e psicóloga), casados, cada um com filhos. Ele tem apartamento próprio, mora só, depois de viúvo e quando ficou os filhos há haviam casados e cada um com sua moradia. São filhos interessados no pai, afetivos e envolventes.

Nosso primeiro encontro, nesse ano de 2018, ele tinha 70 anos de idade, e estava no seu segundo curso superior – o de Filosofia. Um ano e meio depois dele estar nessa faculdade, e com brilhantismo, ele começou a esquecer, e procurou um médico, chegando ser avaliado por dois, um neurologista e a outra uma geriatra, e por um psicólogo comportamental, diagnosticando-o com Declínio Cognitivo Subjetivo (DCS), com um futuro bem próximo (como aconteceu no “durée”[v] de Bergson) tendendo ao Declínio Cognitivo Leve (DCL). Em conversa com neurologista, ele disse que a clinicidade de Senhor José-J o levaria a Alzheimer. Ele foi encaminhado pelo neurologista a esse autor-pesquisador, coordenador do Grufei, que ensina e pesquisa na linha Educação Especial[vi] e Processos Inclusivos, há alguns anos interessando-se também por esse ramo da Pedagogia e questões de saúde, como as hospitalizações em hospitais, e domicílios.

Senhor José-J tem problemas de saúde como a diabetes tipo 2 há mais de 20 anos, estando bem controlada, ainda que ultimamente “estou tomando insulina”, diz ele, “já não sinto muito o pé” (fica dormente), e apesar de enxergar bem, os olhos apresentam problemas típicos desse quadro, dentre outros, como os rins. Toma diversos remédios para o diabete como Glifage 1Xr (2 comprimidos por dia), losartana potássica mais hidrocloziadida100 por 25 (1 de manhã cedo) e de 50 (1 à noite), atorvastatina cálcica 80, injeção Victoza, e depois Saxenda, BUP (transtorno depressivo maior e para ajudar no regime: “sou magro devido aos regimes, mas fui obeso”), remédios para dormir (clonazepam, e como está tenso disse que irá começar tomar Zolpidem[vii],[viii]e para urinar (tadalafila 5mg). Ao longo do tempo, mais e novos remédios foram ingeridos, sempre sob prescrição médica - inclusive medicamentos para Alzheimer, isso ocorreu em finais de 2019/2020, mais ou menos.  Todos esses remédios produzem reações secundária – quase todos eles, descrevo os remédios em geral.

Por outro lado, soube por um dos filhos, que os três passaram a vivenciar psicoterapia em grupo do tipo comportamental, visando-os ajudar ao pai - e a si mesmos - também lá pelo começo de 2020. Fato é, que só mesmo em 2020, que o quadro ficou mais complicado e visível ao leigo. O agravamento do quadro do senhor Senhor José-J, mais o surgimento da pandemia da Covid-19, bem como o clima psicossocial, social e político que se instaurou no Brasil, e toda uma série de complicações e complexidades, interrompemos os atendimentos, e pelas dificuldades de conhecimento do pesquisador, não pudemos nos dispor a um atendimento a distância.  

Esse dado de Declínio Cognitivo, aqui-agora subjetivo, que aparecerá o leve chegando à doença de Alzheimer, provocou Senhor José-J muito, pois contrastava (deixava-o complexificado e ao mesmo tempo, provocado) com uma avaliação psicológica e psicopedagógica, feita na sua adolescência, quando ele estava cursando a 4ª série ginasial, em mais ou menos no ano de 1961, hoje corresponderia a 9ª série do ensino fundamental, que o descrevia, através de comprovações psicométricas, de personalidade e outros, um aluno “intelectualmente talentoso” (sic = Segundo o discurso psicológico lindo pelo pesquisador, na época.), o que hoje diríamos de sujeito com Altas Habilidades/Superdotação. Ou seja, no seu espaço interior, no seu tempo vivido, ele pressentia uma travessia de Altas Habilidades que o acompanhou até aqui-agora (2018) e os riscos humanos de experienciar algo que destruiria esse “belo discurso” (de ser intelectualmente talentoso), ainda que também sujeito a preconceitos na escola e fora dela, “caindo”, sem o desejar, na esfera do esquecer antagônico ao lembrar ou recordar típico das Altas Habilidades. Assim, como nas Superdotação ele poderia fazer algo para incrementá-la, já no Declínio chegando a Alzheimer, que é algo da sua organicidade - doença degenerativa, nada poderia, a não ser fazer alguma prevenção (de minimização). Prevenção ele o fez e com rigor, bem como disposição, frequentando regularmente, sem nunca faltar aos Atendimentos Educacionais Especializados que o oferecíamos com inventividade, alegria, disposição incrementando sua subjetividade de ser pessoa ser-no-mundo.

Ele diz, que desde então, na escola, e fora dela, ele passou a ser abordado como tendo Altas Habilidades, pois sempre lhe era facilitado frequentar espaços onde pudesse ler, estudar, discutir, refletir, pensar, expressar oralmente, “traduzir” textos complexos escritos em português e ou em espanhol, analisar obras de artes trazendo dados novos e alternativos etc. Ele frequentou laboratórios de uma universidade federal onde se desenvolvia seus talentos linguísticos com auxílios de “doutores”, ele destaca.

Na escola, e fora dela, ele se dizia querido por todos, que gostava de coordenar eventos, resolvia conflitos entre colegas, gostava de aconselhar. Com orgulho, descreveu, que de modo independente, formou um grupo de leitura só com os rapazes do futebol. Falou que adorava de também ficar sozinho para refletir sobre si mesmo, os amigos, a família, a escola, o mundo etc.

“Eu aprendia fácil e de modo rápido todas as disciplinas, mas português, história etc., eu era bom demais. Tinha coisa que eu não dava conta logo, por exemplo, no primeiro ano do 2º Grau li “Grande Sertão: Veredas” do Guimarães Rosa”, foi um embate, nunca desistia, ele lia e relia até entender, “marquei encontro com a professora (cita o nome) da (cita o nome da universidade) e foi ficando claro pra mim, não desisto nunca e comecei ver beleza que nunca tinha visto antes, e entendi por que é uma obra de grande importância para a literatura brasileira, era um outro idioma” (anotações encontradas em 2025 do meu diário de campo).

Apesar de ter ficado “metido" (orgulhoso) com a avaliação de "gênio” (sic), ele nunca se sentiu superior, e nem inadequado, pois o talento dele para falar e escrever era bem recebido por todos. O pesquisador (Hiran) recorda apenas de que as notas dele, nos testes psicológicos, foram altíssimas (as maiores) em toda Bateria Cepa[ix] e WAIS[x], mas foram muitos testes, como os de personalidade, além de entrevistas e observações em desempenho. Recordamos também (isso em 2025, na segunda publicação do mesmo artigo agora revisto) do Teste do Desenho da Figura Humana (DFH) de Goodenough-Harris, que foi uma avaliação utilizada para descrever e diagnosticar a "maturidade intelectual" e o "desenvolvimento cognitivo", só que recomendado para as crianças de 05 a 12 anos e na época o Senhor José-J já estava no 4º ano do ensino Ginasial, acima dessa idade. Mas, o teste pode focar na capacidade de abstração e formação de conceitos, servindo, pelo menos, no cotidiano de alguns psicólogos pesquisadores, também como teste da personalidade - do tipo projetivo. Submeteu ao TAT[xi] (Teste de Apercepção Temática de Murray) que até hoje, eu gosto muito, mas aplicado de modo fenomenológico, não foram todas as lâminas e a interpretação diferenciada, ainda que com o princípio psicanalítico de projeção (Colodete, 2004; sob minha orientação)[xii].

A descrição da narrativa, mostrada aqui-agora nesse “paper científico” em “eis a narrativa”, surgiu de uma entrevista (melhor os termos disposição ao contato e aos diálogos) que aconteceu em 2018, e no dia posterior ao diagnóstico médico. Um dia antes foi quando o senhor José-J recebeu o diagnóstico de “declínio” - de chofre do tipo subjetivo, cujo diagnóstico afirmava chega ao DCL dirigindo-se para Alzheimer. A “conversa dialógica” (Buber) foi realizada em um só dia, de manhã, almoçamos juntos, e de tarde. Ele estava ansioso para falar suas primeiras impressões sobre o diagnóstico, já que preferiu não contar para os seus 3 filhos, que cuidam dele, de longe, já que é viúvo.

Bela, delicada e sincera narrativa, bem lógica, nos fez refletir de que predominava o declínio cognitivo subjetivo, e pequenos déficits de memória e atenção, mas que ele se esforçava e se lembrava. 

Mesmo não sendo objetivo desse paper científico, o Senhor José-J foi também foi atendido pedagogicamente em um "ser-com" (Heidegger, Sartre, Forghieri, Freire, Alves e outros) através de “práticas educacionais especiais”, (co)movidas por uma Pedagogia (e Educação) Fenomenológico-Existencial (Yolanda Cintrão Forghieri – da Psicologia, Paulo Freire, Rubem Alves – ambos da Educação, e Hiran Pinel – da Psicologia Educacional e Clínica da inventividade), donde focamos na “cognição" (e no corpo), (co)movida pelo "afeto" como energia simbólica que a tudo nos dão vida e não nos deixa parados – em dormindo (kkk). Esse teor, devo ir destacando o "ser-no-mundo", logo considerando o social, o cultural, o histórico - aspectos indissociados objetivos que nos pontua subjetivos. 

