Para validar e fornecer rigor a uma pesquisa pelo método fenomenológico,
e aqui NÃO falo de validade estatística, precisamos dar aos dados coletados e transcritos [1] "credibilidade", [2] "transferibilidade", [3] "dependabilidade" e [4] "confirmabilidade".
PERGUNTO:
Nesse contexto o "que é" e "como é" a [1] "credibilidade", [2] "transferibilidade", [3] "dependabilidade" e [4] "confirmabilidade"? Dê exemplos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A validade em pesquisa fenomenológica, como você bem mencionou, não se baseia em estatísticas, mas sim em critérios que garantem o rigor e a qualidade da investigação. Esses quatro pilares — credibilidade, transferibilidade, dependabilidade e confirmabilidade — são essenciais para assegurar que a pesquisa seja fidedigna, relevante e confiável.
1. Credibilidade (Credibility)
O que é? A credibilidade é o equivalente qualitativo da validade interna. Ela se refere à confiança na veracidade dos resultados. A questão central é: os achados da pesquisa representam uma interpretação precisa e autêntica da experiência dos participantes? A credibilidade busca garantir que o pesquisador captou a essência do fenômeno como ele é vivido pelos sujeitos.
Como se obtém?
- Triangulação: Utilização de múltiplas fontes de dados (entrevistas, diários, observação), diferentes pesquisadores ou várias teorias para examinar o mesmo fenômeno. Isso reduz o viés de uma única fonte.
- Verificação com os Participantes (Member Checking): Apresentar as interpretações e conclusões da pesquisa aos próprios participantes para que eles confirmem se os achados refletem suas experiências de forma precisa. Se eles concordam, a credibilidade é fortalecida.
- Permanência Prolongada: Passar tempo suficiente no campo de estudo para construir confiança com os participantes e entender profundamente o contexto do fenômeno.
- Análise de Casos Negativos: Procurar ativamente por dados que contradizem as teorias emergentes, aprimorando a análise ao explicar essas exceções.
Exemplo: Um pesquisador que estuda a experiência de mães com filhos que têm doenças raras realiza entrevistas aprofundadas. Para garantir a credibilidade, ele faz a verificação com os participantes: após transcrever e analisar as falas, ele envia um resumo das descobertas a cada mãe, perguntando se a interpretação "faz sentido" e "captura o que elas sentem". Se a maioria delas confirma, a credibilidade do estudo é reforçada.
2. Transferibilidade (Transferability)
O que é? A transferibilidade é o equivalente qualitativo da validade externa (generalização). Refere-se à possibilidade de que os resultados da pesquisa possam ser aplicados ou transferidos para outros contextos ou grupos. Em vez de generalizar para uma população inteira, a transferibilidade busca fornecer descrições ricas e detalhadas que permitam ao leitor decidir se os achados são relevantes para sua própria situação.
Como se obtém?
- Descrição Rica e Detalhada (Thick Description): O pesquisador deve fornecer descrições minuciosas do contexto, dos participantes, dos métodos e dos achados. Isso inclui detalhes sobre o ambiente, o histórico dos participantes e as nuances de suas falas.
- Amostragem Intencional: Selecionar participantes que vivenciaram o fenômeno de forma intensa, garantindo que os dados sejam ricos e informativos.
Exemplo: O mesmo pesquisador que estuda as mães fornece uma descrição detalhada de quem são essas mães (faixa etária, nível socioeconômico, tipo de doença do filho), o ambiente onde vivem, e as especificidades de suas interações. Com essa descrição rica, um assistente social que trabalha com pais de crianças com deficiência pode ler o estudo e julgar se as experiências descritas se assemelham às de seus clientes, transferindo as percepções para sua própria prática.
3. Dependabilidade (Dependability)
O que é? A dependabilidade é o equivalente da confiabilidade. Ela se refere à estabilidade e consistência dos dados ao longo do tempo. A questão é: se a pesquisa fosse replicada com os mesmos participantes em condições semelhantes, os resultados seriam consistentes? Não se trata de obter exatamente as mesmas palavras, mas de demonstrar que o processo de pesquisa foi lógico, consistente e documentado.
Como se obtém?
- Auditoria de Dependabilidade (Dependability Audit): Manter um "rastro de auditoria" completo e transparente. O pesquisador deve documentar cada etapa da pesquisa: transcrições de entrevistas, anotações de campo, decisões de codificação, e todas as escolhas metodológicas.
- Descrição Detalhada do Método: Explicar com clareza como os dados foram coletados e analisados, permitindo que um auditor externo ou outro pesquisador possa seguir o processo.
Exemplo: Para demonstrar a dependabilidade, o pesquisador do exemplo das mães mantém um diário de campo meticuloso. Nele, ele anota não apenas as falas, mas também suas próprias impressões, as datas das entrevistas, os motivos para cada pergunta, e as decisões tomadas durante a análise. Um auditor externo poderia revisar esse diário e, com base na clareza e lógica do processo, confirmar que a pesquisa foi conduzida de maneira consistente.
4. Confirmabilidade (Confirmability)
O que é? A confirmabilidade é o equivalente da objetividade. Ela se refere à garantia de que os achados são baseados nos dados e não nas preferências ou preconceitos do pesquisador. O objetivo é demonstrar que as conclusões são derivadas das experiências dos participantes e não de vieses do pesquisador.
Como se obtém?
- Rastro de Auditoria (Audit Trail): O mesmo rastro de auditoria usado para a dependabilidade é crucial aqui. Ele deve mostrar como cada conclusão foi extraída diretamente dos dados brutos (por exemplo, citações literais dos participantes).
- Triangulação de Dados: Como na credibilidade, usar múltiplas fontes para corroborar os achados ajuda a garantir que as conclusões não sejam baseadas em uma única e potencialmente enviesada perspectiva.
- Reflexividade: O pesquisador deve manter um diário reflexivo, documentando seus próprios sentimentos, preconceitos e suposições ao longo do estudo. Essa autocrítica demonstra a consciência do pesquisador sobre como sua própria perspectiva pode influenciar a análise.
Exemplo: No estudo com as mães, o pesquisador, em seu diário reflexivo, anota suas próprias emoções ao ouvir relatos dolorosos e questiona se sua empatia está influenciando a forma como ele interpreta os dados. Ao apresentar as descobertas, ele usa citações diretas das mães para ilustrar cada ponto, mostrando que a conclusão sobre "a força silenciosa" das mães é uma interpretação que emerge diretamente das falas delas, e não uma ideia pré-concebida do pesquisador. Essa prática demonstra a confirmabilidade, pois a origem dos achados pode ser rastreada até a fonte original.
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Hiran Pinel, apostila