domingo, 18 de janeiro de 2015

PARE DE CHORAR, BUSQUE UMA VIDA...

Estou assistindo o making off de Hormones (2013), série de TV, Tailândia. O vídeo descreve e narra os modos como os atores adolescentes e jovens da TV tailandesa são formados para trabalharem nessa série, como são educados pelo diretor e outros.

Repetindo: Os atores são todos adolescentes e se mostra eles sendo formados ator e atrizes - são poucos os adultos e os idosos, e se aparecem são nos papeis de pais, avós etc. Eles são formados no ofício ator, mas isso não impede compreender - a partir da formação deles - outras formações profissionais parecidas, especialmente do psicólogo já que esse ofício, especialmente na clínica e psicopedagogia, lida diretamente com seu tema, os sentimentos, as emoções, os desejos, mesmo indissociados da congnição como defendemos. Mas outros ofícios podem lucrar como o de pedagogo e do professor (de artes, de sociologia, de filosofia, de Português, História, Geografia e outros). Como sabem sou psicólogo, professor (Filosofia, Matemática, Biologia, Pedagogia, Psicologia) e então falo de um lugar de sentido, em um espaço provocador.


Vou analisar um caso apresentado nesse vídeo capturado da internet - ahh se não fosse ela, não teria acesso a tantas obras de artes. Estou aficcionado na produção tailandesa e da Ásia Oriental. 

Vamos lá...
Há dois atores - Tou e March (nomes reais), que em seus papeis (ficções), são namorados um do outro, cujos personagens chamam Thee e Pho. Entretanto, um deles passa a gostar de uma garota; esse vira casacas (kkk) é Pho, é ele que faz essa "traição". Bem, essa "traição" (será trair gostar de outro) acaba provocando rompimento amoroso entre eles - os dois sofrem, um porque abandonou (Pho), outro por ter sido abandonado (Thee) - eles capturam a moral social vigente, lá e aqui iguais (kkk). Bem, nem precisamos pensar muito, que na nossa cultura, o sujeito abandonado sofre mais (ele está só, sem o outro e nem tem nenhum outro na sua proposição existencial), já o que abandonou e ou tomou sua decisão sofre menos, afinal ele encontrou um outro - ele pode dizer a culpa é minha (ele diz isso), eu quero que você seja feliz, vamos ser amigos, ele interroga em determinada cena. 

O ator que faz o personagem abandonado - Thee - tem que fazer uma cena chorando no banheiro, debaixo do chuveiro ligado, exaurindo essa dor, essa perda e elaborar o luto do abandono, da rejeição, do desamparo. Essa é a proposta do diretor, sempre presente e educador. O ator Tou faz bem demais seu papel, e todos ficam em silêncio no estúdio, e ao mesmo tempo estarrecidos com o talento desvelado pelo ator Tou. Até eu fiquei, pois é muito jovem - talvez 17 anos de idade, talvez até menos.

Só que acontece um problema, a cena é terminada, e o ator continua a chorar - e toda equipe sentindo aquele clima de ator com sérias dificuldades de separar realidade de ficção - que é difícil mesmo. Nessa equipe está seu colega March que faz o papel de ter provocado o abandono do outro, o traidor, vamos dizer maleficamente. O diretor tenta ajudar a Tou fazendo exercícios de "clínica psicológica do corpo" (assim que eu chamaria kkk puxando brasa pra minha sardinha), mas o profissional da representação precisa de ajuda, e clínica - urgente.

Então é convocado o colega March que aparece pra urinar, e o diretor diz pra ele, "veja March os danos que você causou a Thee". March sorri, e se vê que ele não sabe como lidar com aquilo que o perturba, e afinal em outra cena os dois fazem questão de afirmar a heterossexualidade na vida real, e como é difícil eles se beijarem na boca. Mas, então numa intervenção (eu faria outra) March fala: "Você com suas lágrimas não me deixa mijar". Tou (no personagem) continua a chorar. Então o colega passa a usar os nomes dos personagens: "Entre você e ela, quem você acha que eu ficaria Thee? Com ela. Eu te amei muito, muito, muito, e você sabe disso, mas as coisas acabam, tem um fim. Fale se não foi bom os beijos que nós nos demos um no outro, as insinuações, o sexo... hem?" (sorrindo). Os dois atores começam rir timidamente, mas o outro abandonado-chorão (no papel de Thee), fala: "Eu te amei e ainda te amo Pho, e isso está difícil, mas eu irei conseguir separar..." O outro retruca: "Vai sim, pois eu estarei do seu lado, afinal temos muita coisa pela frente (silêncio)". March então fala algo muito bonito, e talvez fale pra si mesmo também e pra todos os jovens da Tailândia, do Brasil e do mundo: "Pare de chorar e busque uma vida..." e continua: "eu já dei pra você o que eu pude dar, não posso mais, pois estou em outra" - termina March misturando o si mesmo (real) com o ficcional. Os dois estão complexificados entre ficção e realidade, se perdem nisso, e é boa essa perdição, pois daí podem se encontrar e encontrando energia (até libidinal) pra buscar vida, vida essa que corre no corpo dos quatro (dois personagens e dois profissionais atores)...

DUAS IMAGENS DA CENA DE FORMAÇÃO DOS ATORES DESSA TELE SÉRIE TAILANDESA - JUSTO NO MOMENTO DO CHORO COMPULSIVO E NA PRODUÇÃO FINAL DO DIÁLOGO ENTRE OS PROFISSIONAIS TOU & MARCH, A CONVITE DO DIRETOR: BUSCAR A VIDA, É O QUE LHES RESTA!

Reflito que nossos ofícios - especialmente psicólogo e pedagogo - trazem muitos conflitos, pois são profissões de relacionamento humano, dos conflitos, dos não conflitos, das mesmices, das psicopatologias, da libertação, do aprisionamento. O profissional psicólogo então, é fundamentalmente isso que se passa com passam os atores. Quando o psicólogo/pedagogo é jovem, a maturidade não vem na garupa do cavalo, é preciso viver, buscar supervisão de um outro psicólogo mais antigo e educado/treinado nessa esfera - sofrimentos e as misturas são maiores, podem se perder no código de ética oficial e pessoal/íntimo. Realidade e ficção, realidade e fantasia... Acho que ampliaria pra mais profissões que lucrariam com esse making off na sua formação: professores, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psiquiatras, médicos em geral que trabalham na relação íntima com o paciente, enfermeiros, educadores físicos, psicomotricistas, terapeutas diversos, psicanalistas etc.
Viver um ofício, meus caros, é muito complexo, misturamos com nossos pacientes, alunos, estudantes, orientandos, clientes... Mas vale a pena, e valerá mais se procurarmos sempre ajuda clínica (do nosso sofrimento) e técnica (de nossa atuação profissional).

NOTA: esse texto vem de outro anterior que ficou grande demais; foi publicado primeiro em face; como estou apaixonado por essa série (e por outra, Lovesick the series), eu posso ter inferido alguma coisa, não ter conseguido descrever o real observado ou mudei mesmo apenas pra atentar ao meu objetivo de recomendar o uso desse vídeo para formação de psicólogo, pedagogo e outros - até de atores e atrizes, eu acho, pois esse último não é meu ofício.

Autor: Hiran Pinel, professor associado IV, doutor em Psicologia pela USP/Instituto de Psicologia, pós doutorado em Educação na área de Cinema e Educação pela Faculdade de Educação da UFMG