quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Taipei, a grande cidade chinesa, estava refém daquela bela mulher que a todos contaminava. Ela tinha inventado para si as suas sobrancelhas, com lápis, que levemente insinuava a dama de cetim, e ao mesmo tempo, esboçava seus lábios encarnados de batom ao estilo vermelho encharcado, guerreiro, apaixonado - numa angústia danada de boa, resistente. O lápis e o batom eram produções tailandeses da marca "Ídolo", recém lançados por Krist e Singto. Ela era uma linda otaku - e repetia sempre os nomes dos dois atores e cantores populares, dando, após pronunciar o nome dos bofes, gritinhos orgásmicos. Aquela megalópole era uma cidade que ouvíamos contar, mas, o nosso desejo mesmo, era de vivê-la, senti-la nos nossos braços, nas nossas entranhas - ela precisava se enfiada em nosso âmago, nossa essência de ser no mundo: "Essa cidade que não é dela" - disse o cavalheiro rancoroso que andava pelos bares proibidos de Pequim. "Nem é de Singto e Krist, que ousam compor o rosto dessa deusa solitária", dizia um outro amargurado e vingativo. Num minúsculo apartamento de Whuan, um jovem estudante de Pedagogia, se sente (im)pedido de sair pras ruas. Ele liga o computador e olha enternecido para aquele rosto de mulher. Lindo e pelado, ele vai à cozinha tomar um pouco de café brasileiro, que comprou achando que era. Ao fundo, escuta Singto e Krist cantando uma ode à lua e às estrelas. Lá fora, a madrugada nos abate e acalenta. "Todos, no mundo inteiro, estamos reféns de você", diz o belo empresário chinês de Whuan, (re)ferindo-se à mulher. Chega até à janela, e enxerga o mundo, que lhe dá uma piscadela de solidariedade. "Eu quero um consolo", ele grita das persinas Columbia. Ninguém o escuta. Toma um gole do café e repete pra si mesmo: "É brasileiro, é conilon catado, daquele, que um dia, superou o arábica" - e um riso estupendo se abre e se escuta em toda cidade, em meio ao melodrama de si, da saúde e do Estado. Ele não está só: tem o rosto da mulher a lhe animar, bem como, o tal café, que em breve, os artistas tailandeses lançarão como o nome de Ídolo.

Hiran Pinel, autor.