A FENOMENOLOGIA-EXISTENCIAL DO CASO
“SENHOR JOSÉ-J”: UM ALUNO UNIVERSITÁRIO EM TRAVESSIA DE SER DAS ALTAS
HABILIDADES/ SUPERDOTAÇÃO PARA O DECLÍNIO COGNITIVO SUBJETIVO, DEPOIS LEVE COM
TENDÊNCIA AO ALZHEIMER
Hiran
Pinel, autor
RESUMO
Senhor José-J, desde jovem, traz em
si, com orgulho, a avaliação escolar que o indicou. em 1961, ser uma aluno com
Altas Habilidades/ Superdotação, mas agora, em 2018, já idoso (70 anos de
idade), estando fazendo seu segundo curso superior (o de Filosofia), ele
recebeu o diagnóstico para o Declínio
Cognitivo subjetivo (que chegará ao leve) tendendo à doença
de Alzheimer. Ele tomou a decisão de prosseguir frequentar com o referido
curso em um Faculdade privada, e veio procurar ajuda educacional especial no/do
Grufei, Grupo [de estudos, pesquisas e práticas educacionais] de Fenomenologia,
Educação (Especial) e Inclusão, ligado à linha de pesquisa “Educação Especial e
Processos Inclusivos”, do PPGE, Programa de Pós-Graduação em Educação pela
UFES, Universidade
Federal do Espírito Santo. Esse paper científico tem por
objetivo descrever compreensivamente a narrativa do Senhor José-J acerca de
suas revelações de ser o “que é”, o “como é” e o “significado vivido” dessas
atuais experiências de ser-no-mundo. Para isso efetuamos uma pesquisa
fenomenológica em Forghieri, principalmente. Senhor José-J aponta em
sua fala: “De um lado, a minha potência de saber, dentro da minha consciência
do que sou - e do que serei de esquecido, e do outro, o mistério de me perder,
desmemoriar-me do que sou e serei: “lembrar para não esquecer”, “lembrar de não
esquecer” e “esquecer de ficar lembrando ‘pra não esquecer’ e tornar-me um
obsessiva-compulsivo, nisso de viver entre recordar e ‘desrecordar’” insistente
e que me atormenta.
Unitermos: fenomenologia-existencial, aluno:
Altas Habilidades/ Superdotação, Cursos superiores, Declínio Cognitivo:
Subjetivo: Leve: Alzheimer: Travessias.
**
Atualmente (em 2018) com 70 anos de idade,
formado em Educação Física, e com isso, estando na velhice (terceira idade; ser idoso), e aluno do seu segundo
curso superior: na juventude com Altas Habilidades, na terceira idade (ser
idoso) com Declínio Cognitivo (subjetivo, por ora, mas chegará ao leve) para
Alzheimer, e sempre matriculado em um curso, agora o segundo (curso) superior.
DECLÍNIO COGNITIVO SUBJETIVO (DCS): o paciente (aluno) se sente tendo problemas de memória, raciocínio - ou cognitivos, mas o desempenho em testes ainda é normal (ou comum para sua idade, continua elaborando os pensamentos com seus raciocínios e reflexões racionais (encarnados - leia-se: o corpo expressivo) acompanhados dos seus sentimentos, desejos, emoções que são energias simbólicas e ao mesmo tempo metafóricas que (co)movem o saber, seja pra baixo ou para cima etc., assim, dependendo do teor da tristeza, pode a decair, dependendo do teor da alegria pode o contrário, amor e ódio etc. Mas, no declínio cognitivo esse experienciar pode ser vivido de modo denso, tenso e intenso, pois o diagnóstico, por si mesmo, traz recordações de possibilidades nefastas, um prognóstico deplorável; produz uma ansiedade mesma de memorizar para não esquecer, o que fica evidenciado em muitos casos quando assim descritos - e o exemplo pode ser o caso clínico educacional do Senhor José-J descrito por Pinel (2025). Nesse momento tem ainda as pressões de uma sociedade e cultura despreparada, ainda, para lidar com o esquecimento de origem orgânica, por ora, sem condições de reverter oq quadro clínico - uma inabilidade para lidar com o diferente, daquilo que escapa à ideologia dominante, uma sensação, inclusive, de apatia, por também estar associado ao fim da vida, ao fim literal e explícito da História. Trata-se de uma experiência subjetiva (interior e ou interiorizada) do ser-no-mundo, e o indivíduo ainda consegue manter sua rotina sem ajuda, como toda autonomia: ser da autonomia diante do outro. O risco maior é de que pessoas com DCS têm um risco maior de desenvolver comprometimento cognitivo leve (CCL) e chegar à demência.
DECLÍNIO COGNITIVO LEVE (CCL): É um estágio intermediário entre o envelhecimento normal e a demência, já escapando da ideia de DC subjetivo. Parece um estágio intermediário entre o envelhecimento normal e a demência, onde há um declínio cognitivo objetivo maior que o esperado para a idade. Como características: O declínio é notável em testes cognitivos, mas a pessoa ainda consegue realizar suas atividades diárias, embora possa levar mais tempo para tarefas complexas. Já o prognóstico pode evoluir para demência, permanecer estável ou até mesmo melhorar, dependendo da causa. Algumas causas reversíveis incluem deficiências vitamínicas, apneia do sono e depressão.
DEMÊNCIA: trata-se de um
declínio cognitivo mais grave que prejudica significativamente o funcionamento
diário, interferindo em atividades como tomar banho, se vestir ou cozinhar.
Eis algumas características: Perda significativa das capacidades cognitivas,
como memória, linguagem, atenção e raciocínio, que afeta a independência da
pessoa. Exemplo de demência: Doenças como o Alzheimer são causas comuns
de demência.
Essa descrição de uma narrativa
veio a lume de uma conversa profissional entre o pesquisador
fenomenológico-existencial (Hiran Pinel) com o Senhor José-J
(sujeito da pesquisa e educando, 70 anos de idade, em 2018; nasceu
em Minas
Gerais, em 1948).[i]
Escrevo o termo “educando”, por
dois motivos:
[1] primeiro, defendo
que toda pesquisa fenomenológica, tal qual a praticamos Forghieri (2007; 2014)
é também uma prática educacional, no caso de Senhor José-J, um “tipo” não
escolar de “prática educacional especial inclusiva”[ii] (via
“tipo” Atendimentos Educacionais Especializados[iii],
AEE’s) de inspiração fenomenológico-existencial; logo a aplicação do método é
também uma Pedagogia e no caso, Especial;
[2] segundo, porque
efetivamente, Senhor José-J foi nosso discente ou educando, visto ter
participado de uma série, bem extensa e grande, de “práticas educacionais
especiais inclusivas fenomenológico-existenciais” durante dois
semestres de cada ano que foram: os de 2018 (além da
entrevista, uma manhã e tarde - que deu origem a esse paper científico
sob a forma de uma “narrativa de si”), os de 2019 e dois
meses, janeiro e fevereiro de 2020 em apenas dois meses,
janeiro e fevereiro, interrompidos devido à pandemia da Covid-19.
Em 2020 publicamos o primeiro artigo com o mesmo objetivo
desse de 2025. Era risco para o Senhor José-J e para o pesquisador,
ambos idosos e com diabetes, sendo que o primeiro foi, ao longo dos
atendimentos educacionais inclusivos para minimização do declínio cognitivo,
tendo seu quadro orgânico em processo de consolidação, só não mais, segundo os
médicos, devido nossa intervenção pedagógica – que obviamente consideramos como
encontrado limites na organicidade.[iv]
Senhor José-J, em 2018,
já professor de Educação Física (licenciado e bacharel) aposentado em dois
vínculos do Estado, viúvo, 3 filhos adultos, os três graduados (enfermeiro,
médico e psicóloga), casados, cada um com filhos. Ele tem apartamento próprio,
mora só, depois de viúvo e quando ficou os filhos há haviam casados e cada um
com sua moradia. São filhos interessados no pai, afetivos e envolventes.
Nosso primeiro encontro, nesse ano
de 2018, ele tinha 70 anos de idade, e estava no seu segundo curso
superior – o de Filosofia. Um ano e meio depois dele estar nessa faculdade, e
com brilhantismo, ele começou a esquecer, e procurou um médico, chegando ser
avaliado por dois, um neurologista e
a outra uma geriatra, e por um psicólogo comportamental, diagnosticando-o
com Declínio
Cognitivo Subjetivo (DCS), com um futuro bem próximo (como
aconteceu no “durée”[v] de Bergson)
tendendo ao Declínio Cognitivo Leve (DCL). Em conversa com
neurologista, ele disse que a clinicidade de Senhor José-J o levaria a
Alzheimer. Ele foi encaminhado pelo neurologista a esse autor-pesquisador,
coordenador do Grufei, que ensina e pesquisa na linha Educação
Especial[vi] e
Processos Inclusivos, há alguns anos interessando-se também por esse ramo da
Pedagogia e questões de saúde, como as hospitalizações em hospitais, e
domicílios.
Senhor José-J tem problemas de
saúde como a diabetes
tipo 2 há mais de 20 anos, estando bem controlada, ainda que
ultimamente “estou tomando insulina”, diz ele, “já não sinto muito o pé” (fica
dormente), e apesar de enxergar bem, os olhos apresentam problemas típicos
desse quadro, dentre outros, como os rins. Toma diversos remédios para o
diabete como Glifage 1Xr (2 comprimidos por dia), losartana potássica mais
hidrocloziadida100 por 25 (1 de manhã cedo) e de 50 (1 à noite), atorvastatina
cálcica 80, injeção Victoza, e depois Saxenda, BUP (transtorno depressivo maior
e para ajudar no regime: “sou magro devido aos regimes, mas fui obeso”),
remédios para dormir (clonazepam, e como está tenso disse que irá começar
tomar Zolpidem[vii],[viii]e
para urinar (tadalafila 5mg). Ao longo do tempo, mais e novos remédios
foram ingeridos, sempre sob prescrição médica - inclusive medicamentos para
Alzheimer, isso ocorreu em finais de 2019/2020,
mais ou menos. Todos esses remédios produzem reações secundária –
quase todos eles, descrevo os remédios em geral.
Por outro lado, soube por um dos
filhos, que os três passaram a vivenciar psicoterapia em grupo do tipo
comportamental, visando-os ajudar ao pai - e a si mesmos - também lá pelo
começo de 2020. Fato é, que só mesmo em 2020, que o
quadro ficou mais complicado e visível ao leigo. O agravamento do quadro do
senhor Senhor José-J, mais o surgimento da pandemia da Covid-19,
bem como o clima psicossocial, social e político que se instaurou no Brasil, e
toda uma série de complicações e complexidades, interrompemos os atendimentos,
e pelas dificuldades de conhecimento do pesquisador, não pudemos nos dispor a
um atendimento a distância.