Durante esse ano (2018) e ao final de 2019 começo de 2020, ele mesmo, Senhor José-J, percebeu um decréscimo cognitivo, mas, ainda assim, muito leve. O médico neurologista, em um telefonema, disse-me que a minha proposta de “práticas educacionais especiais” estaria amenizando o quadro, e que eram essas, também as palavras da geriatra. O psicólogo também confirmou, em outro contato – via e-mail. Fazia, desde o começo, um trabalho de saúde pública, via Ufes.ppge, e isso os motivava a incentivar-se, além de eu ter trabalhado com um desses profissionais no Hospital Doutor Dório Silva, quando fui psicólogo. 

Entretanto, os Atendimentos Educacionais Especializados (AEE), produzidos por meio das práticas pedagógicas especiais, foram encerrados, como disse, devido à pandemia da Covid-19. "Eu mesmo" (prof Hiran) era grupo de risco para a Covid - na época idoso e diabético. Não me propus prosseguir com o Senhor José-J dentro desse clima de pandemia, se eu aceitasse, teria de pensar-sentir-agir uma prática online, e pela minha não experiência, eu poderia passar por algo desgastante, que prejudicaria nosso Plano Educacional Individual – PEI, que configurava dentro do AEE que se efetivava com as “práticas educacionais especiais inclusivas fenomenológico-existenciais”. Mas, tiveram outros problemas profissionais e pessoais. 


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 Histórico da elaboração dessa narrativa: etapas

2018a

No mês maio – Senhor José-J é encaminhado, pelo médico neurologista, ao pesquisador e professor da Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, PPGE. Ex-coordenador e membro da linha de pesquisa Educação Especial e Processos Inclusivos. Coordenador atual do Grufei – Grupo de Fenomenologia, Educação (Especial) e Inclusão.

 

2018b

No mesmo dia, do mês de maio, de manhã e de tarde – procedemos a coleta e produção de dados donde descrevemos uma narrativa sobreo que é, como é e o significado de ser Senhor José-J, tal qual descrito no item 3.1 – sujeito da pesquisa.

 

2018c

Na produção (e coleta) de dados o Senhor José-J estava ansioso, com uma angústia que o acompanhou o tempo todo, muito falante – e nos pareceu, como olhar de cientista fenomenológico da Educação Especial e Saúde, com o aparelho cognitivo ainda muito bem preservado, que pela sua própria formação, e por gostar de reforças que foi (e é) das Altas Habilidades/ Superdotação, usava com aparente tranquilidade palavras que o acompanharam na sua vida, pois um intelectual que sustentava teoricamente sua prática e práxis, sempre um sujeito crítico. Interessante notar o que é, como é e o significado vivido de ser o que é ser diagnosticado com um quadro clínico degenerativo nos seus modos de ser de resistência contra a esperança, a transcendência do caos e os jeitos específicos que foi criando para “com+viver” (viver diante do outro) com a situação.

 

2018, 2019 e janeiro/ fevereiro de 2020

Primeiro: planejamos, aplicamos e avaliamos (em todos os sentidos, o próprio projeto de ensino, os planos, o educando e o professor) um Programa de Atendimentos Educacionais Especiais Inclusivos “(Co)Movidos Pela Fenomenologia e Existencialismo” de Forghieri (2004, 2007, 2014), Freire, 2014 a e b; 1997; 2000) e Rubem Alves (2005; in Nunes, 2008).

Segundo: ele passou a compor também parte do Grufei, que de modo independente, e com nossa escuta, lia os materiais didáticos indicados, e gostava de refletir e ou discutir sobre eles, e o fazia com uma imensa ansiedade de viver, com a queda cognitiva, ele não percebeu o fenômeno com tanta clareza.

 

2020a

No começo de março fizemos a interrupção dos atendimentos devido a pandemia da Covid-19.

 

2020b

Publicação do primeiro artigo sobre Senhor José-J

 

2025a

Republicamos o artigo que foi publicado em 2020, mas aqui-agora reavaliado, revisto, modificado e ampliado parecíamos precisar ampliar, e fizemos isso, consultando o primeiro artigo, bem como novos materiais não utilizados até então – e que se encontravam desconsiderados, pois eram nossas anotações nos processos de aula, ou Atendimentos Educacionais Especializados, AEE que são “práticas educacionais especiais numa perspectiva inclusivas”.

 

2025b

A publicação dessa narrativa de Senhor José-J, no Blog do próprio autor, se dá apenas porque é um rascunho, não estando dentro de um modelo de artigo científico, por isso estamos afirmando que o termo paper aparece aqui-agora no sentido mesmo de rascunho, afastado de uma estética científica, mas produzido cientificamente. A produção formal do texto, dentro dos moldes, ainda está em construção, faltando especialmente a análise fenomenológico-existencial, donde iremos contribuir para a compreensão da pessoa que nos presenteou com essa narrativa, bem como as implicações dela para a Educação Especial no curso superior, considerando as Altas Habilidades/ Superdotação, e ao mesmo tempo, considerando o Declínio Cognitivo tendendo à doença de Alzheimer. Também pretendemos, da análise, refletir sobre a relação entre a potência da Educação Especial, enquanto ciência viva (vivíssima)  diante do declínio cognitivo certeiro e a morte, por isso pensamos abordar autores da nossa esfera como o básico e fundamental Yolanda Cintrão Forghieri, Paulo Freire (ser mais, amorosidade, criticidade, humanização e desumanização), Rubem Alves (educação dos sentidos) – com disposição para isso; bem como, talvez, Heidegger (ser e tempo; a questão da morte), Sartre (projeto de ser, existencialismo marxista, morte) e Henri Bergson (o termo dele: “durée” - o tempo vivido, contínuo e qualitativo, em oposição ao tempo físico, mecânico e quantitativo que medimos com relógios) – dentre nossas leitura. Mas, por ora, são apenas promessas.

*** final ***

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EIS A NARRATIVA DO SENHOR JOSÉ-J

Quando eu era pequeno eu ficava muito em casa, e recordo de mim lendo livrinhos de histórias infantis, era uma Coleção “A Sementinha”. Eram uns 20 livrinhos ou mais, muito texto e desenhos em cada página. Devia ter meus 5 ou 6 anos... Lia e relia. Era muito ativo, e quando não entendia um termo perguntava minha mãe que era professora, ou meu pai que era engenheiro... Era muito engraçado, pois eu adorava também consultar a enciclopédia Barsa. Também li um livro chamado “Chuva Criadeira”, depois “O Diário de Danny”, teve o “Diva” de José de Alencar tão descritivo, fotonovelas na Capricho e Sétimo Céu colorida e outras, revistas diversas - e jornais. Meu pai era ledor de jornais e gostava de comentar a realidade política do país, e eu escutava. Ele também torcia para o Vasco ou o Botafogo ou Fluminense ou o Cruzeiro (risos, por não saber determinar)... Ele gostava de fotos de mulheres bonitas e nuas, e lia uns livros pornográficos com desenhos preto e branco com historietas, eu sabia o nome do autor... Era... (pensando) Ahhh..., meu Deus, tenho medo de esquecer de lembrar das coisas, sabia? (ao longo da conversa identificamos que eram revistas eróticas em quadrinhos, a maioria de Carlos Zéfiro, ele mesmo foi dizendo a partir de pistas que eu ia dando). Meu pai me permitia fazer cursos por correspondência - e fiz uns três, como de técnico em mecânica, técnico de televisão (conserto) e auxiliar de escritório, tipo Instituto Monitor, o (instituto) Universal Brasileiro. Eu era um curioso, e gostava de cinema, de imagens em movimento, fotografias... Chegava do cinema e gostava de conversar com minha mãe sobre o filme, a narrativa, melhores cenas, repetia frases clichês - e eu achava chique falar o nome do diretor. Tinha um programa de rádio onde um crítico fazia uma apreciação do filme, mas antes dizia o nome do diretor...

[Na conversa mesma, ele tenta recordar o nome de um crítico de cinema, que tinha um programa de rádio. Com esforço e consulta ao seu recurso didático, um “tablet computer”, seu hábito “há alguns meses”, ele diz. Ele digita no Google, “palavras” ao entorno do nome, como “crítico de cinema, década de 50 e 60, festival de Teresópolis, Rádio Nacional” chegando ao nome do jornalista e crítico de cinema Adolpho Cruz].

Eu lia também umas revistinhas de cordel – amava, recordo de uma sobre o cantor Roberto Carlos e uma sexuais.

Lá pelos 10 anos de idade, eu era mais agitado ainda... Todos os eventos do curso primário eu era convidado a declamar poesias, tinha um imenso chamado texto poético chamado “Veludo”, uma história de um cão com esse nome... Imenso o texto - e eu sabia de cor... Deixa-me ver: “Eu tive um cão. Chamava-se Veludo: Magro, asqueroso, revoltante, imundo, nojento e porco”[xiii] Era assim que começava, eu não me recordo do nome do autor[xiv]... E termina assim, eu acho: “Estupefato, absorto, palpei-lhe o corpo, ele estava congelado. Sacudi-o. Chamei-o. Estava morto.”[xv] [dá um tom dramático à expressão vocal, meio exagerado, mas um entusiasmado intérprete da sua saudade]. Eu queria ser ator, se bem que estudei piano, e eu cheguei a compor uma canção, sabia preencher as pautas musicais. Eu queria ser cantor famoso, mas não suportaria ter de lutar por uma área tão ingrata como é ser artista popular, dá dinheiro, mas o desgaste é grande – eu imagino [reflete].

