sexta-feira, 19 de setembro de 2014

VIKTOR FRANKL, ESBOÇO PSICOBIOGRÁFICO

Hiran Pinel

Viktor Emil Frankl (1905-1997) foi psiquiatra, pedagogo (educador/professor) e psicólogo austríaco, de origem judaica, de marca fenomenológica e existencial sócio-histórica, ou seja:

1) focava a subjetividade humana (sua interioridade) e trazia marca de Friederich Nietzsche (1844 -1900), Bento de Espinosa (1632-1677) e Arthur Schopenhauer (1788-1860): Fenomenologia (do grego phainesthai - aquilo que se apresenta ou que se mostra - e logos - explicação, estudo) afirma a importância dos fenômenos da consciência, os quais devem ser estudados em si mesmos – tudo que podemos saber do mundo resume-se a esses fenômenos, a esses objetos ideais que existem na mente, cada um designado por uma palavra que representa a sua essência, sua "significação".

(2) considerava o ser humano como existente na sua incompletude e capacidade de nunca repetir-se como ser humano: O existencialismo é uma doutrina ético-filosófica e literária que destaca a liberdade individual, a responsabilidade e a subjetividade do ser humano. O existencialismo considera cada homem como um ser único que é mestre dos seus atos e do seu destino. O existencialismo afirma a prioridade da existência sobre a essência, segundo a célebre definição do filósofo francês Jean-Paul Sartre: "A existência precede e governa a essência": a essencia é existencializada; ela é frágil; não é sólida; não é definitiva. Essa definição funda a liberdade e a responsabilidade do homem, visto que esse existe sem que seu ser seja pré-definido. Durante a existência, à medida que se experimentam novas vivências redefine-se o próprio pensamento (a sede intelectual, tida como a alma para os clássicos), adquirindo-se novos conhecimentos a respeito da própria essência, caracterizando-a sucessivamente. Esta característica do ser é fruto da liberdade de eleição. Sartre, após ter feito estudos sobre fenomenologia na Alemanha, criou o termo utilizando a palavra francesa "existence" como tradução da expressão alemã "Da sein", termo empregado por Heidegger em Ser e tempo.

(3) o ser é no mundo; ele se faz também marcado por esse mundo: O “ser-aí” ou “ser-no-mundo” é a tradução portuguesa do termo alemão Dasein. É um termo muito usado no contexto filosófico como sinônimo para existência, existir. Existir é no mundo. Mas o que mundo? Mundo é contexto sócio-histórico, político etc.

“A humanidade tem toda uma história para comprovar como os caminhos das pessoas com deficiência tem sido permeia (dores) de obstáculos, riscos e limitações. O que observamos é o quanto tem sido difícil a sobrevivência do ser, seu desenvolvimento e sua convivência (consigo mesmo e para com a sociedade). Pessoas nascem com deficiências em todas as culturas, etnias e níveis socioeconômicos, e de “perto são pessoas” (gente como a gente): o que é humano não nos pode ser estranhos e se olharmos bem, também portamos temporária ou definitivamente nossos déficits. Todos somos diferentes e temos o direito de expressar nossas diferenças, sem que por isso soframos humilhações, rejeições, impedimentos...” (PINEL, 2002, p, 1-2).

Ainda adolescente, sentiu um vivo interesse pela Psicanálise. Em 1921 escreveu um primeiro trabalho: "Sobre o significado da vida".

Fazia parte da Juventude trabalhadora socialista em Viena.

Escreveu como trabalho final na conclusão dos estudos secundários, em 1923, “Sobre a Psicologia do Pensamento Filosófico (uma monografia de orientação psicanalítica sobre Arthur Schopenhauer)”.

Iniciou suas primeiras publicações na seção juvenil de um diário local. Manteve correspondência com seu ilustre compatriota Sigmund Freud. Este acolheu com interesse seu ensaio “Sobre os movimentos da mímica de afirmação e negação" o qual, foi por ele encaminhado para publicação no “Jornal Internacional de Psicanálise" em 1924.