Esse dado de Declínio Cognitivo,
aqui-agora subjetivo, que aparecerá o leve chegando à doença de Alzheimer,
provocou Senhor José-J muito, pois contrastava (deixava-o complexificado e ao
mesmo tempo, provocado) com uma avaliação psicológica e psicopedagógica, feita
na sua adolescência, quando ele estava cursando a 4ª série ginasial, em
mais ou menos no ano de 1961, hoje corresponderia
a 9ª série do ensino fundamental, que o descrevia, através de comprovações
psicométricas, de personalidade e outros, um aluno “intelectualmente talentoso”
(sic = Segundo o discurso psicológico lindo pelo pesquisador, na época.), o que
hoje diríamos de sujeito com Altas Habilidades/Superdotação. Ou seja, no seu
espaço interior, no seu tempo vivido, ele pressentia uma travessia de Altas
Habilidades que o acompanhou até aqui-agora (2018) e os riscos humanos de
experienciar algo que destruiria esse “belo discurso” (de ser intelectualmente
talentoso), ainda que também sujeito a preconceitos na escola e fora dela,
“caindo”, sem o desejar, na esfera do esquecer antagônico ao lembrar ou
recordar típico das Altas Habilidades. Assim, como nas Superdotação ele poderia
fazer algo para incrementá-la, já no Declínio chegando a Alzheimer, que é algo
da sua organicidade - doença degenerativa, nada poderia, a não ser fazer alguma
prevenção (de minimização). Prevenção ele o fez e com rigor, bem como disposição,
frequentando regularmente, sem nunca faltar aos Atendimentos Educacionais
Especializados que o oferecíamos com inventividade, alegria, disposição
incrementando sua subjetividade de ser pessoa ser-no-mundo.
Ele diz, que desde então, na
escola, e fora dela, ele passou a ser abordado como tendo Altas Habilidades,
pois sempre lhe era facilitado frequentar espaços onde pudesse ler, estudar,
discutir, refletir, pensar, expressar oralmente, “traduzir” textos complexos
escritos em português e ou em espanhol, analisar obras de artes trazendo dados
novos e alternativos etc. Ele frequentou laboratórios de uma universidade
federal onde se desenvolvia seus talentos linguísticos com auxílios de
“doutores”, ele destaca.
Na escola, e fora dela, ele se
dizia querido por todos, que gostava de coordenar eventos, resolvia conflitos
entre colegas, gostava de aconselhar. Com orgulho, descreveu, que de modo
independente, formou um grupo de leitura só com os rapazes do futebol. Falou
que adorava de também ficar sozinho para refletir sobre si mesmo, os amigos, a
família, a escola, o mundo etc.
“Eu aprendia fácil e de modo rápido
todas as disciplinas, mas português, história etc., eu era bom demais. Tinha
coisa que eu não dava conta logo, por exemplo, no primeiro ano do 2º Grau li “Grande
Sertão: Veredas” do Guimarães
Rosa”, foi um embate, nunca desistia, ele lia e relia até entender,
“marquei encontro com a professora (cita o nome) da (cita o nome da
universidade) e foi ficando claro pra mim, não desisto nunca e comecei ver
beleza que nunca tinha visto antes, e entendi por que é uma obra de grande
importância para a literatura brasileira, era um outro idioma” (anotações
encontradas em 2025 do meu diário de campo).
Apesar de ter ficado “metido"
(orgulhoso) com a avaliação de "gênio” (sic), ele nunca se sentiu
superior, e nem inadequado, pois o talento dele para falar e escrever era bem
recebido por todos. O pesquisador (Hiran) recorda apenas de que as notas dele,
nos testes psicológicos, foram altíssimas (as maiores) em toda Bateria
Cepa[ix] e WAIS[x],
mas foram muitos testes, como os de personalidade, além de entrevistas e
observações em desempenho. Recordamos também (isso em 2025, na segunda
publicação do mesmo artigo agora revisto) do Teste do Desenho da Figura
Humana (DFH) de Goodenough-Harris, que foi uma avaliação utilizada para
descrever e diagnosticar a "maturidade intelectual" e o
"desenvolvimento cognitivo", só que recomendado para as crianças de
05 a 12 anos e na época o Senhor José-J já estava no 4º ano do ensino Ginasial,
acima dessa idade. Mas, o teste pode focar na capacidade de abstração e
formação de conceitos, servindo, pelo menos, no cotidiano de alguns psicólogos
pesquisadores, também como teste da personalidade - do tipo projetivo.
Submeteu ao TAT[xi] (Teste
de Apercepção Temática de Murray) que até hoje, eu gosto muito, mas
aplicado de modo fenomenológico, não foram todas as lâminas e a interpretação
diferenciada, ainda que com o princípio psicanalítico de projeção (Colodete,
2004; sob minha orientação)[xii].
A descrição da narrativa, mostrada
aqui-agora nesse “paper científico” em “eis a
narrativa”, surgiu de uma entrevista (melhor os
termos disposição ao contato e aos diálogos) que aconteceu
em 2018, e no dia posterior ao diagnóstico médico. Um dia antes
foi quando o senhor José-J recebeu o diagnóstico de “declínio” - de chofre do
tipo subjetivo, cujo diagnóstico afirmava chega ao DCL dirigindo-se para
Alzheimer. A “conversa dialógica” (Buber) foi realizada em um só dia, de manhã,
almoçamos juntos, e de tarde. Ele estava ansioso para falar suas primeiras
impressões sobre o diagnóstico, já que preferiu não contar para os seus 3
filhos, que cuidam dele, de longe, já que é viúvo.
Bela, delicada e sincera narrativa,
bem lógica, nos fez refletir de que predominava o declínio cognitivo subjetivo,
e pequenos déficits de memória e atenção, mas que ele se esforçava e se
lembrava.
Mesmo não sendo objetivo
desse paper científico, o Senhor José-J foi também foi
atendido pedagogicamente em um "ser-com" (Heidegger, Sartre,
Forghieri, Freire, Alves e outros) através de “práticas educacionais
especiais”, (co)movidas por uma Pedagogia (e Educação)
Fenomenológico-Existencial (Yolanda Cintrão Forghieri – da Psicologia, Paulo
Freire, Rubem Alves – ambos da Educação, e Hiran Pinel – da Psicologia
Educacional e Clínica da inventividade), donde focamos na “cognição" (e no
corpo), (co)movida pelo "afeto" como energia simbólica que a tudo nos
dão vida e não nos deixa parados – em dormindo (kkk). Esse teor, devo ir
destacando o "ser-no-mundo", logo considerando o social, o cultural,
o histórico - aspectos indissociados objetivos que nos pontua subjetivos.
Durante esse ano (2018)
e ao final de 2019 começo de 2020, ele mesmo,
Senhor José-J, percebeu um decréscimo cognitivo, mas, ainda assim, muito leve.
O médico neurologista, em um telefonema, disse-me que a minha proposta de “práticas
educacionais especiais” estaria amenizando o quadro, e que eram essas,
também as palavras da geriatra. O psicólogo também confirmou, em outro contato
– via e-mail. Fazia, desde o começo, um trabalho de saúde pública, via
Ufes.ppge, e isso os motivava a incentivar-se, além de eu ter trabalhado com um
desses profissionais no Hospital Doutor Dório Silva, quando fui
psicólogo.
Entretanto, os Atendimentos
Educacionais Especializados (AEE), produzidos por meio das práticas pedagógicas
especiais, foram encerrados, como disse, devido à pandemia da Covid-19.
"Eu mesmo" (prof Hiran) era grupo de risco para a Covid - na época
idoso e diabético. Não me propus prosseguir com o Senhor José-J dentro desse
clima de pandemia, se eu aceitasse, teria de pensar-sentir-agir uma
prática online, e pela minha não experiência, eu poderia passar por
algo desgastante, que prejudicaria nosso Plano Educacional Individual – PEI,
que configurava dentro do AEE que se efetivava com as “práticas
educacionais especiais inclusivas fenomenológico-existenciais”. Mas,
tiveram outros problemas profissionais e pessoais.
***
❀❀❀
Histórico da elaboração dessa
narrativa: etapas
2018a
No mês maio – Senhor José-J é
encaminhado, pelo médico neurologista, ao pesquisador e professor da
Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Educação, Programa de
Pós-Graduação em Educação, PPGE. Ex-coordenador e membro da linha de pesquisa
Educação Especial e Processos Inclusivos. Coordenador atual do Grufei – Grupo
de Fenomenologia, Educação (Especial) e Inclusão.
2018b
No mesmo dia, do mês de maio, de
manhã e de tarde – procedemos a coleta e produção de dados donde descrevemos
uma narrativa sobreo que é, como é e o significado de ser Senhor José-J, tal
qual descrito no item 3.1 – sujeito da pesquisa.
2018c
Na produção (e coleta) de dados o
Senhor José-J estava ansioso, com uma angústia que o acompanhou o tempo todo,
muito falante – e nos pareceu, como olhar de cientista fenomenológico da
Educação Especial e Saúde, com o aparelho cognitivo ainda muito bem preservado,
que pela sua própria formação, e por gostar de reforças que foi (e é) das Altas
Habilidades/ Superdotação, usava com aparente tranquilidade palavras que o
acompanharam na sua vida, pois um intelectual que sustentava teoricamente sua
prática e práxis, sempre um sujeito crítico. Interessante notar o que é, como é
e o significado vivido de ser o que é ser diagnosticado com um quadro clínico
degenerativo nos seus modos de ser de resistência contra a esperança, a
transcendência do caos e os jeitos específicos que foi criando para “com+viver”
(viver diante do outro) com a situação.
2018, 2019 e janeiro/ fevereiro de
2020
Primeiro: planejamos, aplicamos e avaliamos
(em todos os sentidos, o próprio projeto de ensino, os planos, o educando e o
professor) um Programa de Atendimentos Educacionais Especiais Inclusivos
“(Co)Movidos Pela Fenomenologia e Existencialismo” de Forghieri (2004, 2007,
2014), Freire, 2014 a e b; 1997; 2000) e Rubem Alves (2005; in Nunes, 2008).
Segundo: ele passou a compor também parte
do Grufei, que de modo independente, e com nossa escuta, lia os materiais
didáticos indicados, e gostava de refletir e ou discutir sobre eles, e o fazia
com uma imensa ansiedade de viver, com a queda cognitiva, ele não percebeu o
fenômeno com tanta clareza.
