segunda-feira, 30 de abril de 2018



FOFOCA: PSICODINÂMICA SOCIAL

Ensaio de Hiran Pinel, 23/04/2018.

Aqui-agora se trata de refletir sobre o cotidiano da fofoca, sua psicodinâmica social – a subjetividade do sujeito, uma subjetivação, algo em movimento produzida pelo ser-no-mundo. Há, por assim dizer, e por ora, três personagens: o falador (que conta algo, um caso com objetivo ou não de fofocar), o escutador (que irá espalhar, distorcer ou não) e o sujeito objeto da fofoca (que pode ser o falador mesmo, ou falador falou de um outro-outro, que é o mais comum).

Fazer fofoca é algo humano, pertence a essa humanidade - eu faço, nós fazemos, ele faz, voa fazeis, eles fazem etc. Fala-se algo, alguém escuta e passa pra frente - para as pessoas mais desbaratadas.

O primeiro falante/ falador já falou (talvez) alterando os fatos, e se falou de "fatos mesmos" (verdades), é porque estão na esfera daquilo denominado delicado, e se é delicado, qual o motivo de fazê-lo?

E o escutador altera o fato já alterado, especialmente se o tema mexe com ele (sexualidade, por exemplo; competição entre atores, em ambiente artístico, é outro exemplo). Sendo verdade ou mentira ou alteração de uma verdade (mantém parte de uma possível verdade e acrescenta uma mentira) ou opinião, o falador teoricamente não está necessariamente fofocando, pois diz ao outro, esperando que a coisa não se alastre - ele divide com o "amigo" algo que pra ele é denso, tenso e intenso, mas não se reconhece nisso.

O falador pode estar a falar de sua própria dor, ou porque morre de inveja, a está com despeito - sei lá... Melhor seria ele procurar um psicólogo, mas o fofoqueiro tem desejos estranhos, e ao mesmo tempo, pode não tem grana pra pagar esse profissional psi e ou diz que não acredita em psicoterapia, afinal ele seria desmascarado no seu jogo barato de teatro kkk

Mas pode ser que se faça fofoca desejando o alastramento. O escutador escuta o falador, que deseja escutar o que ele deseja (seu bel prazer) e passa adiante. O falante original (falador) pode elogiar a pessoa algo de sua desconfiança, e se falou algo infeliz de um outro (o sujeito objeto da fofoca), o escutador passa adiante e quiçá ele mesmo não conte diretamente para o objeto humano (o sujeito tema do falante; o motivo da fofoca). O falador pode falar só coisas elogiosas, e lá no meio fala que "o objeto do preconceito está muito nervoso, e que ainda assim é lindo, maravilhoso, ator maravilhoso, esplendoroso, que é líder do fã clube etc.", só que o fofoqueiro dirá ao objeto o seguinte: o falador disse que vc é muito nervoso (fato).

 Mas precisava dizer isso? Prosseguindo, aparece o "acho que ele disse porquê..." aí vem uma série de impropérios, inferência que geram angústias e histerias... Tem vez que alguém lhe conta algo pra vc guardar, afinal ele contou pra dividir sua tensão com o tema. Não deveria.

Outra coisa é o falador falar algo, e pronto, só isso era seu desejo, falamos toda hora de si, do outro pertinho e distante (um ídolo, por ex.), de um objeto, um governo etc., mas alguém escuta (escutador) e distorce e faz fofoca - na origem não havia fofoca, mas um outro escuta num determinado ponto e aumenta um pouco, as carências afetivas envolvidas são imensas (o falador, o/s falante/s, o objeto original etc.), são psicopatológicas, e pronto, é um motivo pra todos serem temas de atenção, amor, carinho kkk somos carente e se não somos amados, adoramos qualquer amor, amor por piedade, amor por ódio, amor por abuso etc.

Até em conferências científicas já escutei fofocas: "sabe que o doutor fulano definiu Édipo sem ligar ao mito, mas à religião evangélica? Sabia que o caso dela é um pastor daquela igreja?" e o escutador escuta e destrói a vida o conferencista... Ainda bem que tudo se grava e pode desmascarar os sujeitos desses imbróglios.

Há verdadeiras fofocas: ele é feio, é “gordo nojento” (gordo é descrição do fato, é preciso ver o modo como se fala), é macaco, é velho, é idiota, é Zé Ninguém... Pessoas que dizem “odiar fofocas”, podem de fato odiar, mas estão sempre fazendo também, espalham as boas-novas do nascimento de um boato (kkk) puro mau caráter, e escuda defensor da não fofoca, e só a faz.

Por isso eu creio que uma das coisas positivas da “autopromoção” é essa: fala, fala, mas fala de si, espalha boatos de si, bons e ou maus, verdadeiros e ou mentirosos... Sim, na autopromoção funciona falar pessimamente de si, objetivando comentários e famas. "Adoro espalhar boatos acerca de mim mesmo" dizem que Oscar Wilde falou isso, juro! Você acredita, menina! Oscar Wilde aquele “viadinho” arrogante... Bem-feito, por isso foi preso...

O melhor é ficar calado, e NUNCA mais conversar, pois tudo pode virar fofocas, pois vivemos emitindo opiniões acerca de nós mesmos, dos outro (pessoas comuns), de teóricos, artistas, ídolos, desportistas, mulheres e homens famosos etc.

Melhor ainda é lutarmos para termos amigos, falar o que sentimos para ele, e sermos protegidos, guardados com cuidado por esse outro. Um amigo que entende o sofrimento do falador – o falador pode ter graves problemas emocionais, bem como o falante, e cuidado, pois a doença mental pode ter o objeto do rancor, o tema de sua perturbação. A psicopatologia não pertencente a uma casta, contamina a todos e a todas.

Melhor ainda procurar um psicólogo que pode te ajudar a descobrir os motivos de seu sofrimento (falador), do seu prazer orgásmico em destruir o outro (o falante) e a “orgia da vítima” (objeto do ódio, da fofoca, do rancor), sim, se ele sofre, pode (quem sabe) passar a gostar desse lugar-tempo, pra dizer suas verdades, quem sabe nunca escutado. É comum a vítima espalhar verdades de si, e depois sofrer com a boataria... sim, uma fofoca pode ser verdadeira. Por ex: uma pessoa pode socializar que tem (de fato) dois amantes, e no trabalho aparece com um e depois com o outro e mais diz isso claramente e sua cultura/ sociedade condena isso, se não condenar não há fofoca (kkk). Depois quando isso se espalha, ela pode se sentir magoada, ferida.

Acho que é também recomendado que tenhamos cuidado com quem falamos, onde falamos, quem pode escutar as coisas que dissemos... Uma pessoa carente, sem vergonha disso, pode contar-me fofoca apenas para ter minha atenção, meu amor e ao mesmo tempo meu sofrimento, minha dor e abandono. Sim, uma boa fofoca desune.