METODOLOGIA
DE VIKTOR FRANKL EM DETALHES
Escrever um livro não é
muito; saber viver é mais; seria muito mais escrever um livro que ensine a viver.
Seria muito mais ainda viver
uma vida que mereça
ser relatada em um livro (Viktor Frankl, 1974/2003, p. 261).
[...] Frankl exprime
que a fenomenologia constitui a
escola de pensamento que mais propriamente pode inserir-se no horizonte da vida
concreta, entendimento que novamente o aproxima da concepção heideggeriana [grifo nosso] – já que também Heidegger
valeu-se da fenomenologia como modo de interpretação do homem na condição em
que se encontra “antes de tudo e no mais das vezes”, isto é, a cotidianidade (a
vida fática). Diz Frankl (2011, p. 89): “o que precisamos fazer é nos voltar
para o modo através do qual o homem comum, o homem da rua, experimenta os sentidos e os valores e traduzir tais experiências em linguagem
científica. Um empreendimento dessa natureza, eu diria, é, precisamente, o
que deveria ser levado a cabo por aquilo que chamamos de fenomenologia”. A fenomenologia
seria, então, a ponte entre a reflexão
especializada e a realidade vivida (Lima Neto, 2019, p. 24, grifo nosso).
A logoterapia e Análise Existencial pode ser
compreendida como uma abordagem da psicologia clínica alicerçada na fenomenologia, no humanismo e no
existencialismo [grifo nosso] (Aquino, 2020, p. 1, grifo nosso).
A única forma, segundo Frankl (2019a) de não reduzir o amor seria
através de uma ANÁLISE FENOMENOLÓGICA, constituindo um dos aspectos da
autotranscendência humana (Brunetti; Sá, s/d, p. 1, destaque nosso).
Frankl refere-se a uma análise
existencial (e ou análise fenomenológica) não só como modo de terapia da
Logoterapia, mas, podemos inferir como um modo de discutir os dados coletados das
pesquisas, um modo de analisá-los, interpretá-los. Quando Frankl publica um
caso clínico, e revela o que “disse” ao paciente, ele faz um modo de analisar a
existência da pessoa que está sob a égide da Logoterapia, e ao mesmo modo, pode
ser um modo de fazer pesquisa fenomenológica, analisando os dados, no caso, a
discursividade do sujeito que procura cuidados clínicos (Pinel, 2012, p. 1,
grifo do autor).
Um "processo de descoberta do sentido"
é a meta do terapeuta e do pesquisador - isso em Frankl. (...) O que o
pesquisador fará no seu relatório final da investigação frankliana? O cientista
analisará os dados coletados, o que, de modo tradicional, se denomina de
“resultados” (aqui se apresenta os dados, um depoimento, por exemplo) e a
“discussão dos dados” (análise do depoimento). E como ele descreverá? O
pesquisador executará seu texto científico descrevendo e (des)velando o “que é”
e do “como é” ser humano no mundo, e isso o leva a produzir uma (des)coberta do sentido [grifo nosso],
descobrir o sentido da vida é uma das contribuições dessa pesquisa
fenomenológica proposta por Frankl. Ele então recomenda, como primeiro passo da
pesquisa, a utilização de diários, depoimentos, narrativas, contação de causos
- tudo descrito, ou como escreveu: para esse tipo de pesquisa o melhor é
utilizar de "material biográfico"
(FRANKL, 1990, p. 22; 1991; p. 123)
acerca da vivência de sentido. (...) No seu livro "Em busca de
sentido" ele faz um longo depoimento acerca da sua própria experiência
vivida-sentida, autodescrição do que
estava sendo experienciado. Ele estava nos campos de concentração nazistas,
que era um espaço-tempo de onde inventou seus discursos e ou teorias. Na dor,
talvez como transcendência [grifo
nosso] daquela dor sentida, ele começou
a produzir ciência, a cuidar dos seus companheiros existenciais mais
doloridos. (...) A partir daí, dessas descrições, defendemos de que o sentido
(da vida) pode ser localizado ENTRE uma "experiência-surpresa" e uma “percepção gestáltica” [grifo nosso], que na terapia, leva ao
paciente a criar uma ação. De modo
sensível e provocador, de repente, não mais do que de repente, emerge um significado do viver diante da nossa percepção (...) [isso é algo que]
(co)move nosso organismo e (nosso) corpo, alma, mente, espiritualidade - o
ser-no-mundo (Pinel, 2012, p. 1, grifo
do autor).