2020a
No começo de março fizemos a
interrupção dos atendimentos devido a pandemia da Covid-19.
2020b
Publicação do primeiro artigo sobre
Senhor José-J
2025a
Republicamos o artigo que foi
publicado em 2020, mas aqui-agora reavaliado, revisto, modificado e ampliado
parecíamos precisar ampliar, e fizemos isso, consultando o primeiro artigo, bem
como novos materiais não utilizados até então – e que se encontravam
desconsiderados, pois eram nossas anotações nos processos de aula, ou
Atendimentos Educacionais Especializados, AEE que são “práticas educacionais
especiais numa perspectiva inclusivas”.
2025b
A publicação dessa narrativa de
Senhor José-J, no Blog do próprio autor, se dá apenas porque é um rascunho, não
estando dentro de um modelo de artigo científico, por isso estamos afirmando
que o termo paper aparece aqui-agora no sentido mesmo de
rascunho, afastado de uma estética científica, mas produzido cientificamente. A
produção formal do texto, dentro dos moldes, ainda está em construção, faltando
especialmente a análise fenomenológico-existencial, donde iremos contribuir
para a compreensão da pessoa que nos presenteou com essa narrativa, bem como as
implicações dela para a Educação Especial no curso superior, considerando
as Altas Habilidades/ Superdotação, e ao mesmo tempo,
considerando o Declínio Cognitivo tendendo à doença de Alzheimer. Também
pretendemos, da análise, refletir sobre a relação entre a potência da Educação
Especial, enquanto ciência viva (vivíssima) diante do declínio cognitivo
certeiro e a morte, por isso pensamos abordar autores da nossa esfera como o
básico e fundamental Yolanda Cintrão Forghieri, Paulo Freire (ser mais,
amorosidade, criticidade, humanização e desumanização), Rubem Alves (educação
dos sentidos) – com disposição para isso; bem como, talvez, Heidegger (ser e
tempo; a questão da morte), Sartre (projeto de ser, existencialismo marxista,
morte) e Henri Bergson (o termo dele: “durée” - o tempo vivido, contínuo e
qualitativo, em oposição ao tempo físico, mecânico e quantitativo que medimos
com relógios) – dentre nossas leitura. Mas, por ora, são apenas promessas.
*** final ***
❀❀❀
EIS A NARRATIVA DO SENHOR JOSÉ-J
Quando eu era pequeno eu ficava
muito em casa, e recordo de mim lendo livrinhos de histórias infantis, era uma
Coleção “A Sementinha”. Eram uns 20 livrinhos ou mais, muito texto e desenhos
em cada página. Devia ter meus 5 ou 6 anos... Lia e relia. Era muito ativo, e
quando não entendia um termo perguntava minha mãe que era professora, ou meu
pai que era engenheiro... Era muito engraçado, pois eu adorava também consultar
a enciclopédia Barsa. Também li um livro chamado “Chuva Criadeira”, depois “O
Diário de Danny”, teve o “Diva” de José de Alencar tão descritivo, fotonovelas
na Capricho e Sétimo Céu colorida e outras, revistas diversas - e jornais. Meu
pai era ledor de jornais e gostava de comentar a realidade política do país, e
eu escutava. Ele também torcia para o Vasco ou o Botafogo ou Fluminense ou o
Cruzeiro (risos, por não saber determinar)... Ele gostava de fotos de mulheres
bonitas e nuas, e lia uns livros pornográficos com desenhos preto e branco com
historietas, eu sabia o nome do autor... Era... (pensando) Ahhh..., meu Deus,
tenho medo de esquecer de lembrar das coisas, sabia? (ao longo da conversa
identificamos que eram revistas eróticas em quadrinhos, a maioria de Carlos
Zéfiro, ele mesmo foi dizendo a partir de pistas que eu ia dando). Meu pai me
permitia fazer cursos por correspondência - e fiz uns três, como de técnico em
mecânica, técnico de televisão (conserto) e auxiliar de escritório, tipo
Instituto Monitor, o (instituto) Universal Brasileiro. Eu era um curioso, e
gostava de cinema, de imagens em movimento, fotografias... Chegava do cinema e
gostava de conversar com minha mãe sobre o filme, a narrativa, melhores cenas,
repetia frases clichês - e eu achava chique falar o nome do diretor. Tinha um
programa de rádio onde um crítico fazia uma apreciação do filme, mas antes
dizia o nome do diretor...
[Na conversa mesma, ele tenta
recordar o nome de um crítico de cinema, que tinha um programa de rádio. Com
esforço e consulta ao seu recurso didático, um “tablet computer”, seu hábito
“há alguns meses”, ele diz. Ele digita no Google, “palavras” ao entorno do
nome, como “crítico de cinema, década de 50 e 60, festival de Teresópolis,
Rádio Nacional” chegando ao nome do jornalista e crítico de cinema Adolpho
Cruz].
Eu lia também umas revistinhas de
cordel – amava, recordo de uma sobre o cantor Roberto Carlos e uma sexuais.
Lá pelos 10 anos de idade, eu era
mais agitado ainda... Todos os eventos do curso primário eu era convidado a
declamar poesias, tinha um imenso chamado texto poético chamado “Veludo”, uma
história de um cão com esse nome... Imenso o texto - e eu sabia de cor...
Deixa-me ver: “Eu tive um cão. Chamava-se Veludo: Magro, asqueroso, revoltante,
imundo, nojento e porco”[xiii] Era
assim que começava, eu não me recordo do nome do autor[xiv]...
E termina assim, eu acho: “Estupefato, absorto, palpei-lhe o corpo, ele estava
congelado. Sacudi-o. Chamei-o. Estava morto.”[xv] [dá
um tom dramático à expressão vocal, meio exagerado, mas um entusiasmado
intérprete da sua saudade]. Eu queria ser ator, se bem que estudei piano, e eu
cheguei a compor uma canção, sabia preencher as pautas musicais. Eu queria ser
cantor famoso, mas não suportaria ter de lutar por uma área tão ingrata como é
ser artista popular, dá dinheiro, mas o desgaste é grande – eu imagino
[reflete].
Eu era muito astuto, estudava o
livro, aprendia sempre a lição, mas o fazia antes, para quando a professora
fosse mandar a gente ler, eu me gabava dizendo que “eu já li em casa,
professora” – queria aprovação, e obtinha, e os colegas, nem aí, pois eu sabia
lidar com todos, era um bom líder [risos]. No [curso de] Admissão ao Ginásio eu
tirei nota alta, dez - só matemática não era meu forte, mas tirei dez, eu acho.
Esse admissão era uma espécie de seletivo dos melhores, era um funil já “pra”
entrar no curso ginasial. Era... [corrige-se]. Sou bom de memória, preciso
colocar no presente meus aspectos positivos, ainda [que] eles vão deixando de
ser, mas eu penso assim: deixo acontecer a negatividade, e, enquanto posso,
foco na positividade, na minha consciência... Eu era... (novamente,
corrigindo-se). Sou de boa memória... [risos]
Eu sou muito racional, engessado
mesmo, pois para mim, a razão sempre foi a minha salvação, a lógica da vida.
Mas, na terapia que faço, isso é fugir da vida – não da vida em geral, apenas –
mas fugir da minha vida encarnada, tipo Merleau-Ponty [fala o nome sem
pestanejar, sem duvidar, não procura no seu tablet computadorizado], sabe? Fujo
da carne ensanguentada [indo contra, de certa forma de M-Ponty], e prefiro a
racionalidade, a cognição indissociada do corpo [é Merleau-Ponty], com o
“afeito” [efeito?] eu movimento isso, apenas isso – nada mais... Para mim, a
lógica dá conta da minha vida, mas com esse diagnóstico de Declínio, tenho
percebido a vida frágil demais. Na Faculdade, como estudante que sou, eu falo
disso, encontro espaço para isso – tem hora que parece eu estar encher
[enchendo?] o saco da turma, mas é como eu descobrisse, que é na sala de aula,
que um aluno especial, por ser da Altas Habilidades, precisa ir junto com todos
ali – mas, ao mesmo tempo dialogar com novas possibilidades de ser, e cada
filósofo citado [na sala de aula] dá poesia como didática. Sou um ser
atormentado que percebe ser um caminhante de um determinado lugar para outro -
espaço, do lembrar para o esquecer [no tempo]. Não é poesia, minha mania [ri do
que fala] de ser poiético, é a razão poética (si) – estou lembrando
do livro de Rubem Alves que lemos no Grufei, “Educação dos sentidos”[xvi] e
aquele do Vidal[xvii] sobre
o Rubem. A minha vida é salvar-me pela razão, mas também pelo desejo, emoções,
sentimentos, e o meu corpo, não é assim professor Pinel? [referindo-se ao
pesquisador e professor]. De um lado, a minha potência de saber, dentro da
minha consciência do que sou e do que serei de esquecido, e do outro, o
mistério de me perder, desmemoriar-me do que sou e serei: “lembrar para não
esquecer”, “lembrar de não esquecer” e “esquecer de ficar lembrando ‘pra não
esquecer’ e tornar-me um obsessiva-compulsivo, nisso de viver entre recordar e
‘desrecordar’” insistente e que me atormenta, não é? Sabe, essa
identidade de "saber e ser curioso por tudo que há", é algo que
depende do recordar como ato de viver, me traz o seu oposto - o meu esquecimento
e o esquecimento que há na nossa vida social, os mortos esquecem, os alienados
também, mortos em vida. Eu fico tenso na sala de aula em lembrar “pra” não
esquecer, e ao fazer isso, eu fico tão “contento” [contente ou poesia? Poesia],
que esqueço de esquecer, e simplesmente vivo da vida acadêmica, minha
verdadeira salvação. Quando decidi fazer outro curso superior, estudar e
pesquisar a Filosofia e ensiná-la, não poderia imaginar: “és a minha salvação”,
eu me disse um dia desses na sala de aula, todos riram e gostaram. Fazer
Filosofia, depois de receber meu diagnóstico agora tão cruel como é o declínio,
tornou um assunto meu, um assunto de urgência, um espaço pronto socorro, onde
eu posso tentar mostrar a minha identidade de opor ao esquecer, para lembrar.
