segunda-feira, 11 de abril de 2016


A LEITURA DO OUTRO, PARA MELHOR CONHECER-ME...
Curta metragem, de 14 minutos, "Antes de Palavras" direção de Diego Carvalho Sá. 


Minha sinopse 

Três personagens - dois rapazes e uma moça - estão no colégio, que me parece privado kkk Tudo bacaninha, alunos amam ler... kkk Prédio novinho... Tá bom, tem escola pública assim... Tem mesmo... Mas eu acho que é privada, o jeitão dos protagonistas, uniforme... Tudo muito branquinho... Ah... sei lá... kkk Tem uma biblioteca organizadinha demais, e com uma bibliotecária fascinante, ela não interfere no desejo de ler dos seus usuários, ela escuta e viabiliza esses desejos, devires. 
Um sujeito ledor, Célio (ator: Maurício Destri), está fixado em um livro, é um sedento para conhecer. Com a namorada Sofia (atriz:  (Marcella Arnulf), observa um colega ledor Dario (ator: Henrique Larré), novo na escola, com sorriso e olhar sacanas. 

Célio é o olhar de sentido - um para o outro chamado Dário. Quem anuncia esse outro-novo é a própria namorada dele, a Sofia - "ele é novo aqui". Os dois abraçadinhos - namoram os lindos -, o outro está só, ops... bem acompanhado por um livro. Os três estão solitários, mesmo juntos...
O corpo de Célio está curioso, como é curiosa a sua leitura do livro - curioso que é-sendo. A partir disso, ele vai à bibliotecária, e por um acaso, ele vê Dario entregando o livro que ele acabou de ler. Então, de modo impulsivo, sempre pede à bibliotecária o livro que o outro leu, sempre. Interessante, será esta curiosidade um ato em busca do "conhecer de sentido" o conteúdo do livro, com isso levá-lo até a Dario e Sofia. A leitura do livro é bastante cognição, é algo organizado para o leitor, e o conteúdo costuma (co)mover pelo afeto que provoca - é preciso ler racionalmente, e se envolver existencialmente imbricando com o texto (conteúdo, "afetocognição" indissociados. 

Mas o dado é que todos estão nesse jogo de leituras de si e do outro (e do mundo), nesse mosaico do amor quase que se direcionando ao platônico, e ao bromance. É muita informação diz Célio, e aconselha esse experienciar à Sofia.  

Há assim, como dissemos, um desejo em conhecer aquele outro, para então conhecer-se melhor, e o Célio o faz pela via dos livros - ele é o protagonista. Não aparece os títulos das obras, mas nesse sentido, deve ser literatura ficcional, não ficcional ou mesmo técnico, o fato é que o desejo de ler/ saber move os personagens todos. São dois le(dores), a namorada não o é, mas se interessa pelo que o amor dela lê, por isso sempre pergunta: O que você está lendo?
Repetindo: Trata-se assim da leitura do outro como leitura de si. O sujeito é ser-no-mundo e se desvela nos seus "modos de ser sendo junto ao outro, no mundo" (PINEL, 2004) da leitura, do conhecimento, da curiosidade. "Eu leio os livros que o outro lê, para não apenas conhecê-lo, mas também conhecer-me, e conhecer a namorada", poderia dizer. A "coisa mesma" começa pelo olhar do interesse, e como não tem coragem de colocar no concreto relacional aquela paixão desenfreada nessa (pró)cura, Célio parte para o conhecimento tranquilo e possibilitador de novas experiências... Como bons leitores, ambos são metódicos. Mas é bom recordar que se os livros dão pistas dos leitores, esses dispositivos não são o real, não são o concreto da relação interpessoal e social.
Eles se esbarram uma única vez na escadaria da escola, e nada dizem - mas os corpos falam kkk. Fazem leituras cujas trajetórias podem ser narradas como meticulosas e desejantes - a paixão em ler os une. Amor, conexão, novos conhecimentos de sentido, empatia. A razão encarnada, o amor e a amizade misturados, algo platônico, me parece, está movendo o "conhecimento de sentido". A via primeira da curiosidade é o olhar como parte do corpo todo, da alma, da mente. 

A namorada sente tudo que está acontecendo - uma amizade, um bromance, algo profundo, algo platônico -, já o namorado não, ele está muito envolvido existencialmente com o outro (livros, Dario, e a própria Célia) e envolvido com o estranho a ele, o amor por um homem. O interessante é que ela acaba fazendo a ligação entre os dois, mesmo que fique angustiada por estar perdendo tudo. Além dos livros, os dois gostam do mesmo estilo de música, ou a mesma. 

No começo desse curta maravilhoso, o namorado está preocupado com o futuro. Ao final, interrogado pela namorada acerca desse tema, ele diz que não, e meio que sustenta a relação com Célia, ele não se preocupa mais, está desejando ficar ali, com os dois, no presente - nada do futuro. Acho que ele deseja entregar-se ao presente. Ao final, ele diz para não se preocupar tanto com o futuro, mesmo que seja o fim do mundo. Ela se acalma. Célio vai à biblioteca, e nela enxerga Dario. Ele olha (esse é o seu meio de prazer), vai andando em direção ao rapaz, e lentamente o toca, o conhecimento concreto do outro é outro, diferentes das leituras. Nunca isso ocorreu entre os dois, um tocar consciente. 

Célio vai e toca Dario - recordam do olhar sacana dele, pois é, e o bote? Ele pode agora dá-lo. O fogo pode pegar, mas temos que imaginar. Aí está a beleza desse filme, a gente pode imaginar, criar, inventar. E nesse filme, me parece que a amizade profunda (platônica) é um fogo que se arde sem se ver, pois é amor.

Sabe, esta é uma obra de arte aparentemente fragmentada, mas é tudo planejado kkk E nesse contexto o final dessa película é surpreendente, pois cheio de (im)possibilidades para nós os fãs da película (tal qual os fãs dos livros), os pesquisadores como eu sou do tema "cinema, educação e inclusão" etc.

Célio e Sofia, apaixonadinhos da silva sauro kkk

NOTAS:
A moça (namorada) é o contraponto, fazendo a linha daquela que engole o vivido neoliberal, gostando das músicas do momento, por exemplo. Ela condena a música que os dois escutam, parecendo ser música alternativa.
Três excelentes atores, música minimalista (igual ao todo dessa obra de arte), direção segura, fotografia e iluminação perfeitas.
Parecido com as séries tailandesas, mesmo bom gosto e delicadeza em abordar a adolescência e seus dilemas, sofrimentos, dúvidas, passagens, solidões.
A bibliotecária, vamos dizer, a coadjuvante, tem um papel primordial: ela viabiliza os livros, sem interrogar, sem intrometer. Ela viabiliza a leitura. Nem toda bibliotecária é assim, nem toda... Nesse filme ela estará sendo idealizada? kkk
Sabe o que eu acho? Vai dar um longa, tal qual ocorreu com o curta "Hoje Não Quero Voltar Sozinho", de Daniel Ribeiro.

Dario, sorriso abusado, e pode dar o bote de inventar novos modos de ser amigo platônico com bromance.

O filme já foi premiado em alguns festivais e já passou em mais de 25 países.