Frankl (1990) nos
descreve que para validar uma pesquisa
existencial [grifo nosso] é só o pesquisador "ir às coisas mesmas" [grifo nosso]. Ele é um cientista que lê
e relê. Ele se torna sensível do vivido, aos dados coletados e agora descritos.
Frankl assume que recorreu, como instrumento de coleta de dados, à sua autobiografia do seu vivido em campos de
concentração [grifo nosso] - sua experiência ali, naquele tempo, e espaço.
a descrição é compatível com a realidade
vivida. Dessa descrição fidedigna do
"experienciado", Frankl produz uma teorização de uma psicoterapia
- e ela própria. Assim, a autobiografia (o dado coletado e agora descrito) válida
a teoria, e a teoria é validada por encontrar referências, respaldos ou
fundamentos compatíveis com a experiência descrita. Síntese: foi a experiência vivida de Frankl, agora
descrita, que o levou a criar a Logoterapia, que foi validada pela descrição
autobiográfica [...] uma pesquisa descritiva de uma experiência pode levar ao pesquisador a (des)cobrir algo, e
cientificamente, será a experiência
perfeitamente descrita é que validará esse (des)velar de uma proposta teórica
nascida da prática (descrição tal
qual foi o real) (Pinel, 2012, p. 1, grifos do autor).
O método
fenomenológico aí, aparece como “tentativa de descrição [grifo nosso] do modo como o ser humano entende a si
próprio, do modo como ele mesmo
interpreta a própria existência, longe
dos padrões pré-concebidos de explicação, tais como os forjados no seio das
hipóteses psicodinâmicas ou sócio-econômicas” (Frankl, 1988, p. 7, grifo
nosso).
[...] para ele [ser
humano] a vida é uma série de situações nas quais ele é colocado e às quais
precisa enfrentar de uma forma ou de outra, dependendo da circunstância; essas situações em cada caso têm um
sentido bem determinado, que tange unicamente a ele e que o requisita. E a
compreensão originária que ele tem de si mesmo diz-lhe que ele precisa empenhar
tudo para descobrir esse sentido. A fenomenologia apenas traduz essa
compreensão a linguagem científica;
ela não forma conceitos de valor a respeito de quaisquer fatos, mas constata
como o ser humano comum vivencia os
valores. A logoterapia [pautada na fenomenologia] então retraduz o conhecimento elaborado pela
fenomenologia, referente às possibilidades de encontrar sentido na vida, para a linguagem da pessoa simples e
comum, para capacitar também a esta a encontrar sentido na vida (Frankl, 2007,
p. 90-91, grifo nosso).
Ao adotar uma metodologia fenomenológica, a logoterapia se
fundamenta na metodologia fenomenológica
como ciência e a própria intervenção (...) procura exprimir a autocompreensão
do homem em termos científicos (Frankl, 2011, p. 16, grifo nosso).
A análise
existencial é uma [..] compreensão da existência. Com a única diferença de que
nós não deixamos de considerar o fato de a existência, de a pessoa, também
explicitar a si mesma: ela se explicita, ela se desdobra, ela se desenrola, e,
em verdade, na vida em seu transcurso. Tal como um tapete desenrolado revela
seu padrão inconfundível, deduzimos do curso da vida, do devir, a essência da
pessoa (Frankl, 2014, p. 57).