Estou brincando com esses termos: lembrar e esquecer, onde o recordar é a
razão, e o esquecer é Alzheimer, mas o esquecer sempre esteve com ou sem
Alzheimer [ele repete o tema, ainda que de modo diferente e poético], até para
transcender uma lembrança dura e crua, cruel. O que pesa mesmo é um diagnóstico
no que ele tem de verdade científica [médica e psicométrica] e da sua
capacidade de rótulo que impregna no nosso rosto, entendeu as referências? [ele
deve estar se referindo ao filósofo Levinás[xviii],
estudado no Grufei, por ele, por nós – mas, repetindo: ele fazia esses estudos
de modo isolado, não em grupo na sala de aula, não podia naquele horário].
Atordoado eu fico até agora, pois começo a esquecer para não recordar mesmo,
adianto-me legitimando o discurso médico, mas como racional, não cedo à morte
em vida, que é o que o Alzheimer faz com a gente até à morte concreta –
“enquanto vida eu tiver”[xix],
percebe a referência, professor? A racionalidade para mim é uma metafórica
“batalha ativa que descasca minha pele”, tenho que ralar para viver, e
até sobreviver. Sabe, mas eu não aceito a uma rendição passiva, eu desacato a
submissão idiota. Eu sou enfrentador, como um senhor diz num seu artigo “eu
enfrento a dor”. Assim, esse segundo curso superior não é uma diversão no vazio
do entreter, mas é um “curso mesmo”, algo que valorizo e desejo aprender. Sou
sincero: quero aprender mais! (silêncio demorado – foi ao banheiro). Voltamos
àquela linha metafórica de belicosidade. O estar na sala de aula universitária,
como aluno especial, é também uma trincheira na guerra pela manutenção da
própria mente, mente viva, pela via da consciência – esse meu corpo não
arrepende dos prazeres da carne, ainda que envelhecido, mas não oco, ou sou
prenhe pelo meu ser idoso. Nunca fui oco, mas poderei ficar, quem sabe morro
antes (risos nervosos), por isso a sala universitária permite autoriza a
entrada da Educação Especial que se torna essa trincheira, esse lugar de
proteção, de cuidar, de defesa – estou recordando agora do texto do senhor, a
sala de Atendimentos Educacionais Especializados, no começo é um espaço, e será
na relação da professora com o aluno, que ele se tornará lugar de sentido, acho
que decorei (risos)[xx].
Esse lugar, essa sala de aula, se não permitir a Educação Especial não irá
surgir a inclusão como modo de ser - nesse tempo. Sem a Educação Especial a
sala escolar fica como aquelas trincheiras antigas, da Primeira Guerra Mundial,
insalubres, lamacentas, frio, doenças espalhando. A Educação Especial, que eu
mesmo faço penetrar na sala de aula, mas com a consciência da gestão
educacional, torna essa trincheira, como o senhor escreveu: “descanso na
loucura”.
Na minha juventude, eu fiz [o curso
superior de] Educação Física na [cita o nome da universidade pública federal].
Quando eu entrei, já sabia do quanto eu era intelectualmente talentoso, mas sem
fazer mistério, sem arrogâncias, ou onipotências. Era de fato uma pessoa que
nunca “me” pensei com Altas Habilidades ou Superdotado, tinha consciência até
onde poderia chegar com a língua portuguesa, por exemplo, com a minha escrita,
meu gosto de falar e raciocinar, fazer poesia, saber levantar questões para que
as discussões surgissem. No segundo grau e no curso de Educação Física percebia
que eu demandava trincheiras – esse tema meu é antigo (risos). A Faculdade de
Educação Física, onde estudei, deixava que construísse uma trincheira, tipo
simbólico de terra, e de uma terra de ninguém, que na prática, era terra de
alguém – minha e sua, nossa. Inicialmente os conteúdos são ensinados, e se não
houver reciprocidade dos alunos, a aprendizagem, ela não é de ninguém, só dos
mandatários, os professores. Havia professores que aceitavam minhas propostas
de produzir, aos finais da disciplinas, além das provas, criar um texto. Não é
todos, tive algum petulantes (risos) mestres que riam de mim quando dizia que
era “intelectualmente talentoso”, e precisava de apoio. Eu os entendia, esse
assunto não é da sua alçada, mais ou menos não era [risos], pois eu me postava
à frente deles, como um pedinte de ajuda (risos). Naquele tempo pouco de
discutia sobre esses direito, ou melhor, eis o fato: não se discutia... Década
de 70..., mas, independentemente de ser ou não ser, com Altas Habilidade, como
se diz hoje, eu existia com minhas demandas acadêmicas e a academia tinha as
dela, como um focar potente na cognição, não era complicado obedecer regras,
provas, a maioria vazias e cheias de pegadinhas, provas irritantes e idiotas de
Anatomia: uma peça [da anatomia humana], alfinetes coloridos em determinada
área [da peça] e alguns segundos para responder de memória o nome da área, e eu
ficava tenso – uma cadeira ficava um aluno sem fazer nada, eles falavam que ele
estaria descansando, na outra um respondia a questão, mudava-se, o que
respondia passava a “descansar” (risos) e o outro responder – como pode algo
tão idiota? E o professor repetia o que se faz anos a fio. Ser ou não ser com
Altas Habilidades, eis a questão? Diria aquele dramaturgo.[xxi] Esse
tema, para mim, sempre foi um pedido de socorro! Enquanto posso fazê-lo
(risos), depois o tempo e espaço não existirão em um desmemoriado [ele fala
sério, e com uma leve pontinha de raiva]. Faço poesias com isso: ontem eu
pensei que tenho medo de esquecer de lembrar que esqueci e posso esquecer,
tenho que anotar tudo, estou com essa mania, por isso ando direto com meu
notebook, meu filho me presentou, muito leve e prático – estou fazendo
propaganda (risos).[xxii] Copio
o que me recordo como potente, como se eu tivesse medo de esquecer de lembrar
que posso esquecer, ou algo que já esqueci – uma angústia (dessa vez não
sorri). Acho que escrevo para não me esquecer, e ao mesmo tempo, na minha
petulância, não querer que os outros, aqueles que ficarão vivos, recordem de
mim – acho que é minha onipotência, será? Fui paciente de uma psicanalista, e
me dei nisso, de me interrogar sem ter resposta, ou me desmarcarar, me jogar
na, [corrige] no abismo (risos), queimar-me e virar cinzas, mas não mudar
(risos), será que a terapia da fenomenologia existencial é assim também,
professor? [pergunta-me, e eu pergunto: Assim como, José-J?]. Assim, do
paciente ser cuidado na clínica existencial lá, sentir-se bem, mas a vida
prosseguir sendo um caos, uma merda e com tons de alegria e felicidade? Isso é
saúde mental? [não respondi oralmente, microssegundo de silencio - e ele
percebendo, não desejando a “não resposta explícita, mas evidente numa dimensão
corporal-expressional”, prossegue] Medo de esquecer de lembrar. Cada segundo da
minha vida, uma vida passa, a minha – e eu fico arrepiado de recordar de que
vou esquecendo. Esquecer aí não é uma arte, é uma ciência que anuncia meu
desamparo. Igual aquele texto que você “deu” [como professor eu enviei a cada
membro do Grufei] sobre Desamparo[xxiii] [livro],
o desamparo adquirido de Martin Seligman, [um texto escrito ao modo] bem
cientificamente clássico, por vezes de laboratório, que não é tão
fenomenológico assim [risos].[xxiv] Esse
livro [de Seligman], acho que você me emprestou para ler, para eu me ler
[repete]... Achando aqui... Desamparo que eu adquiro antes de mesmo de
confirmar meu declínio cognitivo, não mais leve, mas “o adiantando para o
grave” [ele diz], e eu vou sofrendo por antecipação... Acho que pode ser isso.
Como eu experiencio tudo isso?
[repete minha questão que faço a ele]. Esta é uma dimensão mais complexa e
íntima, difícil de dizer. Exige um mergulho dentro de mim, e esse mergulhar é
complexificado, pois eu estou doente com declínio cognitivo, penso nisso
sempre. Na sala de aula “universitário” [ele diz] onde faço Filosofia, “só
penso naquilo”[xxv] [risos].
Com esse quadro clínico cognitivo, eu fico entre a cruz e a portinhola [risos],
uma sensação no meu corpo todo, como se dentro dele houvesse uma guerra entre
Deus e o Diabo na Terra do Sol, como no filme de Glauber Rocha: algo interno em
um mundo onde ainda não há cura, só cuidado – e cuidado é muito. É um quadro
clínico onde os cuidados exigem uma Educação Especial, como já estudamos,
práticas educacionais como jogos cognitivos. De um lado há meu ser como de
Altas Habilidades, como é dito hoje, no meu tempo, era outro termo que se dizia
popularmente, não sei se era gênio[xxvi],
uma coisa bem ampla, alguém sabichão de tudo que há. Mas, me recordo de que o
psicólogo escreveu que eu era “altamente talentoso”, o senhor leu, recorda?
[torna perguntar ao professor Hiran[xxvii]].
Então tem esse lado, e por outra via, há a parte do declínio – é uma luta que
já sei que “o último será o herói vingador” [José-J perderá]. Vamos ter em
mente algo mais positivo: eu vivi e dei minha contribuição enquanto eu era um
dito sujeito “altamente” inteligente, eu vivi isso de modo positivo, estudei,
fui um aluno diferenciado é só perguntar à (cita o nome da universidade), um
profissional criativo, pois recusava dar só peteca e futebol, na escola pública
dava outros esportes como os isolados e os de tocar o corpo do outro, trabalhar
os desejos e os medos dos alunos nesses instantes, pois o corpo ameaça, por
isso reprimido, e um sociedade mais repressora ainda, “o fascismo está entre
nós, ele não está só lá no Estados, nos políticos, nós somos fascistinhas[xxviii] e
o reproduzimos no nosso cotidiano, somos perversos, perseguimos pessoas que nos
trata bem, cometemos crimes achando que não o são, tratamos os idosos como
crianças débeis e sem história, exploramos até economicamente os idoso, há
jovem que se acha superior e guia do idoso, se ele, nem mesmo ele, na
juventude, dá conta de si” – então, estou de consciência limpa, fiz o que pude,
fiz meu papel social, não é? [torna perguntar para legitimar-se]
Luto na faculdade tentando ser
“lúdico” [risos, pois ele trocou a palavra que desejava dizer], “lúcido” para a
acompanhar as aulas e raciocinar, refletir, sentir para aprender, e aprender a
sentir nesse estado que me encontro, ainda que “apenas” sabendo, e quando
começar esquecer, nem vou perceber que esqueço, simplesmente não recordarei nem
mesmo de mim. [para e refletindo alto] Eu “descaro” [descarto?] o suicídio, não
preciso apressar a vida, ela mesma irá me apressar, apressar não, irá me
acelerar no momento certo, é a vida e é a morte. Tem hora que fico triste,
outras com boa alegria, outras vezes exagero esses sentimentos, emoções, muitos
desejos complexos e confusos, depressão e agitação eufórica. Vou dar uma
opinião fundamentada que senti na sala de aula: fico com medo, mas como eu era
falador, e levei meu diagnóstico de declínio para a escola, e por ela ser
privada[xxix],
tenho certeza disso, os professores me estimulam a falar, elogiam... Os colegas
ficaram até mais afetivos comigo, sem dó e nem piedade, uma “raçazinha”
excomungada [risos[xxx]].