Eu era muito astuto, estudava o livro, aprendia sempre a lição, mas o fazia antes, para quando a professora fosse mandar a gente ler, eu me gabava dizendo que “eu já li em casa, professora” – queria aprovação, e obtinha, e os colegas, nem aí, pois eu sabia lidar com todos, era um bom líder [risos]. No [curso de] Admissão ao Ginásio eu tirei nota alta, dez - só matemática não era meu forte, mas tirei dez, eu acho. Esse admissão era uma espécie de seletivo dos melhores, era um funil já “pra” entrar no curso ginasial. Era... [corrige-se]. Sou bom de memória, preciso colocar no presente meus aspectos positivos, ainda [que] eles vão deixando de ser, mas eu penso assim: deixo acontecer a negatividade, e, enquanto posso, foco na positividade, na minha consciência... Eu era... (novamente, corrigindo-se). Sou de boa memória... [risos]

Eu sou muito racional, engessado mesmo, pois para mim, a razão sempre foi a minha salvação, a lógica da vida. Mas, na terapia que faço, isso é fugir da vida – não da vida em geral, apenas – mas fugir da minha vida encarnada, tipo Merleau-Ponty [fala o nome sem pestanejar, sem duvidar, não procura no seu tablet computadorizado], sabe? Fujo da carne ensanguentada [indo contra, de certa forma de M-Ponty], e prefiro a racionalidade, a cognição indissociada do corpo [é Merleau-Ponty], com o “afeito” [efeito?] eu movimento isso, apenas isso – nada mais... Para mim, a lógica dá conta da minha vida, mas com esse diagnóstico de Declínio, tenho percebido a vida frágil demais. Na Faculdade, como estudante que sou, eu falo disso, encontro espaço para isso – tem hora que parece eu estar encher [enchendo?] o saco da turma, mas é como eu descobrisse, que é na sala de aula, que um aluno especial, por ser da Altas Habilidades, precisa ir junto com todos ali – mas, ao mesmo tempo dialogar com novas possibilidades de ser, e cada filósofo citado [na sala de aula] dá poesia como didática. Sou um ser atormentado que percebe ser um caminhante de um determinado lugar para outro - espaço, do lembrar para o esquecer [no tempo]. Não é poesia, minha mania [ri do que fala] de ser poiético, é a razão poética (si) – estou lembrando do livro de Rubem Alves que lemos no Grufei, “Educação dos sentidos”[xvi] e aquele do Vidal[xvii] sobre o Rubem. A minha vida é salvar-me pela razão, mas também pelo desejo, emoções, sentimentos, e o meu corpo, não é assim professor Pinel? [referindo-se ao pesquisador e professor]. De um lado, a minha potência de saber, dentro da minha consciência do que sou e do que serei de esquecido, e do outro, o mistério de me perder, desmemoriar-me do que sou e serei: “lembrar para não esquecer”, “lembrar de não esquecer” e “esquecer de ficar lembrando ‘pra não esquecer’ e tornar-me um obsessiva-compulsivo, nisso de viver entre recordar e ‘desrecordar’” insistente e que me atormenta, não é?  Sabe, essa identidade de "saber e ser curioso por tudo que há", é algo que depende do recordar como ato de viver, me traz o seu oposto - o meu esquecimento e o esquecimento que há na nossa vida social, os mortos esquecem, os alienados também, mortos em vida. Eu fico tenso na sala de aula em lembrar “pra” não esquecer, e ao fazer isso, eu fico tão “contento” [contente ou poesia? Poesia], que esqueço de esquecer, e simplesmente vivo da vida acadêmica, minha verdadeira salvação. Quando decidi fazer outro curso superior, estudar e pesquisar a Filosofia e ensiná-la, não poderia imaginar: “és a minha salvação”, eu me disse um dia desses na sala de aula, todos riram e gostaram. Fazer Filosofia, depois de receber meu diagnóstico agora tão cruel como é o declínio, tornou um assunto meu, um assunto de urgência, um espaço pronto socorro, onde eu posso tentar mostrar a minha identidade de opor ao esquecer, para lembrar. Estou brincando com esses termos: lembrar e esquecer, onde o recordar é a razão, e o esquecer é Alzheimer, mas o esquecer sempre esteve com ou sem Alzheimer [ele repete o tema, ainda que de modo diferente e poético], até para transcender uma lembrança dura e crua, cruel. O que pesa mesmo é um diagnóstico no que ele tem de verdade científica [médica e psicométrica] e da sua capacidade de rótulo que impregna no nosso rosto, entendeu as referências? [ele deve estar se referindo ao filósofo Levinás[xviii], estudado no Grufei, por ele, por nós – mas, repetindo: ele fazia esses estudos de modo isolado, não em grupo na sala de aula, não podia naquele horário]. Atordoado eu fico até agora, pois começo a esquecer para não recordar mesmo, adianto-me legitimando o discurso médico, mas como racional, não cedo à morte em vida, que é o que o Alzheimer faz com a gente até à morte concreta – “enquanto vida eu tiver”[xix], percebe a referência, professor? A racionalidade para mim é uma metafórica “batalha ativa que descasca minha pele, tenho que ralar para viver, e até sobreviver. Sabe, mas eu não aceito a uma rendição passiva, eu desacato a submissão idiota. Eu sou enfrentador, como um senhor diz num seu artigo “eu enfrento a dor”. Assim, esse segundo curso superior não é uma diversão no vazio do entreter, mas é um “curso mesmo”, algo que valorizo e desejo aprender. Sou sincero: quero aprender mais! (silêncio demorado – foi ao banheiro). Voltamos àquela linha metafórica de belicosidade. O estar na sala de aula universitária, como aluno especial, é também uma trincheira na guerra pela manutenção da própria mente, mente viva, pela via da consciência – esse meu corpo não arrepende dos prazeres da carne, ainda que envelhecido, mas não oco, ou sou prenhe pelo meu ser idoso. Nunca fui oco, mas poderei ficar, quem sabe morro antes (risos nervosos), por isso a sala universitária permite autoriza a entrada da Educação Especial que se torna essa trincheira, esse lugar de proteção, de cuidar, de defesa – estou recordando agora do texto do senhor, a sala de Atendimentos Educacionais Especializados, no começo é um espaço, e será na relação da professora com o aluno, que ele se tornará lugar de sentido, acho que decorei (risos)[xx]. Esse lugar, essa sala de aula, se não permitir a Educação Especial não irá surgir a inclusão como modo de ser - nesse tempo. Sem a Educação Especial a sala escolar fica como aquelas trincheiras antigas, da Primeira Guerra Mundial, insalubres, lamacentas, frio, doenças espalhando. A Educação Especial, que eu mesmo faço penetrar na sala de aula, mas com a consciência da gestão educacional, torna essa trincheira, como o senhor escreveu: “descanso na loucura”.