[...] análise existencial não designa apenas
uma explicação da existência ôntica[1],
mas também uma compreensão ontológica[2]
daquilo que é a existência. Nesse sentido, a análise existencial é a tentativa de uma antropologia psicoterapêutica, de uma antropologia que é anterior a toda psicoterapia, não apenas à
logoterapia; pois, se podemos acreditar em F. W. Foerster, a análise existencial “não é apenas um
complemento à psicoterapia, não, ela é a sua base espiritual imprescindível”
(Frankl, 2014, p. 57, grifo nosso).
Em linhas gerais, a Logoterapia,
como grande parte das teorias existenciais, não defende a classificação do ser
humano em termos de traços ou tipo de personalidade, já que compreende o ser
humano como um contínuo vir-a-ser [...].
Nessa perspectiva, [...] a Logoterapia propõe a visão do ser humano como
um ser dinâmico [que sempre abre fendas por onde passa]. A pessoa
é constituída por
caráter e temperamento, podendo,
ainda assim, opor-se
a eles (antagonismo noopsíquico[3]),
ampliando a visão acerca da estrutura do sujeito como um ente meramente
estático (Aquino, 2019, p. 51).
Boss insiste que o que
a ciência considera ser um respeitável vocabulário científico é uma usurpação
da palavra "científico". É preciso usar as palavras que melhor
descrevem os fenômenos, e não ser limitado por uma tradição autoritária. Novas
perspectivas científicas comumente exigem um vocabulário completamente novo,
assim, não é surpreendente que muitos escritos existenciais soem estranhos e
esotéricos para aqueles que foram criados com a visão de mundo científica do
século XIX. Como acontece com as novas formas de música e de arte, a
dissonância criada pelo vocabulário existencial será gradualmente reduzida e
desaparecerá" (Hall e Lindzey, 1987, p. 89).
A fenomenologia é uma descrição do modo como o ser humano entende a si
próprio, do modo como ele próprio interpreta a própria existência, longe dos
padrões preconcebidos de explicação, tais como os forjados no seio das
hipóteses psicodinâmicas ou socioeconômicas. Ao adotar uma metodologia fenomenológica, a Logoterapia [...] procura exprimir a autocompreensão do homem em termos
científicos (Frankl, 2011, p. 16, grifo nosso).
O leitor poderá notar
neste trecho [de um discurso diagnóstico clínico existencial da paciente Ellen
West do terapeuta Ludwig Binswanger] um estilo de escrever que é característico
da análise fenomenológica
[grifo nosso]. A terminologia técnica está [quase] ausente, exceto pelas
palavras Umwelt, Mitwelt e Eigenwelt[4]
[grifo nosso], mas estas só parecem técnicas aos leitores de língua (...)
[portuguesa] porque elas são palavras estrangeiras. Nota-se também o uso de um
vocabulário evocativo, quase poético. Tais imagens parecem muito distantes do
vocabulário sóbrio, comum e mesmo esmerado, comumente empregado na exposição
científica. É preciso ter em mente que o existencialismo sempre manteve fortes
laços com a literatura e que um dos seus antepassados, Nietzsche, foi tanto
poeta quanto filósofo. De fato, a literatura sempre foi e terá de ser
existencial, pois ela lida como ser-no-mundo. A literatura é psicologia com a
diferença de que a literatura é ficção, enquanto a psicologia é ou deveria ser
factual. A diferença é entretanto trivial" (Hall e Lindzey, 1987, p. 89).