Se fosse numa Federal a coisa ia ser outra, estou vendo professores dizendo “o
que eu tenho com isso?” – dá “pra” rir para esse pessoal sem decência própria
no trabalho, e para não ser injusto, universidade grandes tem esses problemas,
as comunicações não se encontram em estado de tranquilidade. Mas, tem professor
universitário que não sabe o que é inclusão, e quando sabem produzem desdéns.
Não sabe a importância da Educação Especial na classe de graduação, curso
superior, não sabe, não quer saber e não acredita, e se dizem desalienados, de
oposição ao estabelecido – são reacionários, repetindo: são fascistas no
cotidiano como em Foucault [ver nota de rodapé final: xvi]
esquecendo de que esse sociólogo e filósofo francês coloca força na Pedagogia
promotora de práticas educacionais questionadoras e enfrentativas – de
resistência. Tem hora, que na “sala mesma”, me sinto frustrado ao pensar como
ficarei. É como aquele brinquedo perigoso dos parques, a Montanha Russa, meu
corpo e minha mente em altos e baixos, caio e me levanto, uma hora esse
maquinário estraga, me joga de cima e eu morro, e ninguém vai noticiar ou se
importar, só mesmo, talvez (risos) meus filhos. Assim, tem vez que antecipo meu
próprio fim, que será inevitável para mim e pra todos os humanos, só para os
vampiros que não (risos), eles vivem mil anos – e deve ser um saco isso, viver
eternamente, nem pode acabar fisicamente consigo mesmo, o cara se joga do alto
e não morrer, meu Deus, que horror [ele fala sem rir] – aquele filme com o Brad
Pitt, esqueci o nome do diretor [risos, pois ele ama saber o nome dos
diretores][xxxi].
Antes, estava esclarecido para mim, o que eu deveria fazer para ter sucesso
“comigo mesmo”, e com os meus - ao meu redor, agora é um luto que se aproxima,
[algo fenomênico] que um momento irá “pegar” [brecar] minha destreza mental e
corporal, emocional, sentimental. Li o desespero daquele escritor argentino que
“fui” [foi] ficando cego, o Borges[xxxii] –
acho, o que ganhou o prêmio Nobel de literatura[xxxiii].
O desespero dele em ir ficando cego, e a cegueira chegando, ainda que ele tenha
descrito ter trabalhado com essa problemática transformando o fel em mel. Tem
mais casos dessas “travessias”[xxxiv],
como você gosta de escrever parafraseando Milton Nascimento[xxxv],
acho [referindo-se ao professor Hiran]. De um canto para outro, é um processo,
não sou apenas eu, há um mundo fazendo travessias simbólicos e de efeitos
concretos na vida. Há sempre uma perda, e nossa sociedade é cruel com quem
perde: o cego não é deficiente, a sociedade é que é deficiente em não cuidar de
todos os seus cidadãos dos modos mais diversificados singularmente que são,
cuidar de cada cidadão. Não tem essa que é impossível. só é possível se toda
sociedade e cultura, na história, tomar decisão de um mundo para todos e todas,
reconhecendo as diferenças, sem negar a igualdade que nos nivela, que é a
humanidade, como diz um artigo seu [referindo ao professor Hiran Pinel].
E a aprendizagem? [repete minha
questão a ele]. Quando eu fiz Educação Física, passei no primeiro ano do ensino
de segundo grau, mas entrei no final desse nível, não quis entrar na justiça,
de fato já tinha sido aprovado quando estava na oitava série... A gente fazia
para treinar, e sempre gostei de dar aula, e de Educação Física – fiz
licenciatura e depois fiz bacharelado em uma escola privada, pois se dependesse
da Federal tinha que fazer outro vestibular e se possível fazer mais 3 ou 4
anos de disciplinas – esse povo pensa que o mundo é deles, e não pensa nos
trabalhadores, igual cursos de Matemática que entram 40 vagas e foram 2, e o
colegiado acha lindo (risos). Esse pessoal se acha, pois o aluno em uma privada
faz o curso junto com os colegas, todos se formam, e todos vão trabalhar dando
aulas, e quem gostar de ciência façam mestrado e doutorado. Eu queria a
profissão, de ler ciência para tornar-me melhor professor. Anos depois, agora,
aqui no bairro (nome) e comecei um curso de Filosofia presencial, a distância
não teria a riqueza das opiniões de um texto lindo, as reflexões, os delírios e
alucinações de alguns colegas, e até de professores visivelmente malformados
nesses mestrados [risos].
Entrar nesse curso significa
organizar a Filosofia que sempre estudei, mas que carecia de ordem, de
organização, pois sou agitadíssimo desatento, não vou me descrever nessa área,
senão daqui a pouco, terei mais um diagnóstico – sempre fui, mas isso entra em
Altas Habilidades e Superdotação. Antes, na Educação Física era uma maciota
aprender seja com qual ensino fosse, agora tenho que ficar mais atento, até
pela minha tensão com o diagnóstico [e clínica de achado] com declínio
cognitivo leve, mas com sinais claros. Mas, isso é mais na escola, veja que
aqui papeando com você, nessa conversa nossa, titubeei pouco, não é? [confirmo,
e ele sorri satisfeito, se mexe na cadeira como se ajeitando, relaxando]. Hoje
invento modos de ficar consciente, crio estratégias como ficar na frente,
gravar para eu ficar escutando a aula. Tive que dar uma leve discussão com um
professor que disse não autorizar gravar, e eu sei que eu posso, eu lhe disse:
pode falar o que desejar, eu não vou usar gravação para condenar-te, é para eu
aprender, pode falar mal do fascismo que eu falo também, pode ser até
reacionário... eu quero são as aulas. As minha habilidades estão se desvelando,
e tem hora que é parar e pensar: no vácuo eu me digo, “espera aí Senhor
José-J... Preste atenção... Atenção, por favor”. Logo que fui descrito com
Altas Habilidades, destacou-se a linguagem oral, a facilidade de dialogar,
conversar, defender uma ideia – muito ligado ao texto, à escrita. Nem jovem, no
meio da 4ª série do ensino ginasial, comecei desde cedo frequentar a
universidade [nomeia a instituição] com a professora [diz o nome] do curso
de Letras, um da comunicação [diz o nome] e um de cinema [diz o nome], mas fui
em Oficinas de Artes, um Laboratório de Física, procurava ficar um tempo
grande, mas a parte de dialogar e conversar foi um acerto dos testes, pois eu
não tinha me percebido assim. Agora pressinto uma nova caminhada, não é de
retorno, pois nunca fui deficiente mental ou intelectual, mas precisarei de
ajuda escola, na universidade, minha faculdade é um centro universitário
pequeno, e isso pode ser possível, no mais, na demência mesma, deverei estar em
casa com familiares e cuidadores – a vida prossegue.
Quando me matriculei no curso de
Filosofia eu estava bem e não me percebi em falhas, e quando percebi isso já
estava adiantado no curso. Minha entrada era um sonho de agilizar minha mente,
acho que estava adivinhando, queria começar a publicar artigos científicos na
internet resgatando meu ofício associado com Merleau-Ponty que eu dominava bem
(e, por ora, domino ainda). Há muitos pesquisadores em Educação Física em
Maurice, o Ponty [risos, pois reduziu o sobrenome do filósofo, como seu
íntimo]. Era um desejo de brilhar ainda, como fiz quando fui professor e
pesquisador, mas sem organizar os dados, sem analisá-los e sem publicar. Hoje
sinto que estou tendo pequenas vitórias, uma após outra, e olha que estou só no
começo, quando estou motivado, não esqueço – esqueço muito nomes de pessoas, de
celebridades, por exemplo. E sabe o que realmente me importa no meio desse meu
drama pessoal? O curso superior é um dispositivo de enfrentamento
contra o implacável, sendo que eu, como herói, nesse caso, já nasci “me perdendo”,
perdendo-me [como se ele se corrigisse]. O curso funciona à noite, eu fico
ansioso para chegar e dialogar – acho que encho a paciência dos colegas e dos
professores. Eu falo pra eles que estou chato assim devido ao problema de
declínio cognitivo, e de que antes eu era mais tranquilo. Quando chego na sala
de aula sinto-me “o cara do pedaço”, o “El príncipe de Bel-Air”[xxxvi],
me sinto envolvido com a vida que pulsa em mim (estou poetizando mais uma vez,
comenta – risos), engajado e consigo dizer ainda esse verbo engajar, então
estou bem... O meu desejo é ser uma pessoa lúcida por ora, enquanto o Lobo Mau
não bem..., a doença. Vez por outro minha ideia é de apenas sobreviver, viver
sobre a vida, abafando-a, mas eu devo esperar mais aí avançar da doença, não
colocar o carro na frente dos bois – como eu amo clichês.
❀❀❀
[i] Seguindo
ética científica, modifiquei todos os dados que pudesse identificar o sujeito
da nossa pesquisa o Senhor José-J
[ii] Trata-se
de um “tipo” de prática educativa que é descrita como é um conjunto de
ações intencionais e planejadas (executadas e avaliadas)
de ensino e aprendizagem, realizadas por educadores em um ambiente específico,
com o objetivo de promover a aprendizagem e o desenvolvimento
humano e consciente crítico dos alunos – no caso de José-J focamos na
cognição e corpo (co)movida pelo afeto, de um aluno com declínio
cognitivo subjetivo - e depois leve. Ela se baseia em valores e
saberes (sentires e agires), levando em conta a realidade dos
alunos e a diversidade que se presentifica na sociedade,
buscando a autonomia, sempre relativa, pois diante do outro -
e a formação de cidadãos críticos e atuantes. No caso
envolveu a interação intersubjetiva e inter-humana professor/pesquisador
e educando/ discente, com seus valores e crenças fenomenológico-existenciais que
podem impactar, como teve efeitos positivos, aluno esse nosso foco potencial,
todo esse processo visando a um projeto sonhado de pesquisa
(ensino-aprendizagem) que vá além dos modelos tradicionais de
ensino-aprendizagem, indo além nas posturas fenomenológicas de envolvimento
existencial e distanciamento reflexivo, foca nos diálogos
livres e abertos, e ao mesmo tempo ensino em tarefas cognitivas.