Apesar de viverem na mesma cidade, Frankl somente em 1925 encontrou-se pessoalmente com Freud. No entanto, preferiu seguir a corrente psicanalítica dissidente fundada por Alfred Adler. É no jornal da corrente adleriana, o "Jornal internacional de psicologia individual" que ele publica naquele ano “Psicoterapia e visão do mundo", explorando a questão filosófica dos significados e dos valores.

Nas conferências que pronunciou em congressos em Duesseldorf, Frankfurt e Berlim empregou pela primeira vez a expressão "Logoterapia". Então, o rumo que tomou dentro do movimento psicanalítico determinou sua expulsão do círculo adleriano.

Interessando-se mais pela medicina psicossomática, Frankl teve o apoio financeiro do professor de Anatomia e membro do conselho de Viena, Julius Tandler, para a fundação, em 1928 e 1929, de postos assistenciais de ajuda e aconselhamento para a juventude, um projeto ligado a sua atividade socialista. Neste projeto, organizou um programa de aconselhamento tão bem sucedido que aquele ano, pela primeira vez, não ocorreu suicídio de estudantes em Viena. Esse projeto o fez internacionalmente conhecido.

Logo que concluiu o curso de medicina, em 1930, passou a trabalhar como assistente na clínica psiquiátrica da universidade, e em seguida no hospital neurológico Maria Theresien Schloessl.

Trabalhou no hospital psiquiátrico Am Steinhof, e então, em seu trabalho no tratamento de mulheres que haviam tentado o suicídio teve sua atenção voltada para a questão do sentido de viver e da vida sem significado.

De 1933 - 1937 Frankl é chefe do pavilhão de mulheres com tendência de suicídio, no Hospital Psiquiátrico de Viena, com atendimento de cerca de 3.000 pacientes por ano.

No seu trabalho "Filosofia e Psicoterapia: sobre a fundação de uma análise existencial", de 1939, ele cunha a expressão "análise existencial".

De 1940 a 1942, Frankl foi encarregado do departamento de neurologia do hospital judeu Rothschild, em Viena. Vê-se obrigado a fazer diagnósticos benignos, a fim de salvar os pacientes judeus de serem liquidados pelos nazistas. Publica artigos em jornais suíços e começa a escrever o livro “O médico e a alma".

Frankl pertencia à corrente judaica socialista marxista, justamente a classe de judeus mais odiados por Hitler.  Porém, apesar do perigo iminente de ser preso, e de ter um visto para imigrar para os Estados Unidos, decidiu ficar na companhia de seus pais.

Casou em 1942, e no mesmo ano foi enviado com a família para um campo de concentração, onde seus pais e a sua mulher morreram.

Durante os anos de cativeiro Frankl sustentou seu grande interesse pelo comportamento humano e concluiu depois que esse interesse o havia salvado e que aqueles companheiros de prisão que tinham uma esperança e davam um significado a suas vidas predominavam entre os sobreviventes da selvageria e da fome a que todos haviam sido submetidos. Sobreviveu não apenas aos maus tratos e a fome, mas ainda a um ataque de febre tifóide, no último campo em que esteve internado.

Após sua libertação, Frankl retornou às suas atividades, e foi nomeado, em 1946, Diretor do Hospital Policlínico Neurológico de Viena, posição que manteve por 25 anos. Lecionou na Escola de Medicina da Universidade de Viena. Escreveu um livro sobre sua teoria do sentido de vida “Um psicólogo no campo de concentração" que ele, buscando em sua memória e utilizando as poucas notas que havia salvado, ditou para um grupo de assistentes em apenas nove dias. Mais difundido na versão inglesa, “A busca de significado do homem", o livro foi traduzido em inúmeras línguas e vendeu mais de 9 milhões de exemplares, até o ano da sua morte. No mesmo ano publicou também “... apesar de tudo dizer sim à vida. Três lições”.

Em 1947, Frankl casou pela segunda vez com Eleonore Schwindt, e nesse ano publicou "A prática da psicoterapia". 