Na minha juventude, eu fiz [o curso superior de] Educação Física na [cita o nome da universidade pública federal]. Quando eu entrei, já sabia do quanto eu era intelectualmente talentoso, mas sem fazer mistério, sem arrogâncias, ou onipotências. Era de fato uma pessoa que nunca “me” pensei com Altas Habilidades ou Superdotado, tinha consciência até onde poderia chegar com a língua portuguesa, por exemplo, com a minha escrita, meu gosto de falar e raciocinar, fazer poesia, saber levantar questões para que as discussões surgissem. No segundo grau e no curso de Educação Física percebia que eu demandava trincheiras – esse tema meu é antigo (risos). A Faculdade de Educação Física, onde estudei, deixava que construísse uma trincheira, tipo simbólico de terra, e de uma terra de ninguém, que na prática, era terra de alguém – minha e sua, nossa. Inicialmente os conteúdos são ensinados, e se não houver reciprocidade dos alunos, a aprendizagem, ela não é de ninguém, só dos mandatários, os professores. Havia professores que aceitavam minhas propostas de produzir, aos finais da disciplinas, além das provas, criar um texto. Não é todos, tive algum petulantes (risos) mestres que riam de mim quando dizia que era “intelectualmente talentoso”, e precisava de apoio. Eu os entendia, esse assunto não é da sua alçada, mais ou menos não era [risos], pois eu me postava à frente deles, como um pedinte de ajuda (risos). Naquele tempo pouco de discutia sobre esses direito, ou melhor, eis o fato: não se discutia... Década de 70..., mas, independentemente de ser ou não ser, com Altas Habilidade, como se diz hoje, eu existia com minhas demandas acadêmicas e a academia tinha as dela, como um focar potente na cognição, não era complicado obedecer regras, provas, a maioria vazias e cheias de pegadinhas, provas irritantes e idiotas de Anatomia: uma peça [da anatomia humana], alfinetes coloridos em determinada área [da peça] e alguns segundos para responder de memória o nome da área, e eu ficava tenso – uma cadeira ficava um aluno sem fazer nada, eles falavam que ele estaria descansando, na outra um respondia a questão, mudava-se, o que respondia passava a “descansar” (risos) e o outro responder – como pode algo tão idiota? E o professor repetia o que se faz anos a fio. Ser ou não ser com Altas Habilidades, eis a questão? Diria aquele dramaturgo.[xxi] Esse tema, para mim, sempre foi um pedido de socorro! Enquanto posso fazê-lo (risos), depois o tempo e espaço não existirão em um desmemoriado [ele fala sério, e com uma leve pontinha de raiva]. Faço poesias com isso: ontem eu pensei que tenho medo de esquecer de lembrar que esqueci e posso esquecer, tenho que anotar tudo, estou com essa mania, por isso ando direto com meu notebook, meu filho me presentou, muito leve e prático – estou fazendo propaganda (risos).[xxii] Copio o que me recordo como potente, como se eu tivesse medo de esquecer de lembrar que posso esquecer, ou algo que já esqueci – uma angústia (dessa vez não sorri). Acho que escrevo para não me esquecer, e ao mesmo tempo, na minha petulância, não querer que os outros, aqueles que ficarão vivos, recordem de mim – acho que é minha onipotência, será? Fui paciente de uma psicanalista, e me dei nisso, de me interrogar sem ter resposta, ou me desmarcarar, me jogar na, [corrige] no abismo (risos), queimar-me e virar cinzas, mas não mudar (risos), será que a terapia da fenomenologia existencial é assim também, professor? [pergunta-me, e eu pergunto: Assim como, José-J?]. Assim, do paciente ser cuidado na clínica existencial lá, sentir-se bem, mas a vida prosseguir sendo um caos, uma merda e com tons de alegria e felicidade? Isso é saúde mental? [não respondi oralmente, microssegundo de silencio - e ele percebendo, não desejando a “não resposta explícita, mas evidente numa dimensão corporal-expressional”, prossegue] Medo de esquecer de lembrar. Cada segundo da minha vida, uma vida passa, a minha – e eu fico arrepiado de recordar de que vou esquecendo. Esquecer aí não é uma arte, é uma ciência que anuncia meu desamparo. Igual aquele texto que você “deu” [como professor eu enviei a cada membro do Grufei] sobre Desamparo[xxiii] [livro], o desamparo adquirido de Martin Seligman, [um texto escrito ao modo] bem cientificamente clássico, por vezes de laboratório, que não é tão fenomenológico assim [risos].[xxiv] Esse livro [de Seligman], acho que você me emprestou para ler, para eu me ler [repete]... Achando aqui... Desamparo que eu adquiro antes de mesmo de confirmar meu declínio cognitivo, não mais leve, mas “o adiantando para o grave” [ele diz], e eu vou sofrendo por antecipação... Acho que pode ser isso.

Como eu experiencio tudo isso? [repete minha questão que faço a ele]. Esta é uma dimensão mais complexa e íntima, difícil de dizer. Exige um mergulho dentro de mim, e esse mergulhar é complexificado, pois eu estou doente com declínio cognitivo, penso nisso sempre. Na sala de aula “universitário” [ele diz] onde faço Filosofia, “só penso naquilo”[xxv] [risos]. Com esse quadro clínico cognitivo, eu fico entre a cruz e a portinhola [risos], uma sensação no meu corpo todo, como se dentro dele houvesse uma guerra entre Deus e o Diabo na Terra do Sol, como no filme de Glauber Rocha: algo interno em um mundo onde ainda não há cura, só cuidado – e cuidado é muito. É um quadro clínico onde os cuidados exigem uma Educação Especial, como já estudamos, práticas educacionais como jogos cognitivos. De um lado há meu ser como de Altas Habilidades, como é dito hoje, no meu tempo, era outro termo que se dizia popularmente, não sei se era gênio[xxvi], uma coisa bem ampla, alguém sabichão de tudo que há. Mas, me recordo de que o psicólogo escreveu que eu era “altamente talentoso”, o senhor leu, recorda? [torna perguntar ao professor Hiran[xxvii]]. Então tem esse lado, e por outra via, há a parte do declínio – é uma luta que já sei que “o último será o herói vingador” [José-J perderá]. Vamos ter em mente algo mais positivo: eu vivi e dei minha contribuição enquanto eu era um dito sujeito “altamente” inteligente, eu vivi isso de modo positivo, estudei, fui um aluno diferenciado é só perguntar à (cita o nome da universidade), um profissional criativo, pois recusava dar só peteca e futebol, na escola pública dava outros esportes como os isolados e os de tocar o corpo do outro, trabalhar os desejos e os medos dos alunos nesses instantes, pois o corpo ameaça, por isso reprimido, e um sociedade mais repressora ainda, “o fascismo está entre nós, ele não está só lá no Estados, nos políticos, nós somos fascistinhas[xxviii] e o reproduzimos no nosso cotidiano, somos perversos, perseguimos pessoas que nos trata bem, cometemos crimes achando que não o são, tratamos os idosos como crianças débeis e sem história, exploramos até economicamente os idoso, há jovem que se acha superior e guia do idoso, se ele, nem mesmo ele, na juventude, dá conta de si” – então, estou de consciência limpa, fiz o que pude, fiz meu papel social, não é? [torna perguntar para legitimar-se]

Luto na faculdade tentando ser “lúdico” [risos, pois ele trocou a palavra que desejava dizer], “lúcido” para a acompanhar as aulas e raciocinar, refletir, sentir para aprender, e aprender a sentir nesse estado que me encontro, ainda que “apenas” sabendo, e quando começar esquecer, nem vou perceber que esqueço, simplesmente não recordarei nem mesmo de mim. [para e refletindo alto] Eu “descaro” [descarto?] o suicídio, não preciso apressar a vida, ela mesma irá me apressar, apressar não, irá me acelerar no momento certo, é a vida e é a morte. Tem hora que fico triste, outras com boa alegria, outras vezes exagero esses sentimentos, emoções, muitos desejos complexos e confusos, depressão e agitação eufórica. Vou dar uma opinião fundamentada que senti na sala de aula: fico com medo, mas como eu era falador, e levei meu diagnóstico de declínio para a escola, e por ela ser privada[xxix], tenho certeza disso, os professores me estimulam a falar, elogiam... Os colegas ficaram até mais afetivos comigo, sem dó e nem piedade, uma “raçazinha” excomungada [risos[xxx]]. Se fosse numa Federal a coisa ia ser outra, estou vendo professores dizendo “o que eu tenho com isso?” – dá “pra” rir para esse pessoal sem decência própria no trabalho, e para não ser injusto, universidade grandes tem esses problemas, as comunicações não se encontram em estado de tranquilidade. Mas, tem professor universitário que não sabe o que é inclusão, e quando sabem produzem desdéns. Não sabe a importância da Educação Especial na classe de graduação, curso superior, não sabe, não quer saber e não acredita, e se dizem desalienados, de oposição ao estabelecido – são reacionários, repetindo: são fascistas no cotidiano como em Foucault [ver nota de rodapé final: xvi] esquecendo de que esse sociólogo e filósofo francês coloca força na Pedagogia promotora de práticas educacionais questionadoras e enfrentativas – de resistência. Tem hora, que na “sala mesma”, me sinto frustrado ao pensar como ficarei. É como aquele brinquedo perigoso dos parques, a Montanha Russa, meu corpo e minha mente em altos e baixos, caio e me levanto, uma hora esse maquinário estraga, me joga de cima e eu morro, e ninguém vai noticiar ou se importar, só mesmo, talvez (risos) meus filhos. Assim, tem vez que antecipo meu próprio fim, que será inevitável para mim e pra todos os humanos, só para os vampiros que não (risos), eles vivem mil anos – e deve ser um saco isso, viver eternamente, nem pode acabar fisicamente consigo mesmo, o cara se joga do alto e não morrer, meu Deus, que horror [ele fala sem rir] – aquele filme com o Brad Pitt, esqueci o nome do diretor [risos, pois ele ama saber o nome dos diretores][xxxi]. Antes, estava esclarecido para mim, o que eu deveria fazer para ter sucesso “comigo mesmo”, e com os meus - ao meu redor, agora é um luto que se aproxima, [algo fenomênico] que um momento irá “pegar” [brecar] minha destreza mental e corporal, emocional, sentimental. Li o desespero daquele escritor argentino que “fui” [foi] ficando cego, o Borges[xxxii] – acho, o que ganhou o prêmio Nobel de literatura[xxxiii]. O desespero dele em ir ficando cego, e a cegueira chegando, ainda que ele tenha descrito ter trabalhado com essa problemática transformando o fel em mel. Tem mais casos dessas “travessias”[xxxiv], como você gosta de escrever parafraseando Milton Nascimento[xxxv], acho [referindo-se ao professor Hiran]. De um canto para outro, é um processo, não sou apenas eu, há um mundo fazendo travessias simbólicos e de efeitos concretos na vida. Há sempre uma perda, e nossa sociedade é cruel com quem perde: o cego não é deficiente, a sociedade é que é deficiente em não cuidar de todos os seus cidadãos dos modos mais diversificados singularmente que são, cuidar de cada cidadão. Não tem essa que é impossível. só é possível se toda sociedade e cultura, na história, tomar decisão de um mundo para todos e todas, reconhecendo as diferenças, sem negar a igualdade que nos nivela, que é a humanidade, como diz um artigo seu [referindo ao professor Hiran Pinel].