Essa proposta se destaca por considerar o estudante como ser-no-mundo,
jogado ao mundo social, cultural e histórico, e sem sua anuência, tratando-se
aqui-agora de escolher e responsabilizar-se por isso, em movimento de
“ser mais”, entregando-se aos sentidos de ser na
amorosidade daquele encontro humano. Esse complexo
processo envolve, de modo indissociado: o ensino,
a aprendizagem, a relação íntimo-professor-aluno,
a avaliação (do projeto e das propostas das aulas
planejada), reflexão e novos planejamentos em ser-com.
[iii] O
Atendimento Educacional Especializado (AEE) é um serviço complementar à
sala de aula comum que visa atender às necessidades específicas de estudantes
com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas
habilidades/superdotação, com o objetivo de remover barreiras e promover a
inclusão e aprendizagem desses alunos. Ele é realizado em salas de
recursos multifuncionais ou em espaços adaptados, com o apoio de um professor
especializado, que utiliza recursos pedagógicos e de acessibilidade para complementar
a formação do aluno e desenvolver sua autonomia. NOTA: no caso do AEE do
Senhor José-J, oferecemos “tipo” AEE, para fins de pesquisa, pois não foi
dentro dessa perspectiva oficial, onde os materiais oferecidos foram os
direcionados a quem tem Declínio Cognitivo, onde usamos materiais frontalmente
cognitivos, inclusive, o sujeito da pesquisa tinha programas instalados no seu
tablet – uma cognição e corpo (co)movidos pela metafórica e simbólica energia
da afetividade, do afeto e do afetar.
[iv] Estamos
preparando um artigo sobre essa nossa prática, nesse artigo, como bem verá o
leitor, tem outro objetivo, mas isso não nos impede de tocar nessa nossa
intervenção tão provocativa, ao nosso perceber do fenômeno.
[v] Em
Bergson, a palavra "duração" (“la durée”) refere-se ao tempo vivido,
contínuo e qualitativo, em oposição ao tempo físico, mecânico, medido e
quantitativo que mensuramos com relógios e fitas métricas, por exemplo,
tratando-se de uma “experiência vivida” (pré-reflexiva) real do tempo, que no
“espaço vívido” (tenso, denso e intenso de vida fortemente vívida, pulsante), é
indivisível e fluido, em que se funde momentos e sentidos, um atual com o
anterior e o posterior, bem como com o que virá, movimentos indissociados
apreendos pela intuição, por essa entrega afastada do que denominamos de lógica
e lógico-formal (Pinel, Hiran. Método de Pesquisa Fenomenológico em Bergson. No
prelo).
[vi] Dizemos
que a educação especial é uma modalidade de ensino porque ela constitui
uma forma específica de atendimento educacional que se diferencia do ensino
regular, mas que integra a proposta pedagógica da escola regular. Seu
objetivo é oferecer recursos e serviços para atender às necessidades de alunos
com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento (TGD) e altas
habilidades/superdotação, garantindo sua inclusão e acesso à educação em todos
os níveis e etapas. Características da educação especial como
modalidade: Atendimento Educacional Especializado (AEE): É um
serviço de apoio que complementa ou, em alguns casos, pode até substitui o
ensino tradicional para garantir uma boa experiência de aprendizado; Público-alvo:
Inclui estudantes com deficiência (física, sensorial, intelectual), transtornos
globais do desenvolvimento (como o TEA) e altas
habilidades/superdotação; Abrangência: A educação
especial perpassa todos os níveis de ensino, desde a educação infantil até o
ensino superior, adaptando os recursos e métodos para atender a cada
etapa; Recursos e serviços: Dispõe de materiais didáticos
adaptados (como Braille), recursos tecnológicos, e profissionais capacitados
(como professores especialistas e intérpretes de Libras); Caráter
inclusivo: Embora a educação especial ofereça serviços
especializados, ela é feita preferencialmente dentro da rede regular de ensino,
buscando a integração e o desenvolvimento das potencialidades de cada aluno no
ambiente escolar comum, e nesse sentido, a inclusão implica em política pública
de Educação, de política relacional, subjetividade e emissão de comportamentos
(inclusivos), ética (quão bom é educar), estético (quão belo é educar), é
filosofia, são atitudes etc.
[vii] Natalie
et al (2025) descrevem, que remédios para dormir aplicados em camundongos, como
é o já popular Zolpidem, estão entre os medicamentos mais usados no combate à
insônia, mas afirma de que esse psicofármaco se associa à doença de Alzheimer.
Como ocorre isso? Os pesquisadores estudaram o impacto desse psicofármaco na
saúde do cérebro a longo prazo. Trata-se de um estudo que indica que o uso
prolongado desse fármaco pode estar ligado a alterações no sistema “glinfático”
- a "faxina natural" do cérebro. Esse sistema atua principalmente
durante o sono profundo, eliminando resíduos e proteínas que, quando
acumuladas, estão associadas ao Alzheimer. Entretanto, o Zolpidem causa danos
pois ele interfere na ação da norepinefrina, um neurotransmissor essencial para
esse processo do cérebro de ser limpo, asseado. Dessa forma, a limpeza cerebral
é atrapalhada, favorecendo o acúmulo de toxinas e aumentando as chances de
Alzheimer. FONTE: NATALIE, L. Hauglund et al. Norepinephrine-mediated slow
vasomotion drives glymphatic clearance during sleep. Cell Press. Volume
188, Issue 3p606-622.e17February 06, 2025. Disponível em: https://www.cell.com/cell/abstract/S0092-8674(24)01343-6 Acesso:
01/10/2015
[viii] Em
2024 o consumo desenfreado e o uso abusivo do Zolpidem levaram a Anvisa a
reclassificar novamente o Zolpidem como tarja preta, exigindo a receita azul
para sua prescrição, independentemente da dosagem, e isso foi a partir de 1º de
agosto. Deixamos de ter contado com o Senhor José-J logo no começo da pandemia
da Covid-19 até o presente ano de 2015, ainda que tentemos contactá-lo, por
isso não podemos dialogar sobre o uso do remédio que começou tomar logo ao
final de 2018.
[ix] BATERIA
FATORIAL CEPA: AUTOR: Diversos autores. Organizada pelo
Departamento de Estudos do CEPA. INDICAÇÃO: Orientação
Vocacional/Profissional, Seleção e Desenvolvimento Profissional. Avalia também
a inteligência. Avaliação psicológica geral. OBJETIVO: Com o uso da
Bateria CEPA torna-se possível verificar o potencial individual para a realização
de determinadas tarefas que dependem de aptidões específicas. INFORMAÇÕES
TÉCNICAS: A Bateria CEPA oferece condições para uma investigação minuciosa e
analítica da Inteligência Geral e de oito aptidões, tais como as designadas
pelos fatores: (Fator) V Compreensão e utilização da linguagem; W – Fluência
verbal; P – Atenção concentrada; N – Rapidez e exatidão de cálculos numéricos;
R – Raciocínio abstrato; M – Evocação (memória) de estímulos auditivos e
visuais; V – Percepção espacial; G – Inteligência geral. MAIS: Pelos
resultados obtidos através da Bateria CEPA pode-se orientar estudantes na
escola de cursos profissionalizantes, no prognóstico relativo à possibilidade
de êxito nas profissões ou atividades, e ainda selecionar pessoal a partir de
um perfil profissional previamente apresentado, avaliar a inteligência.
APLICAÇÃO: Formas de aplicação: individual ou coletiva. Tempo de aplicação:
aproximadamente 2 horas. Tempo de correção: 25 minutos. Idade de aplicação: a
partir de 11 anos. Nível de escolaridade: correspondente a 3ª série do Ensino
Fundamental. OBSERVAÇÕES: Os testes INV A (Inteligência Não Verbal), INV B
e INV C podem ser aplicados também em analfabetos. O teste Sinônimo 2 deve ser
aplicado somente em pessoas com o Ensino Médio completo
[x] A
Escala Wechsler de Inteligência para Adultos (WAIS) é um teste
psicológico padronizado que avalia a capacidade intelectual de adolescentes e
adultos, medindo diversas habilidades cognitivas através de subtestes. O
teste, desenvolvido por David Wechsler, é considerado um padrão ouro para
avaliação e é usado em contextos clínicos, educacionais e neuropsicológicos
para diagnosticar condições, planejar intervenções e entender o funcionamento
cognitivo. OBJETIVO E APLICAÇÃO: Avaliação da capacidade
intelectual: O WAIS fornece uma medida da inteligência geral de um
indivíduo; Contextos diversos: É empregado em avaliações
clínicas, educacionais, neuropsicológicas e forenses; Identificação de
habilidades: Ajuda a identificar indivíduos com deficiência
intelectual ou superdotação; Diagnóstico diferencial: Auxilia
na diferenciação de transtornos neurológicos e psiquiátricos que afetam a
função mental. PRINCIPAIS COMPONENTES E ESCALAS: QI Verbal:
Avalia habilidades relacionadas à linguagem, como vocabulário, formação de
conceitos e abstração verbal; QI de Execução/Perceptivo-Motor:
Avalia a capacidade de aplicar observações e realizar tarefas
visuais-espaciais, como transpor figuras e organizar peças, dentro de um tempo
limitado. ÍNDICES FATORIAIS: Além do QI total, verbal e de execução,
a escala fornece quatro índices que detalham o funcionamento
cognitivo: Compreensão Verbal; Organização Perceptual; Memória
Operacional; Velocidade de Processamento. PÚBLICO-ALVO: O WAIS é destinado
a adolescentes (a partir de 16 anos) e adultos, com a idade máxima de aplicação
geralmente até 89 anos, dependendo da edição do teste; EDIÇÕES E EVOLUÇÃO: O
teste foi originalmente publicado por David Wechsler em 1955 e já está em sua
quinta edição (WAIS-5); Cada edição, como o WAIS-III, apresenta dados
normativos atualizados e procedimentos de aplicação aprimorados; IMPORTÂNCIA
PARA PROFISSIONAIS: Instrumento essencial: Psicólogos e
neuropsicólogos utilizam o WAIS como um instrumento essencial para a avaliação
neuropsicológica detalhada; Informações quantitativas: O
teste oferece dados quantitativos que permitem conclusões aprofundadas sobre o
funcionamento cognitivo do indivíduo
[xi] O Teste
TAT ou Teste
de Apercepção Temática (TAT), é um teste
projetivo, criado em 1930, de classificação (de teste) psicológico criado
pelos: o bioquímico (e psicólogo) Henry Alexander Murray (1893- 1988) que assim
era mais creditado como único autor, e depois, resgatada sua coautora com a artista
e feminista de sua época, bem como psicanalisada por Jung e namorada (amante)
de Murray, senhorita Christiana Drummond Morgan (1897-1967). O
TAT foi criado, através de uma Psicologia da Personologia de Murray, para
avaliar a personalidade (ou como denomino “a subjetividade na objetividade do e
no mundo”) através da criação (ou invenção) de histórias a partir de imagens
ambíguas, postas em pranchas, e mostradas, uma a uma ao sujeito, e uma delas se
denomina “lâmina branca”. Na lâmina branca, assim procedemos (numa dimensão de
pesquisa): com o mesmo pedido, diante dessa lâmina, mais ou menos: “a partir
desse desenho nesse quadro de papel [que não tem desenho, uma folha de
cartolina dura, branca] crie ou invente uma história com início, meio e fim,
colocando pensamentos, sentimentos e comportamentos nos seus
personagens”. As histórias revelam motivos, preocupações e a forma como o
indivíduo vê a si mesmo, ao outro e aos outros, o mundo, em uma
contextualização que o indica ser-no-mundo - em uma Psicologia que conecta
necessidades internas e externa, as pressões que recebe e percebe do ambiente
imediato e sócio-cultural e histórico, autoestima e a autoimagem, seu ser-aí na
construção de seu projeto de ser (original) revelando modos
de ser concretos de ser-no-mundo etc. Que fique claro, que
na época, subvertemos o instrumento apenas para produzir pesquisa – e não
negamos as validações do instrumentos, indispensáveis ao crescimento da ciência
psicológica. Agimos com pedagogos que éramos, melhor, como pesquisadores da
área da Pedagogia e da criação de práticas educacionais especiais inclusivas
fenomenológico-existenciais.
