domingo, 6 de março de 2016

UM PROFESSOR QUE DIZ "NÃO": ÉTICA E ESTÉTICA NOS MODOS DE SER....
Emocionante escutar a canção brasileira "A distancia", de Roberto e Erasmo Carlos), no filme "Violência e Paixão" (1974) de Luchino Visconti, considerado obra prima mundial... O título original pode ser "Conversation Piece" ou, na minha tradução, "Por Dentro de Uma Família...".

A decadência do professor (personagem central) se explicita nessa belíssima cena imbricada com a canção e sua letra: ele sobe a escada de sua mansão, e ao chegar no topo, é convidado a participar de uma orgia sexual com jovens, que poderiam ser seus alunos: rapazes e moças.
Ele recorda de que dizer "não", é a única saída para manter o resto de dignidade que lhe sobra - uma questão, portanto ética e estética. E isso se acentua depois da sua aposentadoria, associado ao seu ensimesmamento ligado um estilo de arte bucólica/ idealizante, e no fundo, só aquela canção pode legitimar o engôdo - ele está cercado de jovens ávidos por bagunça, sexo, revolução marxista maoista em Paris de 68, e ele perdeu a vontade, o ânimo, a motivação. Porque, meu caro e velho professor? Kkk
Mas para minha angústia, o professor diz: "- Não!" Diz não a vida! Ao frenesi dos corpos, que o levariam a uma ação crítica contra a sociedade burguesa de então.... Está correto que ao final ele protege o rapaz que é revolucionário e que a CIA procura. Tá certo que há uma paixão sexual entre eles não concretizada... Mas há... Salvou-se mestre kkk
A cantora italiana Iva Zanicchi, ao interpretar "Testardo Io" (a distancia), descreve (na versão italiana) essa decrepitude, pois a "sua" solidão é o outro que a produz, e não é si-mesmo no mundo da solidão burguesa de sua época. Ela canta a insistência em colar no outro, de grudar kkk Eu acho isso kkk O rei adora essas letras "colosas", que nos move e nos comove.
Quando assisti, fiquei emocionado. Confesso: nem pude acreditar que o refinamento de Visconti cedeu "a distancia", uma canção Cult de nossas melodias, popular, um pedaço da alma "abandônica" do brasileiro. A letra diz mais ou menos isso: "Eu amo, mas não digo, guardo pra manter meu sofrimento", é essa a essência existencializada do personagem... Ó ó ó.... Só o rei é capaz disso, nós o autorizamos...

IMAGEM: Cena do professor chegando (ator: Burt Lancaster) e a canção insistindo, e ele diz "não"... Ó céus... É uma questão ética, de rara beleza dizer isso, negar, reconhecendo sua efemeridade e.... incompetência física, bem como o amor dele pela idealização romanceada, paixão que tem pelas obras de arte que coleciona, do tipo "conversation piece".


[Hiran Pinel]