E a aprendizagem? [repete minha questão a ele]. Quando eu fiz Educação Física, passei no primeiro ano do ensino de segundo grau, mas entrei no final desse nível, não quis entrar na justiça, de fato já tinha sido aprovado quando estava na oitava série... A gente fazia para treinar, e sempre gostei de dar aula, e de Educação Física – fiz licenciatura e depois fiz bacharelado em uma escola privada, pois se dependesse da Federal tinha que fazer outro vestibular e se possível fazer mais 3 ou 4 anos de disciplinas – esse povo pensa que o mundo é deles, e não pensa nos trabalhadores, igual cursos de Matemática que entram 40 vagas e foram 2, e o colegiado acha lindo (risos). Esse pessoal se acha, pois o aluno em uma privada faz o curso junto com os colegas, todos se formam, e todos vão trabalhar dando aulas, e quem gostar de ciência façam mestrado e doutorado. Eu queria a profissão, de ler ciência para tornar-me melhor professor. Anos depois, agora, aqui no bairro (nome) e comecei um curso de Filosofia presencial, a distância não teria a riqueza das opiniões de um texto lindo, as reflexões, os delírios e alucinações de alguns colegas, e até de professores visivelmente malformados nesses mestrados [risos].

Entrar nesse curso significa organizar a Filosofia que sempre estudei, mas que carecia de ordem, de organização, pois sou agitadíssimo desatento, não vou me descrever nessa área, senão daqui a pouco, terei mais um diagnóstico – sempre fui, mas isso entra em Altas Habilidades e Superdotação. Antes, na Educação Física era uma maciota aprender seja com qual ensino fosse, agora tenho que ficar mais atento, até pela minha tensão com o diagnóstico [e clínica de achado] com declínio cognitivo leve, mas com sinais claros. Mas, isso é mais na escola, veja que aqui papeando com você, nessa conversa nossa, titubeei pouco, não é? [confirmo, e ele sorri satisfeito, se mexe na cadeira como se ajeitando, relaxando]. Hoje invento modos de ficar consciente, crio estratégias como ficar na frente, gravar para eu ficar escutando a aula. Tive que dar uma leve discussão com um professor que disse não autorizar gravar, e eu sei que eu posso, eu lhe disse: pode falar o que desejar, eu não vou usar gravação para condenar-te, é para eu aprender, pode falar mal do fascismo que eu falo também, pode ser até reacionário... eu quero são as aulas. As minha habilidades estão se desvelando, e tem hora que é parar e pensar: no vácuo eu me digo, “espera aí Senhor José-J... Preste atenção... Atenção, por favor”. Logo que fui descrito com Altas Habilidades, destacou-se a linguagem oral, a facilidade de dialogar, conversar, defender uma ideia – muito ligado ao texto, à escrita. Nem jovem, no meio da 4ª série do ensino ginasial, comecei desde cedo frequentar a universidade [nomeia a instituição] com a professora [diz o nome] do curso de Letras, um da comunicação [diz o nome] e um de cinema [diz o nome], mas fui em Oficinas de Artes, um Laboratório de Física, procurava ficar um tempo grande, mas a parte de dialogar e conversar foi um acerto dos testes, pois eu não tinha me percebido assim. Agora pressinto uma nova caminhada, não é de retorno, pois nunca fui deficiente mental ou intelectual, mas precisarei de ajuda escola, na universidade, minha faculdade é um centro universitário pequeno, e isso pode ser possível, no mais, na demência mesma, deverei estar em casa com familiares e cuidadores – a vida prossegue.

Quando me matriculei no curso de Filosofia eu estava bem e não me percebi em falhas, e quando percebi isso já estava adiantado no curso. Minha entrada era um sonho de agilizar minha mente, acho que estava adivinhando, queria começar a publicar artigos científicos na internet resgatando meu ofício associado com Merleau-Ponty que eu dominava bem (e, por ora, domino ainda). Há muitos pesquisadores em Educação Física em Maurice, o Ponty [risos, pois reduziu o sobrenome do filósofo, como seu íntimo]. Era um desejo de brilhar ainda, como fiz quando fui professor e pesquisador, mas sem organizar os dados, sem analisá-los e sem publicar. Hoje sinto que estou tendo pequenas vitórias, uma após outra, e olha que estou só no começo, quando estou motivado, não esqueço – esqueço muito nomes de pessoas, de celebridades, por exemplo. E sabe o que realmente me importa no meio desse meu drama pessoal?  O curso superior é um dispositivo de enfrentamento contra o implacável, sendo que eu, como herói, nesse caso, já nasci “me perdendo”, perdendo-me [como se ele se corrigisse]. O curso funciona à noite, eu fico ansioso para chegar e dialogar – acho que encho a paciência dos colegas e dos professores. Eu falo pra eles que estou chato assim devido ao problema de declínio cognitivo, e de que antes eu era mais tranquilo. Quando chego na sala de aula sinto-me “o cara do pedaço”, o “El príncipe de Bel-Air”[xxxvi], me sinto envolvido com a vida que pulsa em mim (estou poetizando mais uma vez, comenta – risos), engajado e consigo dizer ainda esse verbo engajar, então estou bem... O meu desejo é ser uma pessoa lúcida por ora, enquanto o Lobo Mau não bem..., a doença. Vez por outro minha ideia é de apenas sobreviver, viver sobre a vida, abafando-a, mas eu devo esperar mais aí avançar da doença, não colocar o carro na frente dos bois – como eu amo clichês.

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[i] Seguindo ética científica, modifiquei todos os dados que pudesse identificar o sujeito da nossa pesquisa o Senhor José-J

[ii] Trata-se de um “tipo” de prática educativa que é descrita como é um conjunto de ações intencionais e planejadas (executadas e avaliadas) de ensino e aprendizagem, realizadas por educadores em um ambiente específico, com o objetivo de promover a aprendizagem e o desenvolvimento humano e consciente crítico dos alunos – no caso de José-J focamos na cognição e corpo (co)movida pelo afeto, de um aluno com declínio cognitivo subjetivo - e depois leve. Ela se baseia em valores e saberes (sentires e agires), levando em conta a realidade dos alunos e a diversidade que se presentifica na sociedade, buscando a autonomia, sempre relativa, pois diante do outro - e formação de cidadãos críticos e atuantes. No caso envolveu a interação intersubjetiva e inter-humana professor/pesquisador e educando/ discente, com seus valores e crenças fenomenológico-existenciais que podem impactar, como teve efeitos positivos, aluno esse nosso foco potencial, todo esse processo visando a um projeto sonhado de pesquisa (ensino-aprendizagem) que vá além dos modelos tradicionais de ensino-aprendizagem, indo além nas posturas fenomenológicas de envolvimento existencial e distanciamento reflexivo, foca nos diálogos livres e abertos, e ao mesmo tempo ensino em tarefas cognitivas. Essa proposta se destaca por considerar o estudante como ser-no-mundo, jogado ao mundo social, cultural e histórico, e sem sua anuência, tratando-se aqui-agora de escolher e responsabilizar-se por isso, em movimento de “ser mais”, entregando-se aos sentidos de ser na amorosidade daquele encontro humanoEsse complexo processo envolve, de modo indissociado: o ensino, a aprendizagem, a relação íntimo-professor-aluno, a avaliação (do projeto e das propostas das aulas planejada), reflexão e novos planejamentos em ser-com.

[iii] O Atendimento Educacional Especializado (AEE) é um serviço complementar à sala de aula comum que visa atender às necessidades específicas de estudantes com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas habilidades/superdotação, com o objetivo de remover barreiras e promover a inclusão e aprendizagem desses alunos. Ele é realizado em salas de recursos multifuncionais ou em espaços adaptados, com o apoio de um professor especializado, que utiliza recursos pedagógicos e de acessibilidade para complementar a formação do aluno e desenvolver sua autonomia. NOTA: no caso do AEE do Senhor José-J, oferecemos “tipo” AEE, para fins de pesquisa, pois não foi dentro dessa perspectiva oficial, onde os materiais oferecidos foram os direcionados a quem tem Declínio Cognitivo, onde usamos materiais frontalmente cognitivos, inclusive, o sujeito da pesquisa tinha programas instalados no seu tablet – uma cognição e corpo (co)movidos pela metafórica e simbólica energia da afetividade, do afeto e do afetar.

[iv] Estamos preparando um artigo sobre essa nossa prática, nesse artigo, como bem verá o leitor, tem outro objetivo, mas isso não nos impede de tocar nessa nossa intervenção tão provocativa, ao nosso perceber do fenômeno.

[v] Em Bergson, a palavra "duração" (“la durée”) refere-se ao tempo vivido, contínuo e qualitativo, em oposição ao tempo físico, mecânico, medido e quantitativo que mensuramos com relógios e fitas métricas, por exemplo, tratando-se de uma “experiência vivida” (pré-reflexiva) real do tempo, que no “espaço vívido” (tenso, denso e intenso de vida fortemente vívida, pulsante), é indivisível e fluido, em que se funde momentos e sentidos, um atual com o anterior e o posterior, bem como com o que virá, movimentos indissociados apreendos pela intuição, por essa entrega afastada do que denominamos de lógica e lógico-formal (Pinel, Hiran. Método de Pesquisa Fenomenológico em Bergson. No prelo).