[xii] COLODETE,
Paulo Roque. Sobre meninas na tempestade; estudo de caso a partir de uma
“inter(in)venção psicopedagógica” escolar e não escolar. Vitória: 2004. p.
219-512. In: COLODETE, Paulo Roque. “Klínica-ká-surfe”: Potência
& políticas de expansão da vida-alegria nas diversidades e vicissitudes
escolares e não-escolares. Vitória: 2009. Orientação, e assim em co-autoria:
Hiran Pinel
[xiii] O
começo dessa poesia, até popular, mas pouco memorizada, de fato é assim: “Eu
tive um cão. Chamava-se Veludo. / Magro, asqueroso, revoltante, imundo. Para
dizer numa palavra tudo/ Foi o mais feio cão que houve no mundo”.
[xiv] Esse
é um texto poético do parnasiano brasileiro Luiz Guimarães ou Luís Caetano
Pereira Guimarães Júnior. Ele foi um escritor, bacharel em Direito, jornalista
e diplomata carioca (1845-1898). Ele escreveu o muito popular, nas escolas da
época do José-J, o poema “História de um cão”.
[xv] e
O original é assim escrito pelo poeta: “Estupefato, absorto, palpei-lhe o corpo
/ Estava enregelado. Sacudi-o. / Chamei-o. Estava morto.” (“História de um cão”
de Guimarães Junior)
[xvi] ALVES,
Rubem. Educação dos sentidos e mais... Campinas (SP:: Verus, 2005.
[xvii] NUNES,
Antônio Vidal. Corpo, linguagem e educação dos sentidos no pensamento
de Rubem Alves. São Paulo: editora Paulus.
[xviii] É
bom, sempre recordar ao leitor, que o Senhor José-J, primeiro deu entrada no
nosso Grufei como educando ou orientando educacional pela via dos Atendimentos
Educacionais Especializados - AEE, fazendo a entrevista que resultou nessa
narrativa. O texto dele é de 2018 - e não havia esses dados, que de fato
aconteceriam depois de sua entrada. Depois desse texto pronto (e publicado em
2020), mas como deixamos evidenciado ao leitor, essa narrativa foi revista,
ampliada e modificada em aspectos mínimos, mas potentes. Em documentos não
consultados na primeira versão publicada (repetindo, em 2020), encontramos
“essas” reflexões do depoente – por isso acrescentamos. No caso, é bom perceber
o fenômeno do sentido do termo “durée” de Bergson – o tempo
vivido é uma junção de tudo que se viveu, em José-J trata-se de uma urgência no
ato intuitivo, e que se entrega com fervor, de atravessar forçadamente de um
lugar (que o abandona: uma alta inteligência, o que o psicólogo lhe escreveu
como ser “intelectualmente talentoso”) para um outro, o do esquecimento – e a o
“desmesmoriar”, como ele diz em algum lugar de sua narrativa, será espaço frio,
o gelo do descontrole. O Senhor José-J viveu no Grufei e a partir “dele-grupo”:
[1] deu o depoimento sob forma de narrativa, que o pesquisador descreveu; [2]
começou a participar das tarefas acadêmicas de estudos e leituras do Grufei
(recordem de que ele já fazia Filosofia há mais de dois anos) do textos, chegou
a participar do Facebook Grufei (que é fechado), bem como, e a tarefa mais
repetida era ele [3] receber cuidados pedagógicos, via práticas educacionais
especiais inclusivas fenomenológico-existenciais, práticas essas que compunham
o que lhe oportunizávamos como AEE. Repetindo: nos documentos escolares
posteriores, traziam pequenos discursos narrativos de José-J que trouxemos a
lume, por considerarmos esclarecedores de seus modos de ser em ser-no-mundo e
que pudessem dar mais pistas a uma Educação Especial na esfera do Declínio
Cognitivo, DC (e das Altas Habilidades, HA) no ensino formal superior, e
entender (e compreender) um estudante e educando em uma travessia [forçada ou
indesejada] de um lado (AH) para o outro (DC).
[xix] “Se
queres saber” é uma canção popular de Peterpan, gravada por Emilinha Borba (do
tempo do senhor José-J, pois gravada, com sucesso, em 1947), mas que pode ser
com Nana Caymmi.
[xx] Poderia
esse texto ser entre aspas, já tem 6 meses, ele o discente conseguiu recordar.
[xxi] “Ser
ou não ser, eis a questão”, a “fala” está descrita na narrativa da peça de
teatro, do tipo tragédia, escrita entre 1599 e 1601, intitulada “Hamlet”, de
William Shakespeare (1564-1616). Ela faz parte de um famoso monólogo em que o
personagem, o príncipe Hamlet, reflete sobre a vida e a morte. Hamlet é o
protagonista, e a frase interrogadora aparece em um solilóquio, um discurso em
que um personagem fala seus pensamentos em voz alta. No monólogo, Hamlet
contempla se seria mais nobre suportar as dificuldades da vida ou encontrar a
morte e, assim, acabar com o sofrimento. A reflexão aborda o dilema
existencial entre viver e morrer, o medo do desconhecido e a hesitação em agir,
mesmo diante de um destino cruel. Tudo a ver com o Senhor José-J, e creio que
ele percebe isso, mas não refletirá, pois ele sabe que a esquecerá, “para não
sofrer mais”, como no melodrama de “Se queres saber” que ele cita.
[xxii] Tipo
tablet.
[xxiii] SELIGAMAN,
Martin E. P. Desamparo; sobre depressão, desenvolvimento e morte.
São Paulo: Hucitec, 1977. É um texto de experimentos de Psicologia, e relatos
pessoais descritivos do autor; Seligman tem essa vertente descritiva, ainda que
não possa ser descrito, de modo algum, como da vertente fenomenológica de
pensamento, trata-se de um texto descrito, sensível, e em termos experimentais,
que gerou o que se denomina “Profecias Autorrealizadoras” (Rosenthal e
Jacobson) que passou a ser questionado por mais pesquisadores, como a renomada
psicóloga brasileira Carolina Bori, da Psicologia Experimental da Universidade
de São Paulo.
[xxiv] José-J
parece falar com desejo de provocar-me [com bom humor], pois disse-lhe tem
pesquisas positivistas indispensáveis de ser lidas. No texto oferecido a ele,
eu (pró)curo alguma relação, e de modo delicado e sutil, associar ao sentido
do Desamparo Adquirido de Martin Seligam com o conceito de “Verfallen”
ou “decadência” em Heidegger. Decadência, descrevo no meu texto, que sem dúvida
alguma, pode ser relacionado ao conceito de “consciência ingênua” de
Paulo Freire. Esse movimento, dessas três teorizações, pode gerar essa
“sensação de desamparo que pode levar à depressão”, dependendo da análise.
José-J comenta, em algum momento dos documentos que tenho dele e dos nossos
atendimentos educacionais especializados, mas que não encontrei esse dado, mas
isso ficou registrado na minha memória de educador, professor, pesquisador da
Educação Especial & Saúde.
[xxv] O
bordão presente no programa “Escolinha do Professor Raimundo”. Toda vez que o
referido professor pergunta à sua aluna, algo que os espectadores sacam com
teor sexual, ela, a discente, chamada Dona Bela, vira-se para a câmera e
declara seu desejo, e por conseguinte, o do mestre, afinal a questão parte
dele, e para dar o riso, tem um teor ambíguo, usando termos ligado popularmente
à sexualidade: "ele só pensa ‘naquilo’!" Foi uma frase marcante
da personagem interpretada pela renomada (e muito popular) atriz Zezé Macedo
(1916-1999) – que brilhou só como coadjuvante, alcançando mesmo o estrelato no
cinema e na TV. Já o professor é representado pelo famoso comediante Chico
Anísio (1931- 2012). Dona Bela, justo por não ser socialmente bonita,
ainda que a atriz fosse magra, elegante... e bela. O bordão era “falado” para
acusar o seu professor de ser pecaminoso e desejoso por sexo e com ela. Dona
Bela pareceria com o texto de Camões: “um fogo que arde sem se ver” que é
um soneto de Luís Vaz de Camões (1524-1580), publicado na segunda edição da
obra Rimas, lançada em 1598.
[xxvi] “Uma
pessoa só pode ser considerada ‘gênio’ após ter deixado um legado de inovação e
de criação considerável” (Lamb e Duarte, 2020; 19), in “Cartilha
sobre Altas Habilidades/ Superdotação”. FADERS Acessibilidade e
Inclusão, ago.; 2020. Gov. do RS.).