No ano seguinte obteve seu doutorado com a tese "O Deus inconsciente", tornando-se professor associado de neurologia e psiquiatria na Universidade de Viena. Suas aulas foram publicadas sob o título "O homem incondicional". Com base em outra série de conferências ele escreve em 1950 Homo patiens. Versuch einer Pathodizee, cujo tema central é como confortar pessoas que sofrem. No semanário universitário de Salzburger expôs suas "10 Teses sobre a pessoa humana".

Em 1951, no seu livro "O logos e a logo existência" Frankl completa os fundamentos antropológicos da Logoterapia.

Escreveu mais de 32 livros sobre análise existencial e logoterapia, traduzidos em inúmeras línguas.

Em 1954 Frankl atendeu convites de universidades em Londres, Holanda e Argentina. Também lecionou como professor convidado ou pronunciou conferências em inúmeras universidades americanas.

Em 1955 passou de assistente a professor na Universidade de Viena.

Os aspectos teóricos e práticos da neurose do ponto de vista da logoterapia são tratados no seu Theorie und Therapie der Neurosen de 1956. Em 1959 uma exposição ainda mais sistemática da Logoterapia e análise existencial aparecem no capítulo "Fundamentos da análise existencial e logoterapia" no "Manual sobre neurose e psicoterapia" editado por Frankl e dois associados.

A partir de 1961, assumiu cadeiras como professor convidado sucessivamente nas universidades Harvard, Stanford, Dallas (1966), San Diego (1970) e Pittsburgh (1972). Recebeu mais de uma vintena de doutorados honorários em diversos países do mundo.

Reunindo suas conferências publicou em 1966 "A vontade de significado", que ele considerou seu livro mais completo em inglês.

Sua autobiografia “O que não está em meus livros" aparece em 1995 com sua tradução em inglês Viktor Frankl - Recollections publicada em 1997. Seu último livro foi publicado também em 1997, “A busca do homem pelo significado último".

Faleceu de parada cardíaca em setembro de 1997, em Vienna, aos 92 anos.


Sentido da vida
Para Frankl todos nós temos adentrado (subjetividade) uma vontade imensa de sentido, ou seja, desejamos e temos forças para lutar por uma vida alegre e saudável. Vontade de sentido é a motivação que temos para viver a vida.

A Vida ela nos interroga (à nossa vida): - A sua vida tem sentido? O termo sentido aqui significa um norte, um rumo e/ou uma direção que toma o homem (ser) frente as suas vivências.

No seu texto clássico, Frankl (1984) diz acerca desse tema:

Sentido da vida: Duvido que um médico possa responder esta questão em termos genéricos. Isto porque o sentido da vida difere de pessoa para pessoa, de um dia para outro, de uma hora para outra. O que importa, por conseguinte, não é o sentido da vida de um modo geral, mas antes o sentido específico da vida de uma pessoa em um dado momento. Formular esta questão em termos gerais seria comparável a perguntar a um campeão de xadrez: "Diga-me, mestre, qual o melhor lance do mundo?" Simplesmente não existe algo como o melhor lance ou um bom lance à parte de uma situação específica num jogo e da personalidade peculiar do adversário. O mesmo é válido para a existência humana. Não se deveria procurar um sentido abstrato da vida. Cada qual tem sua própria vocação ou missão específica na vida; cada um precisa executar uma tarefa concreta, que está a exigir cumprimento. Nisto a pessoa não pode ser substituída, nem pode sua vida ser repetida. Assim, a tarefa de cada um é tão singular como a sua oportunidade específica de levá-la a cabo. Uma vez que cada situação na vida representa um desafio para a pessoa e lhe apresenta um problema para resolver, pode-se, a rigor, inventar a questão pelo sentido da vida. Em última análise, a pessoa não deveria perguntar qual o sentido da sua vida, mas antes deve reconhecer que é ela que está sendo indagada. Em suma, cada pessoa é questionada pela vida; e ela somente pode responder à vida respondendo por sua própria vida; à vida ela somente pode responder sendo responsável. Assim sendo, a logoterapia vê na responsabilidade (responsibleness) a essência propriamente dita da existência humana”. (p. 3)

“A Vida é assim: a posse da alegria, do respirar” - esclarece-nos Pinel (2004; p. 122).