[vi] Dizemos que a educação especial é uma modalidade de ensino porque ela constitui uma forma específica de atendimento educacional que se diferencia do ensino regular, mas que integra a proposta pedagógica da escola regular. Seu objetivo é oferecer recursos e serviços para atender às necessidades de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento (TGD) e altas habilidades/superdotação, garantindo sua inclusão e acesso à educação em todos os níveis e etapas.  Características da educação especial como modalidade: Atendimento Educacional Especializado (AEE):  É um serviço de apoio que complementa ou, em alguns casos, pode até substitui o ensino tradicional para garantir uma boa experiência de aprendizado; Público-alvo:  Inclui estudantes com deficiência (física, sensorial, intelectual), transtornos globais do desenvolvimento (como o TEA) e altas habilidades/superdotação;  Abrangência: A educação especial perpassa todos os níveis de ensino, desde a educação infantil até o ensino superior, adaptando os recursos e métodos para atender a cada etapa; Recursos e serviços: Dispõe de materiais didáticos adaptados (como Braille), recursos tecnológicos, e profissionais capacitados (como professores especialistas e intérpretes de Libras); Caráter inclusivo:  Embora a educação especial ofereça serviços especializados, ela é feita preferencialmente dentro da rede regular de ensino, buscando a integração e o desenvolvimento das potencialidades de cada aluno no ambiente escolar comum, e nesse sentido, a inclusão implica em política pública de Educação, de política relacional, subjetividade e emissão de comportamentos (inclusivos), ética (quão bom é educar), estético (quão belo é educar), é filosofia, são atitudes etc. 

[vii] Natalie et al (2025) descrevem, que remédios para dormir aplicados em camundongos, como é o já popular Zolpidem, estão entre os medicamentos mais usados no combate à insônia, mas afirma de que esse psicofármaco se associa à doença de Alzheimer. Como ocorre isso? Os pesquisadores estudaram o impacto desse psicofármaco na saúde do cérebro a longo prazo. Trata-se de um estudo que indica que o uso prolongado desse fármaco pode estar ligado a alterações no sistema “glinfático” - a "faxina natural" do cérebro. Esse sistema atua principalmente durante o sono profundo, eliminando resíduos e proteínas que, quando acumuladas, estão associadas ao Alzheimer. Entretanto, o Zolpidem causa danos pois ele interfere na ação da norepinefrina, um neurotransmissor essencial para esse processo do cérebro de ser limpo, asseado. Dessa forma, a limpeza cerebral é atrapalhada, favorecendo o acúmulo de toxinas e aumentando as chances de Alzheimer. FONTE: NATALIE, L. Hauglund et al. Norepinephrine-mediated slow vasomotion drives glymphatic clearance during sleep. Cell PressVolume 188, Issue 3p606-622.e17February 06, 2025. Disponível em: https://www.cell.com/cell/abstract/S0092-8674(24)01343-6 Acesso: 01/10/2015

[viii] Em 2024 o consumo desenfreado e o uso abusivo do Zolpidem levaram a Anvisa a reclassificar novamente o Zolpidem como tarja preta, exigindo a receita azul para sua prescrição, independentemente da dosagem, e isso foi a partir de 1º de agosto. Deixamos de ter contado com o Senhor José-J logo no começo da pandemia da Covid-19 até o presente ano de 2015, ainda que tentemos contactá-lo, por isso não podemos dialogar sobre o uso do remédio que começou tomar logo ao final de 2018.

[ix] BATERIA FATORIAL CEPA: AUTOR: Diversos autores. Organizada pelo Departamento de Estudos do CEPA. INDICAÇÃO: Orientação Vocacional/Profissional, Seleção e Desenvolvimento Profissional. Avalia também a inteligência. Avaliação psicológica geral. OBJETIVO:  Com o uso da Bateria CEPA torna-se possível verificar o potencial individual para a realização de determinadas tarefas que dependem de aptidões específicas. INFORMAÇÕES TÉCNICAS: A Bateria CEPA oferece condições para uma investigação minuciosa e analítica da Inteligência Geral e de oito aptidões, tais como as designadas pelos fatores: (Fator) V Compreensão e utilização da linguagem; W – Fluência verbal; P – Atenção concentrada; N – Rapidez e exatidão de cálculos numéricos; R – Raciocínio abstrato; M – Evocação (memória) de estímulos auditivos e visuais; V – Percepção espacial; G – Inteligência geral. MAIS: Pelos resultados obtidos através da Bateria CEPA pode-se orientar estudantes na escola de cursos profissionalizantes, no prognóstico relativo à possibilidade de êxito nas profissões ou atividades, e ainda selecionar pessoal a partir de um perfil profissional previamente apresentado, avaliar a inteligência. APLICAÇÃO: Formas de aplicação: individual ou coletiva. Tempo de aplicação: aproximadamente 2 horas. Tempo de correção: 25 minutos. Idade de aplicação: a partir de 11 anos. Nível de escolaridade: correspondente a 3ª série do Ensino Fundamental. OBSERVAÇÕES: Os testes INV A (Inteligência Não Verbal), INV B e INV C podem ser aplicados também em analfabetos. O teste Sinônimo 2 deve ser aplicado somente em pessoas com o Ensino Médio completo

[x] A Escala Wechsler de Inteligência para Adultos (WAIS) é um teste psicológico padronizado que avalia a capacidade intelectual de adolescentes e adultos, medindo diversas habilidades cognitivas através de subtestes. O teste, desenvolvido por David Wechsler, é considerado um padrão ouro para avaliação e é usado em contextos clínicos, educacionais e neuropsicológicos para diagnosticar condições, planejar intervenções e entender o funcionamento cognitivo.  OBJETIVO E APLICAÇÃO: Avaliação da capacidade intelectual: O WAIS fornece uma medida da inteligência geral de um indivíduo; Contextos diversos: É empregado em avaliações clínicas, educacionais, neuropsicológicas e forenses; Identificação de habilidades:  Ajuda a identificar indivíduos com deficiência intelectual ou superdotação; Diagnóstico diferencial:  Auxilia na diferenciação de transtornos neurológicos e psiquiátricos que afetam a função mental. PRINCIPAIS COMPONENTES E ESCALAS: QI Verbal:  Avalia habilidades relacionadas à linguagem, como vocabulário, formação de conceitos e abstração verbal; QI de Execução/Perceptivo-Motor:  Avalia a capacidade de aplicar observações e realizar tarefas visuais-espaciais, como transpor figuras e organizar peças, dentro de um tempo limitado. ÍNDICES FATORIAIS: Além do QI total, verbal e de execução, a escala fornece quatro índices que detalham o funcionamento cognitivo: Compreensão Verbal; Organização Perceptual; Memória Operacional; Velocidade de Processamento. PÚBLICO-ALVO: O WAIS é destinado a adolescentes (a partir de 16 anos) e adultos, com a idade máxima de aplicação geralmente até 89 anos, dependendo da edição do teste; EDIÇÕES E EVOLUÇÃO: O teste foi originalmente publicado por David Wechsler em 1955 e já está em sua quinta edição (WAIS-5);  Cada edição, como o WAIS-III, apresenta dados normativos atualizados e procedimentos de aplicação aprimorados; IMPORTÂNCIA PARA PROFISSIONAIS: Instrumento essencial:  Psicólogos e neuropsicólogos utilizam o WAIS como um instrumento essencial para a avaliação neuropsicológica detalhada; Informações quantitativas:  O teste oferece dados quantitativos que permitem conclusões aprofundadas sobre o funcionamento cognitivo do indivíduo

[xi] O Teste TAT ou Teste de Apercepção Temática (TAT), é um teste projetivo, criado em 1930, de classificação (de teste) psicológico criado pelos: o bioquímico (e psicólogo) Henry Alexander Murray (1893- 1988) que assim era mais creditado como único autor, e depois, resgatada sua coautora com a artista e feminista de sua época, bem como psicanalisada por Jung e namorada (amante) de Murray, senhorita Christiana Drummond Morgan (1897-1967). O TAT foi criado, através de uma Psicologia da Personologia de Murray, para avaliar a personalidade (ou como denomino “a subjetividade na objetividade do e no mundo”) através da criação (ou invenção) de histórias a partir de imagens ambíguas, postas em pranchas, e mostradas, uma a uma ao sujeito, e uma delas se denomina “lâmina branca”. Na lâmina branca, assim procedemos (numa dimensão de pesquisa): com o mesmo pedido, diante dessa lâmina, mais ou menos: “a partir desse desenho nesse quadro de papel [que não tem desenho, uma folha de cartolina dura, branca] crie ou invente uma história com início, meio e fim, colocando pensamentos, sentimentos e comportamentos nos seus personagens”. As histórias revelam motivos, preocupações e a forma como o indivíduo vê a si mesmo, ao outro e aos outros, o mundo, em uma contextualização que o indica ser-no-mundo - em uma Psicologia que conecta necessidades internas e externa, as pressões que recebe e percebe do ambiente imediato e sócio-cultural e histórico, autoestima e a autoimagem, seu ser-aí na construção de seu projeto de ser (original) revelando modos de ser concretos de ser-no-mundo etc. Que fique claro, que na época, subvertemos o instrumento apenas para produzir pesquisa – e não negamos as validações do instrumentos, indispensáveis ao crescimento da ciência psicológica. Agimos com pedagogos que éramos, melhor, como pesquisadores da área da Pedagogia e da criação de práticas educacionais especiais inclusivas fenomenológico-existenciais.