[xxvii] Realmente
o parecer psicológico, com os nomes dos testes aplicados, os resultados
altíssimos de todos eles e o diagnóstico final “altamente talentoso”, sem as
iniciais maiúsculas.
[xxviii] Para
Michel Foucault, o "fascismo do cotidiano" se refere a uma forma
de poder e dominação que não se restringe apenas ao Estado, mas se manifesta
nas microrrelações do dia a dia, moldando nossos comportamentos, desejos e o
próprio corpo para se tornar "dócil". Combater esse fascismo
exige uma ação micropolítica constante, que envolve a proliferação de
pensamentos e desejos heterogêneos, a crítica ao conformismo e a recusa em se
apaixonar pelo poder. In: “Introdução à vida não fascista” de Michel de Foucault,
texto lido no Grufei. Trata-se de uma introdução para o livro “O
Anti-Édipo“- de Deleuze & Guattari.
[xxix] Torno
recordar ao leitor, sendo didático repetitivo para evitar confusão: a narrativa
de José-J foi nos oferecida, após um dia do diagnóstico de declínio cognitivo,
e assim foi publicada em 2020, mas em 2025 encontramos documentos dele de
nossos Atendimentos Educacionais Especializados, onde anotávamos, além das
tarefas desenvolvidas, nossas conversas com ele, por isso, a narrativa atual
(de 2025) é mais completa e subverte se comparada à primeira, com menos dados.
[xxx] José-J
parece dizer o modo como os professores “o aceitam” por estarem em uma escola
privada e dependentes de agradar ao aluno, para agradar ao sistema, senão são
demitidos – mas, ao mesmo tempo, esse parece ser o real motivo, ele quer
destacar o lado positivo disso tudo: estão ao lado dele, dando a ele o melhor
do processo ensino-aprendizagem. Ele se refere também aos colegas, dando
sentido parecido: temos de aceitar e apoiar o colega. José-J exercia uma
liderança positiva na sala de aula universitária.
[xxxi] Trata-se
do filme “Entrevista com o Vampiro”, estadunidense, de 1994, dirigido por Neil
Jordan, baseado no romance homônimo de Anne Rice , de 1976 , e estrelado por Tom Cruise e Brad Pitt e outros.
[xxxii] Jorge
Luís Borges (1899-1986), argentino, ficou progressivamente cego desde a
infância devido a uma condição genética hereditária da retina, perdendo
totalmente a visão em torno dos 55 anos. A cegueira foi um processo
gradual que durou mais de meio século, e, ao contrário do que se poderia
esperar, transformou-se, talvez um “modo de ser alternativo resistencial” para
o escritor. Essa experiência vivida acabou inspirando sua obra e o tema não se
escondeu. Borges enfrentou a cegueira, vendo-a como um presente que tinha
lá suas virtudes, ele experimentou “ver” e ir ficando “cego”, dois
experienciares em travessia, nesse sentido, como José-J, mas que em Borges não
tem o teor de perda da vida física e mental. A cegueira foi
reinterpretada por ele, mas sabedor de que vivia em uma sociedade dominante
focada no “olhar” e ou “no ver”, e pouco no “sentir sensações de sentidos”. O
seu ser cego lhe presenteou com novos e provocativos-ser-no-mundo dos
conhecimentos literários, dos idiomas - lendo mais e mais, entretanto, segundo
li, ele não aprendeu o método Braile – não desejou isso, já que aprendeu outros
idiomas. A cegueira e seus efeitos estão em seus contos e poemas, ampliando sua
riqueza de ser-no-mundo da literatura e poesia mundialmente famoso. A
ansiedade, essa sim o contaminou por algum tempo, e ele a transformava em
produção literária ficcional e não-ficção (ensaios, ele era professor
universitário) – diz dados sobre ele que pressenti em seus
textos. Fazendo prevenção para futuros problemas, Borges foi criando
vínculos humanos de qualidade para cuidar dele nos registros seus textos
literários, ditando suas obras para sua mãe, amigos e assistentes (aí precisou
pagar), com o finco de que transcrevessem sua produção. Nesse contexto, o poeta
(pró)curou adaptar-se, tendo o “espírito inclusivo” (estou inferindo, sempre]
de quem o rodeava, e ele mesmo sabedor da inclusão. Como o o Senhor José-J,
Borges fez uma travessia entre um lado (olhar, enxergar “com os olhos”, ver)
para o outro (ficar cego, “desver” com os olhos, mas não com a mente que viu, e
que ficou na memória), mas tendo a consciência de si e do mundo. Já José-J será
diferente, talvez mais dramático, um tango argentino, mais melodramático, como
em Manuel Bandeira (1886-1968), na poesia “Pneumotórax”: “Febre,
hemoptise, dispneia e suores noturnos. /-/-/ A vida inteira que podia ter sido
e que não foi. /-/-/ Tosse, tosse, tosse. /-/-/ Mandou chamar o médico: /-/-/ -
Diga trinta e três. /-/-/ - Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
/-/-/ - Respire. /-/-/ ……………… /-/-/ - O senhor tem uma escavação no
pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado. /-/-/ - Então, doutor, não é
possível tentar o pneumotórax? /-/-/ - Não. /-/-/ A única coisa a fazer é tocar
um tango argentino. ”/-/-/ [no livro: Libertinagem] O
método fenomenológico, em um dos seus modos de praticá-lo, acaba pontuando um
fato, o de que a arte (poesia e literatura) pode (des)velar parte do real
dos modos de ser do ser-aí encarnado de ser-no-mundo de
José-J, que resiste enquanto tem vivo seu projeto de ser que
caminha para um viver intuitivo onde o tempo tem um sentido de urgência, que
ele vive com ansiedade, dando novos significado ao tempo de viver sua vida,
algo mais diferenciado, um tempo fora dos relógios da parede.
[xxxiii] Borges
nunca ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, embora tenha sido indicado em várias
ocasiões.
[xxxiv] Não
uso o termo “travessia” recordando minimamente em Milton Nascimento, é um termo
muito usado em fenomenologia: a filosofia fenomenológica faz uma metafórica
travessia do seu lugar de nascimento (Filosofia) para a Pedagogia e as práticas
educacionais inclusivas fenomenológico-existenciais ou seja, parte de um lugar
de origem para um outro totalmente diferente cujo “fenômeno” ou objeto de
estudo, pesquisa e ação é totalmente diferente da Filosofia, o mesmo ocorre
quando essa Filosofia originária, como um iate de luxo, atraca na Psicologia,
com objeto diferenciado, ou como gostamos de dizer: “fenômeno diferenciado” de
estudo, pesquisa, intervenção. A Filosofia cede conhecimentos para as práticas
educacionais (“fenômeno da Pedagogia”, uma das Ciências da Educação) e a
subjetividade e comportamento (fenômeno da Psicologia).
[xxxv] “Travessia”
aqui, para José-J., é um título da canção com Milton Nascimento, cantoe e
compositor, que viver uma fase atual (2025) de Declínio Cognitivo, vale a pena
comentar, para trazer o sentido de humanidade do ser humano como ser-no-mundo.
O poeta “fala” do atravessar o amor e a separação dele (do amor), que por ele é
vivido como se fosse do dia para a noite, e sem perceber, sem sofrer.
Idealmente é alguém separar da gente, sem que sintamos, e nem soframos. De
certo modo, o artista mineiro Milton, está fazendo uma travessia, sempre
fazemos: “Após compartilhar o diagnóstico de demência por corpos de Lewy de
Milton Nascimento em uma entrevista para a Revista Piauí, Augusto Nascimento,
filho [adotivo, já adulto] do cantor, publicou um desabafo emocionante em suas
redes sociais na tarde dessa quinta-feira (...) [NOTA: Corpos
de Lewy são depósitos anormais de uma proteína chamada
alfa-sinucleína que se forma nas células nervosas do cérebro, causando a morte
delas e levando à Demência
com Corpos de Lewy algo ligado "também" ao Declínio
Cognitivo Leve, DCL) e/ou à Doença
de Parkinson, uma condição neurológica progressiva que afeta
o pensamento, o movimento, o comportamento e o humor, pode recusar a comer, a
tomar banho, problemas nos olhos – dentre outros. Os sintomas incluem
alucinações visuais, problemas de movimento, alterações no estado de alerta,
depressão e ansiedade]. RETORNO AO TEXTO: “No final do ano passado,
comecei a notar alguns comportamentos diferentes do meu pai, mas nada que fosse
alarmante. De lá para cá, fomos levando a vida normalmente, ainda que com uma
preocupação sempre existente, mas com ele recebendo inúmeras homenagens, sendo
ovacionado, vibrando, cantando, sendo tema de desfile no carnaval, e por aí
vai. Com o tempo, as alterações foram se acentuando. […] Tem sido uma batalha
diária, uma dor intensa e um vazio enorme no peito, pois, alguma forma, o meu
melhor amigo está me deixando aos poucos. Em alguns momentos, enquanto assisto
televisão com ele, em meio ao silêncio, ele puxa e segura a minha mão. Também
tem sido comum que ele só aceite fazer algumas refeições, quando eu estou ali o
incentivando... acho que essas têm sido as maneiras dele me dizer o que em
alguns momentos ele não vem conseguindo expressar através das palavras. Venho
tentando retribuir todo o bem, o amor, cuidado e carinho, dando o máximo de
dignidade e conforto que ele pode e merece ter nesse momento. Desde o momento
em que o universo nos colocou um no caminho do outro, somos inseparáveis e
invencíveis, e seguiremos assim enquanto estivermos juntos nessa vida. Peço
respeito e compaixão de todos nesse momento tão delicado. Eu te amo e sempre
amarei, paizinho”, escreveu ele. Essa demência no cérebro, afeta
funções cognitivas, motoras, comportamentais (e afetivas). Fonte: https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2025/10/02/meu-melhor-amigo-esta-me-deixando-aos-poucos-filho-de-milton-nascimento-fala-sobre-demencia-do-pai.ghtml
[xxxvi] “O
Jovem Príncipe de Bel-Air”, onde o “príncipe” se refere a um personagem pobre e
plebeu que vem morar na casa dos tios milionários. Bel-Air é um bairro elegante
e luxuoso bairro de Los Angeles nos Estados Unidos – família de pretos, e mesmo
sendo ricos, sofrem preconceitos e outras efervescências de estigmas,
estereótipos e discriminações. Como arte, trata-se de uma sitcom (ou
"comédia de situação") americana criada por Andy e Susan Borowitz,
produzida por Quincy Jones e exibida originalmente pela rede NBC, de 10 de
setembro de 1990 até 20 de maio de 1996. A obra compôs a cultura pop da época.