Quando,
nós, os cientistas da fenomenologia-existencial vamos a campo coletar (e ou
produzir) dados científicos, percebemos algo provocador. Antes de nós,
estiveram "lá-no-campo" (e estão) as artes, as literaturas, as
poesias, as danças, os gestos delicados e refinados, as ilusões, sotus, fish
upon sky, a costureirinha, os raciocínios e modos alternativos de solucionar os
problemas que aparecem na vida-vivida etc. Serão as expressões, as mais
inusitadas, que vão configurando uma cartografia existencial que pode
configurar um erótico jogo de corpos vívidos de sentido, algo como o prazer de
ser pessoa e o sentido da vida. Nesse cotidiano existencial, que não é o banal,
mas o (cotidiano) artístico é espaço-tempo em que o fenomenologista,
profissional da ciência, na angústia própria de ser, vai coletar e/ou produzir
dados. Trata-se assim um cotidiano como um lugar rápido-lento-atroz, de rara
boniteza, onde o projeto de ser sartreano autoriza sair de um fundo, diversas
figuras impregnadas de subjetividade e valores humanos, as mais diversas e
diferenciadas, positivos e negativos - dois pólos interligado. Emerge (do
Fundo) positividades (Figuras), e não só com rosto de sofrimentos, as dores, as
alienações etc., e é onde há o nada e ódio, mas, daí mesmo, dessa figuração,
que aparecem de sentido pequenas pedras de diamantes brutos. Uma das tarefas do
pesquisador fenomenológico diante da pedra preciosa da primeira vez, é a de cuidadosamente lapidar com o finco de
(des)velar o sentidos e significados de ser-no-mundo, apontando o "que
é" e "como é" ser, e ao final, nascendo de um Fundo, irrompe uma
tese descrita com refinado rigor. Esse desvelar, nunca definitivo, nunca
completo e nem sólido, pontuam essências que aparecem possibilidades de
aprender, crescer e respirar a vida. Todo esse processo vivido pelo cientista
mostra uma autorizada disposição indica algo que será percebido. [...] são
descobertas científicas de relevância psicológica, social e educacional, que
pode impactar as práticas da Pedagogia escolar, hospitalar, social etc;, da
Psicologia, da Psicopedagogia etc., marcas as subjetivações dos ledores e
estudiosos de uma pesquisa nessa esfera
(Pinel, 2022, p. 31).
[1] "Existência ôntica': Ôntico (do grego ὄν, flexão ὄντος: "do que é")
é existência física, real e factual. Refere-se à dimensão concreta e específica. Para Frankl
somos mais do que isso, somos ontologia, somos mais, somos ser pensante, que
reflete, imagina, cria... Fonte:
[2] Compreensão ontológica: compreender a profundidade do ser,
ir além das aparências, sair da superficialidade. E,m Pinel (2020) encontramos
que uma ontologia que pesquisa a natureza da realidade e da existência (o ser,
ser-no-mundo), e assim, uma compreensão
é ontológica quando, do ponto de vista filosófico e psicológico, aborda
questões relacionadas ao ser, interroga, problematiza, procura caracterizar,
afirma. É uma busca por compreender o
ser-no-mundo em sua "essência existencializada" (sempre
fixa, mas próximo de se tornar efêmera e volátil, pois a vida prossegue com
novas aprendizagens". A
proposta (Pinel, 2020) é produzir uma travessia muito além das aparências, em
uma ação de sair buscando os possíveis fundamentais que governam e (co)movem o
ser em seus modos de ser, como ser-no-mundo. Exemplo: O que é ser
imigrante? Como é pesquisar ser imigrante e eu estar sendo expulsa do meu lar?
Como estudar ser imigrante em um país, minha nação, que na escola sou expulsa
pela violência? Qual a relação do ser imigrante quando seu espaço e tempo?
[3] Trata-se de uma capacidade do ser-no-mundo em produzir
novos vir-a-ser transcendendo aos condicionamentos psicofísicos, as
adversidades, vicissitudes. Descrevemos um espírito capaz de tal realizar esse
movimento de superar ou sobrepor aquilo que é uma barreira um anteparo.
[4] Umwelt, significa o mundo
ao redor, o mundo biológico, a natureza, catástrofes, árvores, pedras,
monções etc. Já Mitwelt, significa mundo
dos seres humanos - o outro, os outros. Já Eigenwelt, é mundo próprio (o
"si-mesmo"). Os três mundos interligados compondo um complexo mosaico
de ser do ser-no-mundo.