[xii] COLODETE, Paulo Roque. Sobre meninas na tempestade; estudo de caso a partir de uma “inter(in)venção psicopedagógica” escolar e não escolar. Vitória: 2004. p. 219-512. In: COLODETE, Paulo Roque. “Klínica-ká-surfe”: Potência & políticas de expansão da vida-alegria nas diversidades e vicissitudes escolares e não-escolares. Vitória: 2009. Orientação, e assim em co-autoria: Hiran Pinel

[xiii] O começo dessa poesia, até popular, mas pouco memorizada, de fato é assim: “Eu tive um cão. Chamava-se Veludo. / Magro, asqueroso, revoltante, imundo. Para dizer numa palavra tudo/ Foi o mais feio cão que houve no mundo”.

[xiv] Esse é um texto poético do parnasiano brasileiro Luiz Guimarães ou Luís Caetano Pereira Guimarães Júnior. Ele foi um escritor, bacharel em Direito, jornalista e diplomata carioca (1845-1898). Ele escreveu o muito popular, nas escolas da época do José-J, o poema “História de um cão”.

[xv] e O original é assim escrito pelo poeta: “Estupefato, absorto, palpei-lhe o corpo / Estava enregelado. Sacudi-o. / Chamei-o. Estava morto.” (“História de um cão” de Guimarães Junior)

[xvi] ALVES, Rubem. Educação dos sentidos e mais... Campinas (SP:: Verus, 2005.

[xvii] NUNES, Antônio Vidal. Corpo, linguagem e educação dos sentidos no pensamento de Rubem Alves. São Paulo: editora Paulus.

[xviii] É bom, sempre recordar ao leitor, que o Senhor José-J, primeiro deu entrada no nosso Grufei como educando ou orientando educacional pela via dos Atendimentos Educacionais Especializados - AEE, fazendo a entrevista que resultou nessa narrativa. O texto dele é de 2018 - e não havia esses dados, que de fato aconteceriam depois de sua entrada. Depois desse texto pronto (e publicado em 2020), mas como deixamos evidenciado ao leitor, essa narrativa foi revista, ampliada e modificada em aspectos mínimos, mas potentes. Em documentos não consultados na primeira versão publicada (repetindo, em 2020), encontramos “essas” reflexões do depoente – por isso acrescentamos. No caso, é bom perceber o fenômeno do sentido do termo “durée” de Bergson – o tempo vivido é uma junção de tudo que se viveu, em José-J trata-se de uma urgência no ato intuitivo, e que se entrega com fervor, de atravessar forçadamente de um lugar (que o abandona: uma alta inteligência, o que o psicólogo lhe escreveu como ser “intelectualmente talentoso”) para um outro, o do esquecimento – e a o “desmesmoriar”, como ele diz em algum lugar de sua narrativa, será espaço frio, o gelo do descontrole. O Senhor José-J viveu no Grufei e a partir “dele-grupo”: [1] deu o depoimento sob forma de narrativa, que o pesquisador descreveu; [2] começou a participar das tarefas acadêmicas de estudos e leituras do Grufei (recordem de que ele já fazia Filosofia há mais de dois anos) do textos, chegou a participar do Facebook Grufei (que é fechado), bem como, e a tarefa mais repetida era ele [3] receber cuidados pedagógicos, via práticas educacionais especiais inclusivas fenomenológico-existenciais, práticas essas que compunham o que lhe oportunizávamos como AEE. Repetindo: nos documentos escolares posteriores, traziam pequenos discursos narrativos de José-J que trouxemos a lume, por considerarmos esclarecedores de seus modos de ser em ser-no-mundo e que pudessem dar mais pistas a uma Educação Especial na esfera do Declínio Cognitivo, DC (e das Altas Habilidades, HA) no ensino formal superior, e entender (e compreender) um estudante e educando em uma travessia [forçada ou indesejada] de um lado (AH) para o outro (DC).

[xix] “Se queres saber” é uma canção popular de Peterpan, gravada por Emilinha Borba (do tempo do senhor José-J, pois gravada, com sucesso, em 1947), mas que pode ser com Nana Caymmi.

[xx] Poderia esse texto ser entre aspas, já tem 6 meses, ele o discente conseguiu recordar.

[xxi] “Ser ou não ser, eis a questão”, a “fala” está descrita na narrativa da peça de teatro, do tipo tragédia, escrita entre 1599 e 1601, intitulada “Hamlet”, de William Shakespeare (1564-1616). Ela faz parte de um famoso monólogo em que o personagem, o príncipe Hamlet, reflete sobre a vida e a morte.  Hamlet é o protagonista, e a frase interrogadora aparece em um solilóquio, um discurso em que um personagem fala seus pensamentos em voz alta.  No monólogo, Hamlet contempla se seria mais nobre suportar as dificuldades da vida ou encontrar a morte e, assim, acabar com o sofrimento.  A reflexão aborda o dilema existencial entre viver e morrer, o medo do desconhecido e a hesitação em agir, mesmo diante de um destino cruel. Tudo a ver com o Senhor José-J, e creio que ele percebe isso, mas não refletirá, pois ele sabe que a esquecerá, “para não sofrer mais”, como no melodrama de “Se queres saber” que ele cita.

[xxii] Tipo tablet.

[xxiii] SELIGAMAN, Martin E. P. Desamparo; sobre depressão, desenvolvimento e morte. São Paulo: Hucitec, 1977. É um texto de experimentos de Psicologia, e relatos pessoais descritivos do autor; Seligman tem essa vertente descritiva, ainda que não possa ser descrito, de modo algum, como da vertente fenomenológica de pensamento, trata-se de um texto descrito, sensível, e em termos experimentais, que gerou o que se denomina “Profecias Autorrealizadoras” (Rosenthal e Jacobson) que passou a ser questionado por mais pesquisadores, como a renomada psicóloga brasileira Carolina Bori, da Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo.

[xxiv] José-J parece falar com desejo de provocar-me [com bom humor], pois disse-lhe tem pesquisas positivistas indispensáveis de ser lidas. No texto oferecido a ele, eu (pró)curo alguma relação, e de modo delicado e sutil, associar ao sentido do Desamparo Adquirido de Martin Seligam com o conceito de “Verfallen” ou “decadência” em Heidegger. Decadência, descrevo no meu texto, que sem dúvida alguma, pode ser relacionado ao conceito de “consciência ingênua” de Paulo Freire. Esse movimento, dessas três teorizações, pode gerar essa “sensação de desamparo que pode levar à depressão”, dependendo da análise. José-J comenta, em algum momento dos documentos que tenho dele e dos nossos atendimentos educacionais especializados, mas que não encontrei esse dado, mas isso ficou registrado na minha memória de educador, professor, pesquisador da Educação Especial & Saúde.

[xxv] O bordão presente no programa “Escolinha do Professor Raimundo”. Toda vez que o referido professor pergunta à sua aluna, algo que os espectadores sacam com teor sexual, ela, a discente, chamada Dona Bela, vira-se para a câmera e declara seu desejo, e por conseguinte, o do mestre, afinal a questão parte dele, e para dar o riso, tem um teor ambíguo, usando termos ligado popularmente à sexualidade: "ele só pensa ‘naquilo’!" Foi uma frase marcante da personagem interpretada pela renomada (e muito popular) atriz Zezé Macedo (1916-1999) – que brilhou só como coadjuvante, alcançando mesmo o estrelato no cinema e na TV. Já o professor é representado pelo famoso comediante Chico Anísio (1931- 2012). Dona Bela, justo por não ser socialmente bonita, ainda que a atriz fosse magra, elegante... e bela. O bordão era “falado” para acusar o seu professor de ser pecaminoso e desejoso por sexo e com ela. Dona Bela pareceria com o texto de Camões: “um fogo que arde sem se ver que é um soneto de Luís Vaz de Camões (1524-1580), publicado na segunda edição da obra Rimas, lançada em 1598.

[xxvi] “Uma pessoa só pode ser considerada ‘gênio’ após ter deixado um legado de inovação e de criação considerável” (Lamb e Duarte, 2020; 19), in “Cartilha sobre Altas Habilidades/ Superdotação”. FADERS Acessibilidade e Inclusão, ago.; 2020. Gov. do RS.).

[xxvii] Realmente o parecer psicológico, com os nomes dos testes aplicados, os resultados altíssimos de todos eles e o diagnóstico final “altamente talentoso”, sem as iniciais maiúsculas.

[xxviii] Para Michel Foucault, o "fascismo do cotidiano" se refere a uma forma de poder e dominação que não se restringe apenas ao Estado, mas se manifesta nas microrrelações do dia a dia, moldando nossos comportamentos, desejos e o próprio corpo para se tornar "dócil". Combater esse fascismo exige uma ação micropolítica constante, que envolve a proliferação de pensamentos e desejos heterogêneos, a crítica ao conformismo e a recusa em se apaixonar pelo poder. In: “Introdução à vida não fascista” de Michel de Foucault, texto lido no Grufei. Trata-se de uma introdução para o livro “O Anti-Édipo“- de Deleuze & Guattari.

[xxix] Torno recordar ao leitor, sendo didático repetitivo para evitar confusão: a narrativa de José-J foi nos oferecida, após um dia do diagnóstico de declínio cognitivo, e assim foi publicada em 2020, mas em 2025 encontramos documentos dele de nossos Atendimentos Educacionais Especializados, onde anotávamos, além das tarefas desenvolvidas, nossas conversas com ele, por isso, a narrativa atual (de 2025) é mais completa e subverte se comparada à primeira, com menos dados.

[xxx] José-J parece dizer o modo como os professores “o aceitam” por estarem em uma escola privada e dependentes de agradar ao aluno, para agradar ao sistema, senão são demitidos – mas, ao mesmo tempo, esse parece ser o real motivo, ele quer destacar o lado positivo disso tudo: estão ao lado dele, dando a ele o melhor do processo ensino-aprendizagem. Ele se refere também aos colegas, dando sentido parecido: temos de aceitar e apoiar o colega. José-J exercia uma liderança positiva na sala de aula universitária.

[xxxi] Trata-se do filme “Entrevista com o Vampiro”, estadunidense, de 1994, dirigido por Neil Jordan, baseado no romance homônimo de Anne Rice , de 1976 , e estrelado por Tom Cruise e Brad Pitt e outros.

[xxxii] Jorge Luís Borges (1899-1986), argentino, ficou progressivamente cego desde a infância devido a uma condição genética hereditária da retina, perdendo totalmente a visão em torno dos 55 anos. A cegueira foi um processo gradual que durou mais de meio século, e, ao contrário do que se poderia esperar, transformou-se, talvez um “modo de ser alternativo resistencial” para o escritor. Essa experiência vivida acabou inspirando sua obra e o tema não se escondeu.  Borges enfrentou a cegueira, vendo-a como um presente que tinha lá suas virtudes, ele experimentou “ver” e ir ficando “cego”, dois experienciares em travessia, nesse sentido, como José-J, mas que em Borges não tem o teor de perda da vida física e mental.  A cegueira foi reinterpretada por ele, mas sabedor de que vivia em uma sociedade dominante focada no “olhar” e ou “no ver”, e pouco no “sentir sensações de sentidos”. O seu ser cego lhe presenteou com novos e provocativos-ser-no-mundo dos conhecimentos literários, dos idiomas - lendo mais e mais, entretanto, segundo li, ele não aprendeu o método Braile – não desejou isso, já que aprendeu outros idiomas. A cegueira e seus efeitos estão em seus contos e poemas, ampliando sua riqueza de ser-no-mundo da literatura e poesia mundialmente famoso. A ansiedade, essa sim o contaminou por algum tempo, e ele a transformava em produção literária ficcional e não-ficção (ensaios, ele era professor universitário) – diz dados sobre ele que pressenti em seus textos.  Fazendo prevenção para futuros problemas, Borges foi criando vínculos humanos de qualidade para cuidar dele nos registros seus textos literários, ditando suas obras para sua mãe, amigos e assistentes (aí precisou pagar), com o finco de que transcrevessem sua produção. Nesse contexto, o poeta (pró)curou adaptar-se, tendo o “espírito inclusivo” (estou inferindo, sempre] de quem o rodeava, e ele mesmo sabedor da inclusão. Como o o Senhor José-J, Borges fez uma travessia entre um lado (olhar, enxergar “com os olhos”, ver) para o outro (ficar cego, “desver” com os olhos, mas não com a mente que viu, e que ficou na memória), mas tendo a consciência de si e do mundo. Já José-J será diferente, talvez mais dramático, um tango argentino, mais melodramático, como em Manuel Bandeira (1886-1968), na poesia “Pneumotórax”: “Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos. /-/-/ A vida inteira que podia ter sido e que não foi. /-/-/ Tosse, tosse, tosse. /-/-/ Mandou chamar o médico: /-/-/ - Diga trinta e três. /-/-/ - Trinta e três… trinta e três… trinta e três…  /-/-/ - Respire. /-/-/ ………………  /-/-/ - O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado. /-/-/ - Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? /-/-/ - Não. /-/-/ A única coisa a fazer é tocar um tango argentino. ”/-/-/ [no livro: Libertinagem] O método fenomenológico, em um dos seus modos de praticá-lo, acaba pontuando um fato, o de que a arte (poesia e literatura) pode (des)velar parte do real dos modos de ser do ser-aí encarnado de ser-no-mundo de José-J, que resiste enquanto tem vivo seu projeto de ser que caminha para um viver intuitivo onde o tempo tem um sentido de urgência, que ele vive com ansiedade, dando novos significado ao tempo de viver sua vida, algo mais diferenciado, um tempo fora dos relógios da parede.

[xxxiii] Borges nunca ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, embora tenha sido indicado em várias ocasiões. 

[xxxiv] Não uso o termo “travessia” recordando minimamente em Milton Nascimento, é um termo muito usado em fenomenologia: a filosofia fenomenológica faz uma metafórica travessia do seu lugar de nascimento (Filosofia) para a Pedagogia e as práticas educacionais inclusivas fenomenológico-existenciais ou seja, parte de um lugar de origem para um outro totalmente diferente cujo “fenômeno” ou objeto de estudo, pesquisa e ação é totalmente diferente da Filosofia, o mesmo ocorre quando essa Filosofia originária, como um iate de luxo, atraca na Psicologia, com objeto diferenciado, ou como gostamos de dizer: “fenômeno diferenciado” de estudo, pesquisa, intervenção. A Filosofia cede conhecimentos para as práticas educacionais (“fenômeno da Pedagogia”, uma das Ciências da Educação) e a subjetividade e comportamento (fenômeno da Psicologia).

[xxxv] “Travessia” aqui, para José-J., é um título da canção com Milton Nascimento, cantoe e compositor, que viver uma fase atual (2025) de Declínio Cognitivo, vale a pena comentar, para trazer o sentido de humanidade do ser humano como ser-no-mundo. O poeta “fala” do atravessar o amor e a separação dele (do amor), que por ele é vivido como se fosse do dia para a noite, e sem perceber, sem sofrer. Idealmente é alguém separar da gente, sem que sintamos, e nem soframos. De certo modo, o artista mineiro Milton, está fazendo uma travessia, sempre fazemos: “Após compartilhar o diagnóstico de demência por corpos de Lewy de Milton Nascimento em uma entrevista para a Revista Piauí, Augusto Nascimento, filho [adotivo, já adulto] do cantor, publicou um desabafo emocionante em suas redes sociais na tarde dessa quinta-feira (...) [NOTA: Corpos de Lewy são depósitos anormais de uma proteína chamada alfa-sinucleína que se forma nas células nervosas do cérebro, causando a morte delas e levando à Demência com Corpos de Lewy algo ligado "também" ao Declínio Cognitivo Leve, DCL) e/ou à Doença de Parkinson, uma condição neurológica progressiva que afeta o pensamento, o movimento, o comportamento e o humor, pode recusar a comer, a tomar banho, problemas nos olhos – dentre outros. Os sintomas incluem alucinações visuais, problemas de movimento, alterações no estado de alerta, depressão e ansiedade]. RETORNO AO TEXTO: “No final do ano passado, comecei a notar alguns comportamentos diferentes do meu pai, mas nada que fosse alarmante. De lá para cá, fomos levando a vida normalmente, ainda que com uma preocupação sempre existente, mas com ele recebendo inúmeras homenagens, sendo ovacionado, vibrando, cantando, sendo tema de desfile no carnaval, e por aí vai. Com o tempo, as alterações foram se acentuando. […] Tem sido uma batalha diária, uma dor intensa e um vazio enorme no peito, pois, alguma forma, o meu melhor amigo está me deixando aos poucos. Em alguns momentos, enquanto assisto televisão com ele, em meio ao silêncio, ele puxa e segura a minha mão. Também tem sido comum que ele só aceite fazer algumas refeições, quando eu estou ali o incentivando... acho que essas têm sido as maneiras dele me dizer o que em alguns momentos ele não vem conseguindo expressar através das palavras. Venho tentando retribuir todo o bem, o amor, cuidado e carinho, dando o máximo de dignidade e conforto que ele pode e merece ter nesse momento. Desde o momento em que o universo nos colocou um no caminho do outro, somos inseparáveis e invencíveis, e seguiremos assim enquanto estivermos juntos nessa vida. Peço respeito e compaixão de todos nesse momento tão delicado. Eu te amo e sempre amarei, paizinho”, escreveu ele. Essa demência no cérebro, afeta funções cognitivas, motoras, comportamentais (e afetivas). Fonte: https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2025/10/02/meu-melhor-amigo-esta-me-deixando-aos-poucos-filho-de-milton-nascimento-fala-sobre-demencia-do-pai.ghtml

[xxxvi] “O Jovem Príncipe de Bel-Air”, onde o “príncipe” se refere a um personagem pobre e plebeu que vem morar na casa dos tios milionários. Bel-Air é um bairro elegante e luxuoso bairro de Los Angeles nos Estados Unidos – família de pretos, e mesmo sendo ricos, sofrem preconceitos e outras efervescências de estigmas, estereótipos e discriminações.  Como arte, trata-se de uma sitcom (ou "comédia de situação") americana criada por Andy e Susan Borowitz, produzida por Quincy Jones e exibida originalmente pela rede NBC, de 10 de setembro de 1990 até 20 de maio de 1996. A obra compôs a cultura pop da época.